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21 dezembro 2012

BRINQUEDO COM EMBALAGEM CONFUSA NÃO GERA DANO MORAL



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre aquisição de produto com embalagem confusa e resolução da controvérsia, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 5.650/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. PRODUTO IMPORTADO. EMBALAGEM COM INFORMAÇÕES EM VÁRIOS IDIOMAS, INCLUSIVE PORTUGUÊS, SEM QUALQUER DESTAQUE, DIFICULTANDO A EXATA COMPREENSÃO DE SEU CONTEÚDO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO CDC. 
1. SE AS INFORMAÇÕES CONSTANTES DA EMBALAGEM DO PRODUTO NÃO SE COADUNAM COM A ESTAMPA NELA CONTIDA, SENDO INADEQUADAS OU PECANDO PELA CLAREZA, VIOLAM O DISPOSTO NO ART. 6º, DO CDC.
2. TAL FATO, PORÉM, POR SI SÓ, NÃO CONDUZ A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, RESOLVENDO-SE O CONTRATO DE COMPRA E VENDA NOS TERMOS DAS OPÇÕES CONTIDAS NO ART. 35 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.      
3.- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, ES, à unanimidade, conhecer do recurso para reformar a sentença impugnada, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de fevereiro de 2005.

RELATÓRIO

A autora ajuizou ação de indenização por danos morais no valor de R$ 4.800,00 em face de loja de brinquedos, alegando haver adquirido um brinquedo denominado YU-GI-OH e se sentiu enganada quando abriu a caixa e encontrou apenas dois bonecos de monstros, enquanto a caixa informava apenas que havia 2 figuras incluídas, sem especificar se referia a figuras humanas ou monstros. Aduz ainda que o filho de 7 anos se sentiu frustrado pela escolha errada, tendo por conseqüência mais grave a exploração de sua credulidade natural. Pleiteou indenização por danos morais e a entrega dos seis bonecos monstros e dois bonecos de figuras humanas.
Pela r. sentença de fls. 42/44, restou acolhida em parte a pretensão autoral, condenada a requerida por danos morais ao pagamento de R$ 316,00, correspondente a duas vezes o valor desembolsado pelo brinquedo, sendo suficiente para comprar cerca de 50 figuras pelo preço unitário informado em audiência.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso inominado a fls. 45/52, pleiteando a reforma da referida sentença por não ter sido caracterizado e sequer provado o dano moral alegado.
A recorrida apresentou contra-razões a fls. 59/64 no sentido da manutenção do julgado.
É a síntese dos autos.

V O T O
               
Em juízo, a autora informou “que ao comprar o brinquedo, cuja embalagem encontra-se nas folhas 25 e 26, achou que o jogo estaria completo, mas ao chegar em sua residência notou que só estavam presentes dois “bonecos” e que teria que comprar outras figuras, que conforme informou o representante da requerida existem cerca de 40 outros, custando cerca de R$ 6,00 cada.”

Ao examinar a embalagem do brinquedo pode-se constatar um produto globalizado, pois as informações estão grafadas em nove idiomas, inclusive português.

Entretanto, percebe-se deficiências nas informações, as quais dificultam em muito o conhecimento exato do conteúdo da embalagem, desatendendo o disposto no Código de Defesa do Consumidor, “verbis”:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
...

III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que representem.”

A autora não pleiteou a rescisão do contrato de compra e venda, mas sim seu pleno cumprimento com a entrega pela recorrida dos seis bonecos restantes para completar o jogo e danos morais.

Como reconhecido na própria sentença impugnada a autora concorreu significativamente para o evento deixando de proceder a uma leitura atenta das informações na compra do produto e a eventual frustração na utilização do brinquedo não pode nesse caso ser elevada ao patamar de danos morais.

Assim sendo, não vislumbro, na hipótese, a ocorrência de danos morais, porquanto não houve desrespeito à consumidora nem qualquer fato que atingisse sua honra ou qualquer outro atributo de sua dignidade enquanto consumidora ou pessoa humana.

A jurisprudência pátria vem se posicionando quanto ao descabimento de danos morais em situação como a dos autos, valendo conferir-se a respeito, os seguintes julgados:

TJ-PE
Tipo do Recurso: Embargos Declaratórios
Nº do Recurso:  0816/2002
Origem: COLEGIO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS
Processo originário: 01720/2001
Relator: JUIZ - ABELARDO TADEU DA SILVA SANTOS
-Órgão Julgador: 1o. COLEGIO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS
Data de Julgamento: 31/05/2002
Ementa:-
-
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. A PROPAGANDA ENGANOSA, POR SI SÓ, NÃO IMPLICA EM DANOS MORAIS AO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. Cuida-se de embargos de declaração no qual o embargante alega a existência de contradição no v. acórdão atacado, que reconheceu a existência da prática de propaganda enganosa por parte do embargado, mas indeferiu o pleito de indenização por danos morais formulado pelo embargante. Muito embora a prática da propaganda enganosa constituía ato ilícito, tal fato, por si só, não implica no reconhecimento de danos morais ao consumidor. Na realidade, para que o consumidor ora embargante fizesse jus à indenização pleiteada, seria necessário que essa propaganda enganosa tivesse causado efetivamente algum dano ao patrimônio moral do embargante, o que não se vislumbrou no caso em apreço, tendo em vista que, como já frisado no acórdão atacado, a referida propaganda ocasionou apenas meros aborrecimentos ao embargante, o que não se confunde com dano moral nem é passível de reparação pecuniária, inexistindo, portanto, contradição a ser sanada no acórdão em exame.

Classe do Processo : RECURSO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL RJC4596 DF
Registro do Acordão Número : 91837  - Data de Julgamento : 17/12/1996
Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.
Relator : HAYDEVALDA SAMPAIO
Publicação no DJU: 24/02/1997 Pág. : 2.256
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
PUBLICIDADE ENGANOSA - CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ARTIGO 35, III.
A publicidade enganosa autoriza a rescisão do contrato, quando se torne impossível a sua execução na forma divulgada, com direito à restituição da quantia paga, monetariamente atualizada e perdas e danos, nos termos do artigo 35 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.

No caso dos autos nem se pode mesmo entender se tratar de publicidade ou propaganda propriamente dita, mas de embalagem com informações que não primam pela clareza.

Desse modo, a lei consumerista faculta ao consumidor escolher, dentre as opções legalmente previstas, a solução que alvitrar mais pertinente. O CDC assim dispõe:
 
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso para reformar a r.sentença dela excluindo a condenação por danos morais e determinar à recorrida a entrega dos seis bonecos faltantes para possibilitar a fruição plena do brinquedo como estampado em sua embalagem.

Sem ônus sucumbenciais, nos termos do art. 55 da LJE.

É como voto.

14 dezembro 2012

CONVERSÃO DE PENHORA EM QUITAÇÃO NA PENDÊNCIA DE RECURSO




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre confusão entre nome fantasia e pessoa jurídica e conversão de penhora em quitação na pendência de recurso tempestivo, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 7.369/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. REJEIÇÃO LIMINAR POR ILEGITIMIDADE DE PARTE POR ERRO NA DENOMINAÇÃO DA PARTE E TRANSFORMAÇÃO DE DEPÓSITO EM PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.   
1. SE A PARTE COMPARECE EM JUÍZO COMPROVANDO SER DESTINATÁRIA DA EXECUÇÃO NÃO SE HÁ QUE CONSIDERÁ-LA PARTE ILEGÍTIMA APENAS PORQUE O AUTOR TENHA ERRADO SUA DENOMINAÇÃO (NOME FANTASIA), MORMENTE QUANDO OPÕE EMBARGOS NO PRAZO LEGAL.
2.-TENDO SIDO REQUERIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA DE BENS EM DINHEIRO, NOS TERMOS DO ARTIGO 668 DO CPC, INCONCEBÍVEL A TRANSFORMAÇÃO DO DEPÓSITO EM QUITAÇÃO, QUANDO AINDA PENDENTE PRAZO RECURSAL DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS EMBARGOS DO DEVEDOR.
3.-MESMO EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS PREVALECEM OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS, SOBRETUDO AQUELES DECORRENTES DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO AMPLO DIREITO DE DEFESA, ASSEGURADOS CONSTITUCIONALMENTE.
3.- RECURSO PROVIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DAS SENTENÇAS IMPUGNADAS E DETERMINAR O REGULAR PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS NO DOUTO JUÍZO DE ORIGEM.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de novembro de 2005.

RELATÓRIO
O autor, devidamente qualificado e representado por sua ilustrada patrona ajuizou Ação de Reparação por Danos Morais em face de empresa de turismo e proprietária de navio, esta  representada no Brasil pela primeira requerida, alegando atraso em viagem de cruzeiro pela costa brasileira, além dos demais  constrangimentos relatados na peça de exórdio, pleiteando reparação no importe de 40 salários mínimos.
Pela r. sentença de fls., foi excluída da lide a primeira requerida e julgada procedente em parte a pretensão autoral em face da ré proprietária do navio, para condená-la ao pagamento, a título de danos morais, no valor de R$ 7.200,00, corrigidos monetariamente na forma da lei 6899/81.
Requerida a execução, foi determinada a citação para pagamento em 24:00 horas,  sob pena de penhora, tendo sido oferecida penhora em dinheiro.
A empresa proprietária do navio  opôs Embargos do Devedor, requerendo seja declarada a nulidade de citação da embargante, concedendo-lhe oportunidade de defesa relativa ao mérito da causa que originou a execução, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Através da r.sentença de fls. foram rejeitados liminarmente os embargos interpostos, com base no art. 739,III, do CPC e, em seguida, foi proferida nova sentença ao entendimento de que o depósito judicial teve o objetivo de extinguir a  obrigação constante do título executivo, declarando satisfeita a obrigação e julgando extinta a execucional, com base no art. 794,I do CPC.
Inconformada, a executada  interpõe recurso inominado a fls. contra a sentença que julgou os embargos, alegando erro em se dar personalidade jurídica a um nome fantasia.
Aduziu, ainda, que houve erro em se considerar que nos autos da execução ocorreu pagamento do débito e não a substituição da penhora por depósito em dinheiro, necessidade do recebimento do recurso em seu efeito suspensivo, a inexistência de trânsito em julgado da sentença guerreada, requerendo o direito de se defender, bem como a reforma da r.sentença impugnada. 
O recorrido apresentou contra-razões rebatendo as teses lançadas no recurso, culminando por pleitear a manutenção do julgado.
É o relatório.
V O T O

A sentença que rejeitou os embargos liminarmente por não ter a recorrente integrado a lide a meu ver é absolutamente equivocada, além de contraditória, vez que reconhece nulidade em matéria de ordem pública e não a declara.

De outro lado, nula também a sentença subseqüente que julgou satisfeita a obrigação, considerando como pagamento o depósito efetuado a título de substituição da penhora, que encontra amparo no artigo 668 do Código de Processo Civil e assim foi expressamente requerido pela recorrente.

Enfim, o juiz não pode ignorar a realidade dos fatos nem pode atribuir a um navio personalidade jurídica que, à evidência, pela lei brasileira não tem.

Também não existe a pessoa jurídica Island Cruses, pelo menos não ficou demonstrada a sua existência legal, sendo descabida a manutenção de condenação de pessoa jurídica inexistente.

De outra banda, restou comprovado que o navio Island Scape pertence à recorrente, tendo esta legitimidade recursal.

O fato de não haver integrado a lide originária, porquanto julgada a revelia, não impede que a parte revel, em qualquer fase, portanto, mesmo na fase de execução, compareça em juízo para defender seus direitos.

Ora, se embargos do devedor foram recebidos e aceito o depósito em dinheiro, que garante a execução, não há que se falar em ilegitimidade da parte.
                                                                       
Mesmo em sede de juizados especiais prevalecem os princípios processuais, sobretudo aqueles que decorrem de mandamento constitucional, como o devido processo legal e o amplo direito de defesa, nos termos da lei.

 Mesmo porque, em sendo o juizado especial opção exclusiva do autor, de procedimento célere e de instrução abreviada, deve-se permitir ao réu o direito de exercitar adequadamente sua defesa.

Em situação que guarda certa similitude com a retratada nos autos, assim decidiu o Colegiado Recursal Brasiliense:

Classe do Processo : DIVERSOS NO JUIZADO ESPECIAL 20000660000193DVJ DF
Registro do Acordão Número : 142132
Data de Julgamento : 24/04/2001
Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.
Relator : ANTONINHO LOPES
Publicação no DJU: 04/09/2001 Pág. : 51
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR. RECURSO DE APELAÇÃO. 1. AS LIMITAÇÕES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL À PRODUÇÃO DE PROVAS, SUGERE CONCEDIDA AO RÉU TODA DEFESA POSSÍVEL, POIS SOMENTE O AUTOR TEM A OPÇÃO À ESCOLHA DA MODALIDADE DE JUSTIÇA QUE EXAMINARÁ O SEU CASO. 2. AINDA QUE CONVENIENTE A RÁPIDA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO COMO PRONTO RESTABELECIMENTO DA ORDEM SOCIAL, A SOLUÇÃO A SER PROCURADA SERÁ SEMPRE AQUELA QUE MELHOR ATENDA AO DIREITO. 3. A DISCIPLINA DOS EMBARGOS NA LEI 9.099/95, A FORÇA DESCONSTITUTIVA QUE CONTÉM E ATÉ O LIMITE DO QUE PODEM DISCUTIR (ART.52/IX), IMPÕEM VENHAM DESEMBARAÇADOS POR MEIO DE SENTENÇA A DESAFIAR O RECURSO DE APELAÇÃO.

Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso para reconhecer a nulidade das sentenças acima referidas, determinando o retorno dos autos ao douto juízo de origem para processamento regular dos embargos do devedor e posterior julgamento.

 Sem ônus sucumbenciais, na inteligência do artigo 55 da LJE.
 
É como voto.

07 dezembro 2012

ACIDENTE DE TRÂNSITO E DANO MORAL


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento liminar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre acidente de trânsito e dano moral, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 6.557/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FERIMENTO EM PASSAGEIRA. DANO MORAL. CABIMENTO. 
1.-A EMPRESA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS, NA QUALIDADE DE CONCESSIONÁRIA OU PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO, RESPONDE OBJETIVAMENTE PELOS DANOS SOFRIDOS POR SEUS PASSAGEIROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 37,§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SUBSUMINDO-SE, AINDA, AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2.-PELO CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIRO, CARACTERIZADO COMO DE ADESÃO E DE RESULTADO, O TRANSPORTADOR RESPONDE, EM CASO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, AINDA QUE DE TERCEIRO, PELOS DANOS CAUSADOS AOS PASSAGEIROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 734 DO CÓDIGO CIVIL.
3.É INDUVIDOSO O CABIMENTO DE DANO MORAL EM ACIDENTE DE TRÃNSITO, A TEOR DO ARTIGO 186 DO CÓDIGO CIVIL.
4.-NÃO COMPORTA REDUÇÃO O VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS QUANDO COMPATÍVEL COM AS CIRCUNSTANCIAS E PROVASCONTIDAS NOS AUTOS, AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DAS PARTES E ATENDIDOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE/RAZOABILIDADE.
5.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,     de junho de 2005.

RELATÓRIO

A autora, devidamente qualificada e representada por seu ilustrado patrono, aforou a presente Ação Ordinária de Reparação de Danos Morais Puros em face de VIAÇÃO S/A, também individualizada e representada por seus doutos patronos, alegando que embarcou em um ônibus “starbus” da requerida no dia 16 de março de 2003 às 14:00 na cidade de Macaé-RJ com destino a Vitória-ES, com previsão de chegada às 19:00hs do mesmo dia. Entretanto, próximo ao trevo de Piúma-ES o ônibus colidiu com uma ambulância e tombou à beira da pista, tendo a autora sofrido diversos ferimentos. Houve demora no socorro às vítimas e mau atendimento, razão pela qual requereu a condenação ao pagamento de danos morais no valor de R$ 9.600,00.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 77/82, que julgou procedente o pedido condenando a requerida ao pagamento da importância de R$ 1.000, a título de danos morais, acrescida de juros a contar da data da efetiva citação e correção monetária desde o ajuizamento da ação.
Inconformada, a requerida interpôs recurso inominado a fls.86/193, alegando inexistência de responsabilidade civil, vez que o acidente ocorreu por culpa de terceiro e falta de demonstração de prova quanto aos danos morais, propugnando pelo provimento do recurso, com afastamento da condenação imposta à recorrente ou que seja limitada a condenação em valores compatíveis com a situação fática narrada, sob pena de enriquecimento sem causa, pois somente assim se estará fazendo a irrecusável justiça.
Contra-razões a fls. 105/115, rebatendo os argumentos da recorrente e culminando por requerer seja negado provimento ao recurso, a fim de se manter incólume a sentença monocrática, condenando a recorrente em honorários de sucumbência.
É o relatório.

VOTO
                                                                    
A ocorrência do acidente de trânsito envolvendo o ônibus da recorrente e os ferimentos sofridos pela passageira-recorrida são fatos incontestáveis nos autos.

Bate-se o recurso pela exclusão de responsabilidade em face de alegação de que o acidente deriva de fato de terceiro, ou seja, o motorista de uma ambulância que teria abalroado o ônibus, estourando-lhe os pneus, causando o seu tombamento e conseqüente ferimentos em vários passageiros, inclusive a recorrida.

Ensina MARIA HELENA DINIZ, que o contrato de transporte é bilateral, vez que gera obrigações tanto para o transportador como para o passageiro ou expedidor; oneroso, pois apresenta vantagens para ambos os contraentes; comutativo, porque as prestações de ambas as partes já estão certas, não ficando na dependência de algum evento futuro e incerto, sendo, ainda, contrato de adesão, eis que as cláusulas contratuais são estabelecidas pelo transportador; e, consensual, visto que se aperfeiçoa pelo mútuo consentimento dos contraentes. (Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol., São Paulo: Saraiva, 1993, p.390).

Afirma, ainda, a renomada mestra:

“Uma vez celebrado o contrato de transporte de pessoas, o transportador passará a ter a obrigação de:
1º) Transportar o passageiro de um local para outro, no tempo e no momento convencionados.
2º) Efetuar o transporte com cuidado, exatidão e presteza.
3º) Responder pelos danos causados ao viajante, oriundos de desastres não                provocados por força maior ou caso fortuito ou por culpa do passageiro (Dec. 2.681/12,art.17), pagando uma indenização variável conforme a natureza ou a extenção (sic) do prejuízo. Se o dano implicar ferimentos, deverá pagar os prejuízos que o passageiro tiver em decorrência deles, como o tratamento médico e os lucros cessantes durante o período de tratamento (Dec. Nº 2.681/12,art.20). Se houver lesão corporal ou deformidade que o invalide para o trabalho, deverá pagar, além das despesas com o tratamento médico, os lucros cessantes e uma indenização fixada pelo juiz.”
(Ob.cit.p.399).

Por seu turno, o  Código Civil/2002 cuida do tema na Parte Especial, Livro I – Do Direito das Obrigações, Título VI – Das Várias Espécies de Contrato, Capítulo XIV – Do Transporte, Seção II – Do Transporte de Pessoas, em seus artigos 734 a 742.

Pela redação do artigo 734 do Código Civil “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”. (Grifei e negritei).

Portanto, o transportador somente pode alforriar-se de sua responsabilidade por motivo de força maior e nenhum outro, nem mesmo o caso fortuito, quanto mais por fato de terceiro, cuja escusativa, aliás, foi expressamente vedada pelo artigo 735, que incorporou o verbete da SÚMULA 187 do Supremo Tribunal Federal, “verbis”:

“A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”
 
Em esclarecedor julgado sobre a responsabilidade objetiva do transportador em caso de acidente de trânsito, independentemente da culpa de quem tenha provocado o acidente, ainda na vigência do antigo Código Civil, assentou o Colendo STJ, o seguinte:

“O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento.” (STJ, 3ª. Turma, REsp 13351-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, v.u., j.18.12.1991,DJU 24;2.1992,p.1869).
 
Tratando-se, pois de atividade de risco, incogitável a apuração de culpa, como também estabelece a novel codificação civil, no parágrafo único do artigo 927, que dispõe com clareza solar:

ART. 927-...

Parágrafo único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por fim, calha assinalar que sendo o contrato de transporte de passageiros uma obrigação de resultado, havendo dano ao passageiro, cabe ao transportador a responsabilidade da reparação.

A propósito, lembra ainda o emérito Professor NELSON NERY JÚNIOR:

“O inadimplemento da obrigação de resultado enseja reparação dos danos por ele causados, pelo regime da responsabilidade objetiva, como já era da tradição do direito brasileiro, mesmo antes do advento do CDC e do CC sw 2002.” (Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª. ed. Ver. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.488).

Por conseguinte, induvidosa a responsabilidade da recorrente.

No que tange à inaplicação de dano moral na espécie, também não procede o recurso, sendo pacífico o entendimento de seu cabimento como demonstra por mera exemplificação o seguinte julgado:

RESPONSABILDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - AUSÊNCIA DE  PREJUÍZO MATERIAL - DANO MORAL
Inexistindo prova da ocorrência de qualquer prejuízo de  natureza material à vítima, resta a esta o direito à  reparação pelo dano moral, decorrente da angústia e da dor  experimentadas com o evento danoso. Este, entretanto, não  pode implicar enriquecimento sem causa, devendo representar  razoável reparação apenas. Ressalva que se faz às evidentes  dificuldades na valoração objetiva do sofrimento (TA.Cív.-RJ  - Ac. unân. da 6ª Câm. reg. em 30-10-97 - Ap. 97.001.08004- Capital - Rel. Juiz Jair Pontes de Almeida; in ADCOAS  8160706).

Quanto ao valor fixado para a indenização, parece-me igualmente adequado ao caso concreto. Observo do Laudo de Exame de Lesões Corporais do Departamento Médico Legal da Polícia Civil do Estado de fls. 21, que a recorrida sofreu diversos ferimentos, tais como equimose com 1,5 cm de diâmetro em lábio inferior, ferida contusa com 0,8 cm de extensão em lábio inferior, edema em região parietal esquerda com 4,0 cm de diâmetro, marcha claudicante, hematoma com 15,cm de diâmetro em glúteo direito e equimose com 3,0 cm de diâmetro em face lateral do pé direito.
 
Além disso, a prestação de socorro aos passageiros foi conduzida de forma excessivamente demorada e feita em duas etapas, o que prolongou desnecessariamente sofrimento da recorrida, que sofreu vários ferimentos, inclusive na face.

Evidente o constrangimento sofrido pela passageira e a falha na prestação de socorro por parte da recorrente.

A empresa recorrente é uma das maiores empresas de transporte de passageiro do planeta, de sorte que o valor fixado a título de danos morais até poderia ser majorado, jamais reduzido.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a r.sentença hostilizada em sua integralidade, devendo a recorrente-vencida, nos termos do art. 55 da LJE,  pagar as custas processuais e a verba honorária que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, corrigidos nos termos da Lei nº 6.899/1991 e juros legais a partir da citação. 

É como voto.