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14 dezembro 2012

CONVERSÃO DE PENHORA EM QUITAÇÃO NA PENDÊNCIA DE RECURSO




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre confusão entre nome fantasia e pessoa jurídica e conversão de penhora em quitação na pendência de recurso tempestivo, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 7.369/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. REJEIÇÃO LIMINAR POR ILEGITIMIDADE DE PARTE POR ERRO NA DENOMINAÇÃO DA PARTE E TRANSFORMAÇÃO DE DEPÓSITO EM PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.   
1. SE A PARTE COMPARECE EM JUÍZO COMPROVANDO SER DESTINATÁRIA DA EXECUÇÃO NÃO SE HÁ QUE CONSIDERÁ-LA PARTE ILEGÍTIMA APENAS PORQUE O AUTOR TENHA ERRADO SUA DENOMINAÇÃO (NOME FANTASIA), MORMENTE QUANDO OPÕE EMBARGOS NO PRAZO LEGAL.
2.-TENDO SIDO REQUERIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA DE BENS EM DINHEIRO, NOS TERMOS DO ARTIGO 668 DO CPC, INCONCEBÍVEL A TRANSFORMAÇÃO DO DEPÓSITO EM QUITAÇÃO, QUANDO AINDA PENDENTE PRAZO RECURSAL DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS EMBARGOS DO DEVEDOR.
3.-MESMO EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS PREVALECEM OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS, SOBRETUDO AQUELES DECORRENTES DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO AMPLO DIREITO DE DEFESA, ASSEGURADOS CONSTITUCIONALMENTE.
3.- RECURSO PROVIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DAS SENTENÇAS IMPUGNADAS E DETERMINAR O REGULAR PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS NO DOUTO JUÍZO DE ORIGEM.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de novembro de 2005.

RELATÓRIO
O autor, devidamente qualificado e representado por sua ilustrada patrona ajuizou Ação de Reparação por Danos Morais em face de empresa de turismo e proprietária de navio, esta  representada no Brasil pela primeira requerida, alegando atraso em viagem de cruzeiro pela costa brasileira, além dos demais  constrangimentos relatados na peça de exórdio, pleiteando reparação no importe de 40 salários mínimos.
Pela r. sentença de fls., foi excluída da lide a primeira requerida e julgada procedente em parte a pretensão autoral em face da ré proprietária do navio, para condená-la ao pagamento, a título de danos morais, no valor de R$ 7.200,00, corrigidos monetariamente na forma da lei 6899/81.
Requerida a execução, foi determinada a citação para pagamento em 24:00 horas,  sob pena de penhora, tendo sido oferecida penhora em dinheiro.
A empresa proprietária do navio  opôs Embargos do Devedor, requerendo seja declarada a nulidade de citação da embargante, concedendo-lhe oportunidade de defesa relativa ao mérito da causa que originou a execução, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Através da r.sentença de fls. foram rejeitados liminarmente os embargos interpostos, com base no art. 739,III, do CPC e, em seguida, foi proferida nova sentença ao entendimento de que o depósito judicial teve o objetivo de extinguir a  obrigação constante do título executivo, declarando satisfeita a obrigação e julgando extinta a execucional, com base no art. 794,I do CPC.
Inconformada, a executada  interpõe recurso inominado a fls. contra a sentença que julgou os embargos, alegando erro em se dar personalidade jurídica a um nome fantasia.
Aduziu, ainda, que houve erro em se considerar que nos autos da execução ocorreu pagamento do débito e não a substituição da penhora por depósito em dinheiro, necessidade do recebimento do recurso em seu efeito suspensivo, a inexistência de trânsito em julgado da sentença guerreada, requerendo o direito de se defender, bem como a reforma da r.sentença impugnada. 
O recorrido apresentou contra-razões rebatendo as teses lançadas no recurso, culminando por pleitear a manutenção do julgado.
É o relatório.
V O T O

A sentença que rejeitou os embargos liminarmente por não ter a recorrente integrado a lide a meu ver é absolutamente equivocada, além de contraditória, vez que reconhece nulidade em matéria de ordem pública e não a declara.

De outro lado, nula também a sentença subseqüente que julgou satisfeita a obrigação, considerando como pagamento o depósito efetuado a título de substituição da penhora, que encontra amparo no artigo 668 do Código de Processo Civil e assim foi expressamente requerido pela recorrente.

Enfim, o juiz não pode ignorar a realidade dos fatos nem pode atribuir a um navio personalidade jurídica que, à evidência, pela lei brasileira não tem.

Também não existe a pessoa jurídica Island Cruses, pelo menos não ficou demonstrada a sua existência legal, sendo descabida a manutenção de condenação de pessoa jurídica inexistente.

De outra banda, restou comprovado que o navio Island Scape pertence à recorrente, tendo esta legitimidade recursal.

O fato de não haver integrado a lide originária, porquanto julgada a revelia, não impede que a parte revel, em qualquer fase, portanto, mesmo na fase de execução, compareça em juízo para defender seus direitos.

Ora, se embargos do devedor foram recebidos e aceito o depósito em dinheiro, que garante a execução, não há que se falar em ilegitimidade da parte.
                                                                       
Mesmo em sede de juizados especiais prevalecem os princípios processuais, sobretudo aqueles que decorrem de mandamento constitucional, como o devido processo legal e o amplo direito de defesa, nos termos da lei.

 Mesmo porque, em sendo o juizado especial opção exclusiva do autor, de procedimento célere e de instrução abreviada, deve-se permitir ao réu o direito de exercitar adequadamente sua defesa.

Em situação que guarda certa similitude com a retratada nos autos, assim decidiu o Colegiado Recursal Brasiliense:

Classe do Processo : DIVERSOS NO JUIZADO ESPECIAL 20000660000193DVJ DF
Registro do Acordão Número : 142132
Data de Julgamento : 24/04/2001
Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.
Relator : ANTONINHO LOPES
Publicação no DJU: 04/09/2001 Pág. : 51
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR. RECURSO DE APELAÇÃO. 1. AS LIMITAÇÕES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL À PRODUÇÃO DE PROVAS, SUGERE CONCEDIDA AO RÉU TODA DEFESA POSSÍVEL, POIS SOMENTE O AUTOR TEM A OPÇÃO À ESCOLHA DA MODALIDADE DE JUSTIÇA QUE EXAMINARÁ O SEU CASO. 2. AINDA QUE CONVENIENTE A RÁPIDA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO COMO PRONTO RESTABELECIMENTO DA ORDEM SOCIAL, A SOLUÇÃO A SER PROCURADA SERÁ SEMPRE AQUELA QUE MELHOR ATENDA AO DIREITO. 3. A DISCIPLINA DOS EMBARGOS NA LEI 9.099/95, A FORÇA DESCONSTITUTIVA QUE CONTÉM E ATÉ O LIMITE DO QUE PODEM DISCUTIR (ART.52/IX), IMPÕEM VENHAM DESEMBARAÇADOS POR MEIO DE SENTENÇA A DESAFIAR O RECURSO DE APELAÇÃO.

Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso para reconhecer a nulidade das sentenças acima referidas, determinando o retorno dos autos ao douto juízo de origem para processamento regular dos embargos do devedor e posterior julgamento.

 Sem ônus sucumbenciais, na inteligência do artigo 55 da LJE.
 
É como voto.

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