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24 novembro 2009

A SUPREMA LAMBANÇA




Não é de hoje que se verifica na mais alta Corte de Justiça do Brasil um clima de hostilidade e disputa de vaidades entre os ministros. Basta relembrar as discussões entre Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto no julgamento do processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e a célebre e ríspida discussão (na verdade um bate-boca desnecessário ou um “barraco jurídico” transmitido ao vivo e a cores) entre o presidente Gilmar Mendes e o ministro Joaquim Barbosa ocorrida quando o plenário apreciava uma lei de Minas Gerais que tratava de servidores públicos, processo que aparentemente não havia qualquer expectativa que pudesse gerar alguma polêmica.

Semana passada durante o julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti esses desentendimentos culminaram num julgamento inédito e paradoxal. A Corte decidiu pela extradição de Battisti, porém condicionou seu cumprimento à arbitrariedade do Presidente da República. Como diz o Lula – nunca antes na história deste país – o STF havia se pronunciado sobre a questão, porque todos os presidentes da República – nos duzentos anos do STF e desde quando recebeu o encargo de julgar extradições – jamais deixaram de cumprir o que decidido pelo Supremo. O STF abdicou de sua autoridade deixando ao alvedrio do governante de plantão o direito de cumprir ou não o que foi decidido. Um precedente perigoso para o futuro.

Em declarações à imprensa, o ministro Ayres Brito, que havia concordado duas vezes com o voto do relator Cezar Peluso, mudou sua posição – como já se esperava – para adotar a posição da corrente contrária à extradição. Acusado de se render a pressões disse que o STF não é tutor do presidente da República, donde se conclui que coloca a Corte como tutelada dele. Segundo o Estadão teria dito ainda que: "Estou me lixando para os que pensam que me dobram." Repetiu o que disse o deputado da Comissão de Ética da Câmara. Pouco se lixa para a opinião pública. Com uma vantagem: ocupa cargo vitalício.

Embora essa corrente tivesse adotado o entendimento de que a extradição é matéria que não comporta julgamento de mérito, mas sim de mera delibação, o ministro Eros Grau pediu a palavra para votar “no mérito”. Com explicação confusa concluiu seu voto no sentido de que a extradição deveria ser executada pelo presidente da República, conforme as cláusulas do Tratado. Então, Peluso disse que nesse ponto o voto dele coincidia exatamente com o seu, com o que Eros concordou. Aí começaram a discutir o voto de Eros, que disse que ninguém melhor que ele para interpretar seu próprio voto. E o que fez? Aderiu ao voto de Carmen Lúcia (no sentido da discricionariedade do presidente) e garantiu a maioria para dar ao presidente a última palavra sobre a extradição. Quer dizer, o STF decidiu não decidir, decidiu que os crimes imputados ao italiano são crimes comuns, não políticos,  mas o presidente da República extradita se quiser.

A incoerência foi tanta que a proclamação do resultado foi quase um murmúrio do presidente do STF. Uma verdadeira lambança jurídica.

Tudo está a indicar que a forma de composição do Supremo precisa ser repensada. Não pode um presidente indicar quase a totalidade de seus cargos. Passou da hora de se estabelecer também um mandato. A vitaliciedade engessa a Corte e a expõe, como agora, a uma situação complicada. A maioria absoluta dos atuais integrantes da Corte foi nomeada pelo atual presidente, que pode voltar em 2014 e completar toda a composição do STF. Algo anteriormente inimaginável, mas agora perfeitamente possível.

Em matéria assinada pelos jornalistas Felipe Recondo e Mariângela Gallucci do jornal O Estado de São Paulo de domingo (22/11) algumas dessas questões foram abordadas. Veja mais em Caso Battisti expõe crise no STF

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