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11 novembro 2009

AÇÕES PROBATÓRIAS AUTÔNOMAS




Daniel A. A. Neves
Advogado. Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP. Professor Universitário e autor de Manual de Processo Civil, editora Método (Grupo GEN)



No sistema processual brasileiro atual existem determinadas espécies de ação voltadas exclusivamente à produção de prova, sendo a atuação do órgão jurisdicional nesse tipo de demanda limitada ao controle na colheita da prova, que invariavelmente será utilizada como forma de convencimento do juízo em outro processo, no qual a prova produzida será utilizada como prova emprestada. É pacífico e tranqüilo na doutrina e jurisprudência que o juiz não valora as provas produzidas nessas ações probatórias, limitando-se a homologar sua produção, encerrando o procedimento.



Apesar da existência em nosso sistema legal dessa espécie de ação voltada exclusivamente à produção de provas, existe um ponto em comum em todas elas que limitam sua utilização às situações de urgência na produção da prova, ou, em outras palavras, o interesse de agir nessa espécie de ação está condicionada à comprovação de que a não produção imediata da prova gerará um grave prejuízo ao autor em razão da improbabilidade de conseguir produzi-la posteriormente.



A produção antecipada de provas, a exibição de coisa ou documento e a justificação, são consideradas pela melhor doutrina como ações cautelares típicas, justamente em razão da exigência de periculum in mora a justificar a sua existência. Ainda que se admita na praxe forense certa flexibilização no preenchimento do requisito do periculum in mora, sendo em determinadas situações admitida a produção de prova por meio de cautelar nominada somente com o intuito de esclarecer determinado fato, em regra como forma de permitir a correta preparação da ação principal, carece o sistema legal de uma previsão expressa que permita o exercício do direito à prova como motivador único e exclusivo para a existência de uma demanda judicial.



Entendo que o mero direito à prova já é suficiente para justificar a existência de uma ação judicial, ainda que inexista perigo na produção dessa prova em momento posterior ou que o autor não pretenda - pelo menos não a priori - obter informações mais precisas para a propositura de outra ação. Aos profetas do apocalipse, que poderiam ver nessa sugestão mais uma forma de congestionar o já paralisado Poder Judiciário, sem grandes benefícios práticos, tenho duas ressalvas. Primeiro somente alguém muito ingênuo e sem grande prática profissional pode defender a tese de que a permissão para a existência de uma ação autônoma probatória acarretaria uma corrida insana de jurisdicionados ao Poder Judiciário com o objetivo de produzir uma prova sem qualquer interesse prático. Segundo porque existe efetivamente uma série de benefícios práticos que podem ser imaginados com a adoção da ação probatória autônoma.



Em minha tese de doutorado, posteriormente publicada como livro com o título "Ações probatórias autônomas" (Saraiva, 2008), procuro demonstrar de forma exauriente ao menos seis vantagens práticas na adoção da tese ora defendida (pp. 359-446). Sumariamente, exponho-as:



1. No procedimento sumário documental do mandado de segurança, diferente do que entende parcela da doutrina, a prova não precisa ser documental, mas sim documentada, de forma que a produção anterior de prova de qualquer natureza poderia satisfazer a exigência probatória desse procedimento especial;



2. Na coisa julgada secundum eventum probationis, exige-se para a repropositura da ação coletiva a existência de uma prova nova, que poderia ser produzida por meio de ação autônoma, o que evitaria o desenvolvimento de ações coletivas repetidas e não fundadas em prova nova;



3. Em razão do princípio da eventualidade e da congruência, o juiz está adstrito à causa de pedir narrada pelo autor, sendo que nem sempre o autor tem a exata dimensão dos fatos jurídicos que embasam sua pretensão; nesse caso, a ação probatória autônoma evitaria o prejuízo de uma tardia determinação fática durante um processo já objetivamente estabilizado;



4. Na hipótese de litisconsórcio alternativo o autor não tem certeza de quem deve ser o réu, formando um litisconsórcio para que se descubra no próprio processo qual dos réus tem legitimidade passiva; essa definição muitas vezes decorre de uma melhor determinação do conjunto fático, o que poderia ser realizado por meio da ação probatória autônoma;



5. A realização de conciliação é mais provável e de melhor qualidade quando as partes têm uma noção mais exata dos fatos jurídicos que fundamentam o conflito de interesses, o que pode ser obtido por meio da ação probatória autônoma;



6. Segundo o art. 286, II do CPC caberá pedido genérico quando for impossível ao autor a fixação do valor de seu dano no momento de distribuição da petição inicial. Havendo necessidade de prova pericial, ainda que a jurisprudência venha admitindo o pedido genérico, o ideal seria permitir uma ação probatória autônoma para a produção da prova técnica com o posterior ingresso da ação com pedido certo e determinado.



Como se nota, a existência de uma previsão legal em nosso sistema processual, permitindo uma ação probatória autônoma, com objetivo único de produzir uma prova e com fundamento exclusivo no direito à produção de prova, traria melhoras significativas à defesa dos interesses dos jurisdicionados.



Extraído do Jornal Carta Forense de outubro de 2009.

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