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28 dezembro 2011

O DEFUNTO QUE MORREU DUAS VEZES




Archimedes Marques
Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe

Já houvera um tempo, há quase três décadas atrás, que a maioria dos setores pertencentes à Secretaria da Segurança Pública do Estado de Sergipe, trabalhava precariamente com equipamentos e viaturas velhas, totalmente sucateados, embora tivesse uma boa mão de obra pertinente com excelentes e dedicados profissionais. Dentro deste patamar laborativo o Instituto Médico Legal não ficava para trás, tendo um único Rabecão em péssimas condições de conservação para arrecadar os corpos oriundos de mortes violentas em todo o Estado de Sergipe.

O velho e obsoleto Rabecão tinha como seu ponto de problema central a “junta”, ou seja, era unânime todos afirmarem: “Junta tudo e joga fora”.

Dentro deste conceito, a tranca da porta do fundo daquele veículo também não funcionava a contento, estava com defeito e quase sempre se abria quando dos tombos nas estradas esburacadas.

Certo dia, mais de perto, em uma madrugada, quando a equipe retornava do interior do Estado após recolher um andarilho morto na estrada vitima de homicídio, estando já próximo do IML em Aracaju, mais de perto, na passagem de um canal de esgoto a céu aberto, havia uma alta lombada em que os motoristas tinham que ser cautelosos para não causarem acidentes, daí o condutor do Rabecão se esqueceu do fato, talvez até pelo cansaço do trabalho exaustivo daquele dia, ou talvez pela pressa para chegar à repartição a fim de tirar um breve descanso, passou pela tal lombada na velocidade que vinha em uma cidade adormecida e sem transito algum. Quando o pesado veículo bateu na lombada, subiu e desceu ao solo, a porta do fundo se abriu e o defunto saiu voando com bacia e tudo mais para se estatelar nas proximidades, oportunidade que o morto caiu de cabeça na quina de um meio-fio vindo a sofrer um forte traumatismo craniano encefálico, espalhando até partes dos seus miolos pelo chão e, para piorar ainda mais a situação rolou para dentro do fétido esgoto, defunto esse que se vivo estivesse fatalmente teria morrido.

Foi aquela confusão dos diabos com os funcionários desorientados com aquela situação cômica se não fosse trágica que por sorte não juntou gente, pois além de tudo dava uma leve garoa de chuva fina e gelada nessa madrugada em que eu estava como Delegado de Plantão de Aracaju. Logo os maqueiros e perito que estavam no Rabecão decidiram recolher novamente o defunto e, após o exame cadavérico já no Instituto Médico Legal resolveram abafar o caso sem o conhecimento da imprensa.

E assim, o defunto que morreu duas vezes, uma por homicídio proveniente de arma branca e outra proveniente de acidente de trânsito, foi enterrado como indigente sem ser identificado nem tampouco reclamado por alguém por ser um andarilho sem qualquer familiar ou documento de identificação.

Texto enviado pelo Autor.

19 dezembro 2011

UM ESTADO DEMOCRÁTICO E FORTE




Giovani Dresch  
Presidente eleito da AJURIS

O Estado brasileiro tem compromisso com a consolidação de uma sociedade democrática e com a busca de uma maior justiça social, tarefas que lhe foram atribuídas pelo constituinte de 1988. Tais definições permeiam os três Poderes, que, independentes e harmônicos, e cada qual com suas atribuições próprias, devem submeter-se às diretrizes constitucionais.

Decorridas mais de duas décadas, e em relação a cada um dos Poderes, não é possível dizer que foi cumprida a promessa feita pela Constituição à cidadania. No Judiciário, o exponencial aumento de demandas demonstra que se facilitou o acesso à justiça e que cresceu a expectativa dos cidadãos em nele encontrarem respostas às suas postulações.
Todavia, o fenômeno evidencia uma causa e uma consequência preocupantes: na ponta inicial, não há como deixar de se associar as milhares de ações levadas ao conhecimento dos juízes à existência de uma anterior lesão, muitas vezes decorrente de omissão do próprio poder público; na ponta final, da efetiva prestação jurisdicional, o excesso de ações escancarou os limites materiais de um Poder que não mais consegue dar resposta adequada a tal volume de demandas e corre o risco de assemelhar seu serviço a tantos mal prestados pelo Executivo, como a saúde, educação, previdência, segurança.

É de se ressaltar que talvez o maior responsável pelo excesso de demandas seja o próprio Estado, pela prestação deficiente dos serviços públicos e por omitir-se do controle de atividades subordinadas à sua disciplina, como os serviços bancários, de seguros, energia elétrica, telefonia e tantos outros.

Também o Legislativo tem sua parcela de responsabilidade, na medida em que tarda a dar soluções em vários planos. Cabe lembrar que aguarda aprovação a nova ação civil pública, que em muito reduzirá as ações individuais; do mesmo modo, há muito a fazer para, entre os diferentes tipos de delitos, priorizar a punição dos crimes de maior lesividade social, como os de corrupção e os praticados pelo crime organizado.

Por outro lado, se é importante assinalar o débito do Estado, por seus três Poderes, em relação às promessas constitucionais, não deve a crítica ignorar os avanços ocorridos nos últimos 23 anos, nem servir de argumento para propostas de encolhimento do Estado.
Deve ficar claro que as críticas fáceis endereçadas a toda atividade estatal, como se fosse por definição ineficiente, perdulária e corrupta, não podem servir de mote para a tentativa de redução de seu tamanho, como se de outro lugar que não do âmbito público pudessem se desenvolver em larga escala as políticas para a efetiva realização da justiça social.

O Estado deve ser a um tempo forte e democrático. Deve ser forte para cumprir sua função de agente implementador do desenvolvimento econômico e, mais do que isso, para oferecer os serviços públicos que lhe incumbem; deve ser democrático – e não apenas formalmente – para assegurar, com sua transparência, que a sociedade tenha maior ingerência na gestão pública.

Enviado por Imprensa Ajuris-Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.

09 dezembro 2011

FIANÇA LOCATÍCIA. HAVENDO INADIMPLÊNCIA DO LOCATÁRIO, CABE À SEGURADORA HONRAR O PAGAMENTO DO SEGURO CONTRATADO.




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado refere-se ao seguro de fiança locatícia, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 6.614/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS E RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO POR INADIMPLMENTO CONTRATUAL. SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA.RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA.   
1. SÃO DISTINTAS E INCONFUNDÍVEIS AS GARANTIAS LOCATÍCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA LEI 8.241/95 (LEI DE LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS), DISTIGUINDO-SE O INSTITUTO DA FIANÇA, PREVISTO NO INCISO II, (QUE PERMITE O CHAMADO “BENEFÍCIO DE ORDEM”) DO SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA, CONTRATO QUE SE REGE PELAS NORMAS ATINENTES AO RAMO DE SEGUROS.    
2.-RESTANDO INCONTROVERSA A INADIMPLÊNCIA DO CONTRATO LOCATÍCIO CABE AO LOCADOR PROMOVER SUA RESCISÃO.
3.-ESTANDO OS VALORES COBRADOS A TÍTULO DE ALUGUÉIS E ENCARGOS NOS PARÂMETROS ESTIPULADOS NA APÓLICE DEVE A SEGURADORA ARCAR COM A INDENIZAÇÃO PROVENIENTE DO SINISTRO NOS TERMOS DO CONTRATO.
4.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para  negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,      de julho de 2005.

R E L A T Ó R I O

Os autores, devidamente qualificados e representados por seu ilustre patrono, propuseram Ação de Cobrança de aluguéis e encargos do contrato de locação de imóvel em fade do locatário e da Seguradora, alegando que o locatário não está cumprindo com suas obrigações estando em atraso com cinco meses de aluguel referente aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2003 e janeiro de 2004 e cotas condominiais referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2003, taxas de energia e IPTU, que, acrescidos das multas e encargos do contrato somam a quantia de R$ 7.950,41, conforme planilha apresentada, pleiteando a condenação no pagamento dos referidos valores e rescisão do contrato de locação.
Em face da dificuldade de localização do primeiro réu foi requerida a desistência da ação quanto ao mesmo, sem impugnação da segunda requerida, tendo sido homologada a desistência quanto ao mesmo (fls.66) prosseguindo-se o feito apenas em face da seguradora.
Após regular instrução foi prolatada a r.sentença de fls. 77/78 que julgou procedente o pedido condenando a seguradora ao pagamento de R$ 7.950,41, corrigidos a partir da efetiva inadimplência do locatário.
Irresignada a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 89/102, alegando nulidade da sentença por falta de fundamentação, bem como descumprimento de cláusula contratual e inobservância dos limites mensais contratados, esperando seja o recurso conhecido e provido nos termos delineados acima por ser questão da mais lídima justiça.
Contra-razões a fls.108/117, rechaçando os argumentos deduzidos no recurso e informando que o primeiro requerido veio a falecer no curso do procedimento, requerendo seja mantida “in totum” a r.sentença proferido pelo juízo a quo.
É o relatório.
                                               V O T O
                       
Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, principalmente diante a certidão de fls. 89, conheço do recurso.
                                  
A alegada nulidade da sentença por ausência de fundamentação, embora lançada no recurso sem destaque de preliminar, não tem qualquer procedência.

Em sede de juizados especiais prevalecem “ex vi legis” os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, instituídos no art. 2º da lei 9.099/95. Desse modo, a sentença deve conter apenas o registro de fatos relevantes ocorridos em audiência e mencionar os elementos de convicção do juiz, consoante o disposto no artigo 38.

Sobre o tema preleciona  JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR:

"O que a Constituição Federal exige (art.93,IX), e a norma de caráter infraconstitucional determina (no caso, art. 38) é que as sentenças e todas as demais decisões proferidas pelo Poder Judiciário sejam fundamentadas.
Para tanto, é suficiente que o julgador diga com clareza quais foram os motivos de fato e de direito, em sintonia com as provas carreadas nos autos, que o levaram a decidir nos termos da norma aplicável à espécie, desta ou daquela maneira, isto é, se o pedido é procedente ou não. Deve dizer o direito e o porquê do direito em concreto, e basta; todo o resto é despiciente."
(Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9099, de 26.09.1995, 3º ed. rev. e atua. e ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.323/324).

No caso dos autos, a sentença, lavrada em audiência, atende aos parâmetros legais, sendo sucinta, porém suficiente para demonstrar os fundamentos em que se arrimou o juiz monocrático para acolher o pedido do autor, rejeitando a preliminar de intempestividade e fincando razões de mérito no sentido de que o contrato de seguro-fiança difere profundamente do instituto do fiador invocado pela seguradora. E foi clara o bastante para permitir ao recorrente a interposição de seu recurso.

Em sendo assim não há como acoimá-la de nulidade por carência de fundamentação, vez que atende às disposições legais.

Os recorridos trouxeram aos autos o contrato de locação e a apólice em que a recorrente é a seguradora-garantidora do referido contrato.

De outro lado, a inadimplência do locatário restou incontroversa.

O sinistro (inadimplemento dos aluguéis e encargos) ocorreu na vigência do contrato e os valores encontram-se nos limites contratados.

A seguradora tenta embaraçar o cumprimento de sua obrigação que é a de promover o pagamento das mensalidades e encargos que não foram pagos pelo locatário, vez que a locação é garantida pelo seguro de fiança.

Ora, o seguro de fiança locatícia ou seguro fiança tem por objeto garantir o segurado, no caso os locadores-recorridos, dos eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento do contrato pelo locatário-garantido do inadimplemento do contrato de locação.

Conforme o disposto no contrato de seguro de fiança locatícia de fls. 35/20, caracterizado o descumprimento contratual por parte do locatário, tem o locador o direito de pleitear o recebimento por parte da seguradora da indenização correspondente. Para isso pode ajuizar ação monitória, ação de cobrança, ação executiva, ação de despejo e ação de rescisão contratual, como no caso dos autos.

Totalmente incabível a tese da seguradora de pretender benefício de ordem, porquanto, como bem assentado na sentença, o contrato de fiança, considerado benéfico e previsto no inciso II do art.37 da Lei nº 8245/91, de caráter obrigacional, nada tem a ver com a garantia do seguro de fiança, previsto no inciso III do mesmo dispositivo legal, que é regido pelas normas de seguro. A propósito, veja-se o seguinte julgado do Colendo STJ:
                 
REsp 264558 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2000/0062713-5
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA. ART. 37, III, DA LEI 8.245/91. EXECUÇÃO DE DÉBITOS LOCATIVOS. POSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ESPÉCIE DO GÊNERO CAUÇÃO. ART. 585, III, DO CÓDIGO PROCESSUAL. CONCOMITÂNCIA. INCIDÊNCIA. ART. 585, IV, DO CPC. DECORRÊNCIA. NATUREZA ACESSÓRIA AO CONTRATO LOCATIVO. APLICAÇÃO. EXEGESE SISTEMÁTICA-TELEOLÓGICA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
I - Consoante a regra inscrita no art. 585, III, do Código de Processo Civil, o contrato de seguro de fiança locatícia, previsto no art. 37, III, da Lei 8.245/91, é instituto jurídico albergado no gênero caução, legitimando, portanto, a utilização de ação executiva, contra a empresa seguradora, para o adimplemento dos créditos locativos.
II - É cabível a execução de créditos de aluguel - com fundamento no inciso IV, art. 585, do CPC -, mediante a apresentação de apólice de seguro de fiança locatícia e do contrato de locação a que se vincula, por tratar-se tal seguro de uma das três modalidades de garantia prevista no art. 37, III, da lei inquilinária, sendo figura jurídica que existe, tão-somente, em razão do pacto locativo, sendo a este, visceralmente, integrado de modo acessório.
III - A aplicação da exegese sistemática-teleológica recomenda a adoção da regra geral inscrita no art. 585, IV, do CPC, que autoriza a cobrança executiva dos créditos decorrentes de aluguéis, desimportando, na espécie, se os valores exigidos estejam representados em instrumento jurídico acessório ao contrato de locação.
IV - Recurso especial desprovido.

Também não prevalece a tese da seguradora de que o locador não ajuizou a ação no prazo estipulado no contrato. A jurisprudência pátria majoritária tem se posicionado no sentido da invalidade de tal cláusula, por se tratar de contrato de adesão, portanto subsumido às normas do Código de Defesa do Consumidor, não contendo tal cláusula o devido destaque e, sobretudo, excluir a álea, essência do contrato de seguro.

Por mera exemplificação, confiram-se os seguintes julgados da altaneira jurisprudência gaúcha:

Tribunal de Justiça do RS
Apelação Cível-NÚMERO: 70009239195
EMENTA:  LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO FIANÇA. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 178, § 6º, INC. II, DO CCB. APLICAÇÃO DA SUMÚLA 229 DO STJ. CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELA SEGURADA. CLÁUSULA RESOLUTIVA. ESTIPULAÇÃO DE PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PELO SEGURADO. NULIDADE. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE COBRANÇA NÃO DEMONSTRADO. REJEITADA A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. . (Apelação Cível Nº 70009239195, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 24/11/2004)

Apelação Cível nº 70000086983 – Quinta Câmara Cível
 “AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA PELO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – IPERGS. CLÁUSULA RESOLUTIVA. Esta Câmara tem mantido o entendimento de que é nula a cláusula em que a entidade fiadora determina que o locador tenha prazo para ajuizar ação de despejo, sob pena de extinção da garantia, vez que isto ofende o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da CF, o que é o caso dos autos. Apelação provida.”
(Rel. Dês. Vicente Barrôco de Vasconcellos).

Vale ainda lembrar a lição da eminente mestra Maria Helena Diniz: "O seguro de fiança  locatícia é o pagamento de uma taxa, correspondente a um  prêmio mensal ou anual que se ajustar, tendo por fim garantir  o pagamento de certa soma ao locador. Garante-se, mediante o  prêmio, o pagamento do aluguel. Pelo seguro de fiança  locatícia, o inquilino pagará mensalmente uma quantia à  Companhia Seguradora, para que ela pague indenização,  cobrindo possíveis e eventuais prejuízos do locador. ... Com  o seguro de fiança locatícia haverá despersonificação da  garantia; a entidade seguradora, a quem o Poder Público  conceder a exploração dessa atividade, terá o dever de  indenizar o locador pelos aluguéis não pagos pelo inquilino  segurado."

Firme nessas considerações, nego provimento ao recurso condenando a recorrente no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

08 dezembro 2011

CNJ INSTAURA PROCESSO CONTRA DES. ZVEITER DO TJRJ

O Conselho Nacional de Justiça decidiu, por maioria, durante a 140ª. sessão plenária de terça-feira (6/12), pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) e desembargador do Tribunal de Justiça do TJRJ, Luiz Zveiter. 

O magistrado é suspeito de favorecer a incorporadora Cyrela em processo judicial no qual é questionada a titularidade da empresa sobre um terreno localizado no bairro Barra da Tijuca. A decisão do plenário confirmou o voto da relatora do caso ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, proferido no último dia 11 de outubro. O julgamento havia sido suspenso, na ocasião, devido a um pedido de vista do conselheiro Tourinho Neto.

O caso teve início com uma reclamação ao CNJ (0002979-13.2010.2.00.0000) feita por Vanildo Pereira da Silva. Ele é sócio da empresa Elmway, que disputa a propriedade com a incorporadora Cyrela, responsável pela construção de um condomínio de luxo no local. No primeiro julgamento em outubro, a corregedora defendeu a abertura do processo contra Zveiter. 

Segundo as denúncias, o magistrado – na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo a incorporadora, quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa.

Votaram a favor da instauração do processo administrativo disciplinar, além da relatora, os conselheiros Neves Amorim, Carlos Alberto Reis de Paula, Ney de Freitas, Wellington Saraiva, Jefferson Kravchychyn, Jorge Hélio e Gilberto Martins. Foram vencidos o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, e os conselheiros Tourinho Neto, José Lucio Munhoz, Silvio Rocha, Marcelo Nobre e Bruno Dantas. A decisão do CNJ não prevê o afastamento de Zveiter de suas funções atuais no TRE-RJ e TJRJ. 

Informações do CNJ.

07 dezembro 2011

O PAPEL DA CULTURA NA VIDA DO JUIZ

Diretoria de Cultura da AMB

A área cultural da magistratura, seja nacional, seja mundial, tem uma tarefa a cumprir.

As nossas associações valorizam, como deve ser, as questões políticas, quero dizer, vencimentos, previdência, garantias institucionais e as melhorias do Judiciário para uma prestação jurisdicional mais cidadã. E valorizam menos o fazer cultural artístico, quero dizer, oportunizar espaço para o pensamento artístico e filosófico.

Nós, magistrados, fazemos, agimos. Mas a reflexão que fazemos desse agir restringe-se, via de regra, ao exame político-institucional sob a ótica do jurídico.

Falta a visão do artista e do filósofo, eis que trilham caminhos muito próximos.
Por que falta a visão do artista?

Porque aquele que escreve literatura, que filosofa, que pinta, esculpe ou compõe música, ou o usuário habitual da cultura artística - leitor, frequentador de galerias ou teatro - é dotado de linguagem burilada na exposição do pensamento, quero dizer, desenvolve linguagem literária ou pictórica, que melhor transmite suas ideias. Aprofunda a visão sobre o assunto abordado através da sua sensibilidade e, principalmente, mantém-se comprometido com a verdade real, sem compromissos, institucional ou corporativista; ou não é artista.

A humanidade em geral, a magistratura em particular, necessita da participação efetiva dos nossos artistas. E é nesse sentido, e com essa intensidade, que consideramos a importância das diretorias e secretarias culturais, por vezes relegadas ao segundo plano, quando não incorporadas em outras atividades.

Isso vale para a magistratura e vale para todos os demais setores da atividade humana, o que incluem os governos, que têm verbas para viagens, cargos em comissão, obras nem sempre preferenciais; mas sonegam apoio material, efetivo, para a área cultural.

Despertar o artista magistrado traz duas consequências principais:

1) permite que ele externe seu pensamento diferenciado sobre a magistratura - magistratura inserida no fazer do homem e do mundo;

2) o magistrado sente-se feliz por encontrar espaço para completar-se como ser humano.

E há um terceiro estágio:

é a cultura que possibilita ao homem humanizar-se e conceber o mundo do qual participa, e onde emite julgamentos. É através da cultura que ele escapa do labirinto, escala a montanha e divisa o vale; além do vale, o rio; e depois do rio. É através das manifestações culturais que o artista recolhe o fazer do povo, as suas dificuldades, suas aspirações, seu trabalho, sua política. Depois o artista pensa essas revelações e as devolve como um todo, estabelecendo a síntese. E o juiz, assim culto, julga mais próximo da realidade.

Um artista sem espaço para sua obra é uma pessoa partida ao meio.

06 dezembro 2011

DIREITO HUMANITÁRIO



João Baptista Herkenhoff
Magistrado (aposentado), Supervisor Pedagógico da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo.Palestrante por todo o Brasil, escritor.


O "Direito  Humanitário" busca salvaguardar um "mínimo ético" nos palcos de guerra.


Uma longa luta travaram e travam mulheres e homens, grupos ativistas, profetas e mártires para afirmar o primado do Direito contra a barbárie.

Ao lado dos "Direitos Humanos" e dos "Direitos dos Povos", vigora o chamado "Direito Humanitário".


O "Direito Humanitário" busca salvaguardar um "mínimo ético" nos palcos de guerra.


É o "Direito Humanitário" que estabelece o caráter intocável de qualquer lugar onde esteja presente a "Cruz Vermelha Internacional". A Cruz Vermelha está acima de nações, partidos ou facções. Onde haja um "ferido de guerra" ali estará a Cruz Vermelha para prestar "socorro humanitário".


Outras instituições internacionais recebem hoje o mesmo tratamento da Cruz Vermelha, como, por exemplo, os "Médicos sem Fronteiras".


Também o Direito Humanitário estabelece o respeito ao militar já abatido no confronto das armas, por ferimento que o impossibilite de combater, bem como o resguardo daquele que foi feito prisioneiro. É inominável covardia, repudiada pelo Direito Humanitário, tripudiar sobre o ferido ou sobre aquele já submetido à condição de "prisioneiro de guerra".


Ainda o Direito Humanitário prescreve que nunca possam ser lançados bombardeios sobre populações civis.


Os crimes que se praticam contra o Direito Humanitário são considerados "crimes de guerra". Lamentavelmente, só os que perdem a guerra são julgados pelos seus crimes. Os vencedores julgam-se isentos de responsabilidade pelos crimes contra a Humanidade, em que tenham incorrido.


Bebi todos esses conceitos no curso de minha existência:

na Casa do Estudante de Cachoeiro de Itapemirim;

no contato com meu avô materno que foi magistrado em Santa Catarina e que, na velhice, tornou-se um militante pacifista (datilografei para esse avô, a partir de originais manuscritos, dois de seus livros: O Sol do Pacifismo e A Civilização e sua Soberania);


nas aulas da Faculdade de Direito do Espírito Santo, com Ademar Martins, professor de "Teoria Geral do Estado" de toda uma geração acadêmica.


Como é triste ver esmagado o Direito Humanitário, nesta quadra da História. Esmagado pelos que jogaram bombas nas torres de Nova York matando milhares de pessoas. Esmagado pelo país que foi vítima dessa agressão e que, em revide, praticou repetidos ataques contra países árabes, vitimando populações civis, inclusive crianças, doentes e velhos. Uma jornalista inglesa registrou que uma bomba foi lançada sobre uma maternidade em Bagdá.


Não importa se temos o poder de nos opor a essas negações do mínimo ético que é exigido mesmo quando países estão em confronto bélico. Falar podemos, protestar podemos e nunca deveremos nos calar quando a consciência exigir de nós uma posição.


Extraído de Jornal Jurid.

05 dezembro 2011

PRESIDENTE DO STJ É DENUNCIADO NO CNJ

Foto Divulgação-Min. Ari


O advogado Arnaldo Oliveira Júnior, de Curitiba, Estado do Paraná, representou ao Conselho Nacional de Justiça, CNJ, contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler por fazer campanha em favor de sua cunhada para uma vaga na própria corte que preside.

A representação foi encaminhada à ministra Eliana Calmon, que também integra o STJ e atua como Corregedora Nacional do CNJ para investigação da atuação de Pargendler em prol de sua cunhada, a desembargadora Suzana Camargo do Tribunal Regional Federal –TRF, da Terceira Região, que concorre a uma vaga no STJ.

O denunciante pede a abertura de investigação para apurar a conduta material do ministro Ari Pargendler em se manifestar de modo oficial e solene, inclusive utilizando as insígnias do STJ, para apoiar expressa e ostensivamente uma entre os indicados na lista tríplice para a vaga na corte.

O advogado também alega que entre as atribuições do CNJ está a de zelar pela aplicação do artigo 37 da Constituição, o qual dispõe: "a administração pública obedecerá aos princípios da impessoalidade e moralidade".

As informações foram publicadas no sábado (03/12) no Blog Presidente 40, coordenado pela jornalista Vera Magalhães, do jornal Folha de São Paulo.

02 dezembro 2011

USO INDEVIDO DO PIS DE EMPREGADO GERA. DANO MORAL



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado refere-se a uso indevido de PIS de empregado, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 6.023/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. DANO MORAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO NÚMERO DO PIS DE EMPREGADO DE OUTRA EMPRESA. CONSTRANGIMENTOS. DANO MORAL. CABIMENTO. 
1.-PREJUDICIAL DE NULIDADE DE SENTENÇA DESCABIDA, VEZ QUE DECIDIDAS AS PRELIMINARES AINDA QUE DE FORMA SUCINTA COMO DEVEM SER AS DECISÕES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
2.-PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL POR FALTA DE PROVA REJEITADA, PORQUANTO TAL MATÉRIA NÃO SE INSERE EM QUAISQUER DOS INCISOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 295 DO CPC.   
3.- PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO (ADEQUAÇÃO) TAMBÉM REJEITADA, POIS EVIDENTE O INTERESSE DE AGIR E CORRETO O PROCEDIMENTO ELEITO.
4.-NO MÉRITO, TENDO A RECORRENTE, POR SEUS PREPOSTOS, COMETIDO FATO QUE OCASIONOU CONSTRANGIMENTOS E ABALO MORAL, INCIDE O DEVER DE INDENIZAR, NOS TERMOS DO ART. 186 DO CC/2002 E ART.5º,INC.X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
5.- FIXADA A INDENIZAÇÃO COM PONDERAÇÃO, ATENTANDO-SE AOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA E ADEQUADA AO CASO CONCRETO, DEVE A MESMA SER MANTIDA.
6.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito, manter a sentença impugnada, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de agosto de 2005.

RELATÓRIO
O autor, por sua ilustrada patrona, ajuizou pedido de indenização por danos morais em face de portentosa Construtora, porque houve troca do número de identificação do PIS, causando-lhe dificuldades no levantamento dos valores de seus direitos trabalhistas, convivendo com incertezas, angústias, transtornos emocionais que lhe abateram a moral, razão pela qual pede indenização, valorando a causa em R$ 9.600,00.
Instruído o feito, adveio a r. sentença de fls. 25, que julgou procedente em parte o pedido deduzido na inicial, arbitrando o valor de R$ 1.500,00, a título de indenização por danos morais, determinando ainda a retificação nos dados referentes ao nome do autor.
Interpostos embargos declaratórios acerca das preliminares argüidas em sua peça defesa, que foram rejeitados pela r.decisão de fls. 71, sob o fundamento de que as questões alegadas dizem respeito ao mérito e somente podem ser analisadas em recurso próprio.
Inconformada, a requerida interpôs recurso inominado a fls. 73/89, argüindo nulidade da sentença por falta de prestação jurisdicional completa, bem como preliminares de inépcia da inicial por falta da prova do dano e carência de ação por falta de interesse de agir (adequação) e, no mérito, propugnou pela reforma da sentença impugnada, julgando-se improcedentes os pedidos da exordial, condenando o recorrido ao pagamento das custas e honorários advocatícios ou a redução do valor da condenação, evitando o enriquecimento sem causa.
Contra-razões a fls. 99/100, rechaçando as preliminares e, no mérito, propugnando seja mantida a sentença ou dobrado o valor da condenação, condenada a recorrente ao pagamento de custas e honorários.
É o relatório.

V O T O

Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, sobremodo diante da certidão de fls. 102/verso, conheço do recurso.                                    

A questão prejudicial de nulidade da sentença por inapreciação das preliminares argüidas não encontra sustentação legal, vez que foram abordadas na decisão que julgou os embargos declaratórios, por considerar que as preliminares aventadas confundem-se com a matéria de mérito.

É o quanto basta em sede de juizados especiais, que se guia pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, nos termos do art.2º da Lei 9099/95.

Ademais, segundo a Teoria da Asserção, também denominada de prospettazione, as condições da ação são aferidas consoante as alegações formuladas pelo autor na petição inicial, não podendo o magistrado adentrar com profundidade em sua análise, sob pena de exercer juízo meritório.

Desse modo, não vislumbro qualquer nulidade na sentença impugnada.

PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL

Insiste a recorrente em impingir à peça inicial a pecha de inépcia por falta de prova do dano. Ora, se o dano constitui-se elemento essencial à apreciação do pedido do autor, tal questão acha-se intrinsecamente ligada ao mérito da demanda quando será devidamente analisada.

Assim, rejeito tal preliminar.

PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO

Aduz a recorrente falta de interesse de agir (adequação), porquanto o recorrido não provou a ocorrência do ato ilícito indicado na peça vestibular.

Sabe-se que o interesse de agir é o resultado útil que se espera obter do processo. A prestação jurisdicional deve ser necessária, útil e processualmente adequada. Logo, perfeitamente cabível o pedido formulado e corretamente adequado, vez que possível a tramitação do feito pelo microssistema dos juizados especiais.

Rejeito também esta preliminar.

M É R I T O

Quanto ao mérito, melhor sorte não prevejo para o recurso sob exame.

Restou comprovado nos autos que a recorrente, por seus prepostos, inseriu erradamente o número do PIS do recorrido na RAIS - Relação Anual de Informações 

Sociais em nome de empregado seu.


A própria recorrente admite o erro praticado, mesmo porque comprovado documentalmente.

O recorrido era empregado de empresa de Engenharia terceirizada da recorrente, onde trabalhou de 17/06/2002 a 13/09/2003. Ao dirigir-se à Caixa Econômica Federal para pleitear a retirada de FGTS e Seguro desemprego ficou sabendo que seu número de inscrição no PIS constava em nome de outrem, empregado da recorrente.

Tal fato impediu que recebesse o abono do PIS e causou-lhe constrangimentos, angústias, transtornos emocionais que lhe abateram a moral, mormente sentindo total impotência em resolver o problema que dependia essencialmente da recorrente e de difícil solução.

Tanto que, como bem lembra o recorrido, ainda em 19/07/2004, quase um ano após sua demissão, ainda constava na CEF o número de seu PIS no nome de empregado da recorrente, conforme comprovado a fls. 63/64.

Importante assinalar que o recorrido era empregado de outra empresa e não da recorrente, sendo indesculpável o lançamento do número de seu PIS no nome de empregado da recorrente.

O erro foi grosseiro, fruto da negligência dos prepostos da recorrente, devendo a mesma responder pelos danos causados, sendo desnecessária a prova do dano moral.

Aliás, de há muito o Colendo Superior Tribunal de Justiça tornou superada essa controvérsia inicialmente estabelecida ao asseverar em tantas oportunidades que, para a caracterização do dano moral, bastante é a comprovação do fato, como se vê do seguinte julgado:

“Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil” .(AG 250722/SP – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999/0060740-6 – DJ  de 05/10/99 – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – 3ª turma.)

O dano moral está contemplado na Constituição Federal, assim:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

De outro lado, o Código Civil cuida da matéria, nesses termos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
 III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Com tal discernimento a recorrente somente ficaria liberada da responsabilidade civil se comprovasse caso fortuito, motivo de força maior ou culpa exclusiva do recorrido, o que em momento algum logrou demonstrar.

Assim sendo, correta a sentença que condenou a recorrente.

Com respeito ao “quantum” arbitrado, entendo que guarda proporcionalidade/razoabilidade com o caso “sub judice”.

O recorrido em nada concorreu com o evento; a recorrente é empresa de porte internacional no ramo da engenharia e outros negócios e o valor arbitrado encontra-se ajustado aos parâmetros admitidos pelo Colegiado, inexistindo qualquer razão para reduzi-lo.

A recorrente vencida pagará as custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55 da LJE.

É como voto.

01 dezembro 2011

A FAMÍLIA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988




Lívia Ronconi Costa
Bacharel em Direito pela UVV/ES – Centro Universitário Vila Velha; Membro do IBDFAM.
Thiago Felipe Vargas Simões
Advogado; Mestre e Doutorando em Direito Civil pela PUC-SP; Professor de Direito Civil da Univix – Vitória (ES); Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil do JusPodivm – Salvador (BA).


Desde o advento do Texto Constitucional de 1988 toda a estrutura jurídica brasileira vem passando por notável adaptação dos paradigmas anteriormente estabelecidos para uma nova realidade sociojurídica, difundida pela doutrina comoconstitucionalização das relações jurídicas e que há muito já havia sido estudado e aplicado em outros países.
Por certo que o Direito Civil, ramo anteriormente tratado como a máxime do Direito Privado e isento de influências do Direito Público, não ficaria de fora deste processo que teve seu marco inicial com a promulgação da atual Constituição da República.
Paulo Lôbo 1 nos conta que "a constitucionalização do direito civil, no Brasil, é um fenômeno doutrinário que tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores que tinham sido consagrados na Constituição de 1988, como expressões das transformações sociais.".
Toda a roupagem patrimonialista e fria que revestia as relações privadas no Brasil ganhou um caráter mais humano e com necessário desapego do ter para a valorização do ser. E foi no âmbito do Direito das Famílias que, sem dúvidas, tais transformações foram sentidas de formas bastante concretas.
A superação da constituição da família legítima unicamente pelos laços do casamento e a ampliação legislativa prevendo a união estável e a família monoparental como entidades familiares reconhecidas pelo Estado e passíveis, portanto, de tutela jurídica retrataram antigos anseios sociais que se faziam necessárias intervenções do Poder Judiciário para a produção de efeitos jurídicos de ordem pessoal e patrimonial a estas duas formas de família.
Tal fato teve como mola propulsora não apenas a necessidade de se regulamentar o que o cotidiano há tempos apresentava, mas sim princípios emanados da própria Carta Federal e que foram alçados à condição de imprescindíveis para a consagração do Estado Democrático de Direito em nosso país, a saber: a dignidade humana e solidariedade.
A partir desses dois princípios é que se pode afirmar que o núcleo familiar transmudou sua finalidade deixando de ser um ambiente de reprodução e manutenção de patrimônio para se transformar no local onde impera o afeto e a assistência entre seus integrantes, sendo estes elementos mais que motivadores para a proteção e promoção do ser humano independentemente da composição familiar em que este está inserido.
Dos dizeres de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2 extrai-se que "a proteção ao núcleo tem como ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana, sendo descabida (e inconstitucional!) toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem, sob o pretexto de garantir proteção à família. Superam-se, em caráter definitivo, os lastimáveis argumentos históricos de que a tutela da lei se justificava pelo interesse da família, como se houvesse uma proteção para um núcleo familiar em si mesmo. O espaço da família, na ordem jurídica, se justifica como um núcleo privilegiado para o desenvolvimento da pessoa humana.".
É, pois, dessa proteção ao núcleo privilegiado para o desenvolvimento do ser humano que a interpretação que se faz do art. 226 da CF/88 é ampliativa, no sentido de considerar este dispositivo legal como rol meramente exemplificativo, isto é, todas as outras formas de composição familiar ainda que não mencionadas não estão isentas de proteção jurídica, vez que já está consagrado doutrinária e jurisprudencialmente a pluralidade das entidades familiares.
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira 3, "é, portanto, da Constituição da República que se extrai o sustentáculo para a aplicabilidade do princípio da pluralidade de família, uma vez que, em seu preâmbulo, além de instituir o Estado Democrático de Direito, estabelece que deve ser assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, bem como a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade. Sobretudo da garantia da liberdade e da igualdade, sustentadas pelo macroprincípio da dignidade, que é que se extrai a aceitação da família plural, que vai além daquelas previstas constitucionalmente e, principalmente, diante da falta de previsão legal.".
Nessa constituição de novos núcleos familiares e diante da necessidade de serem conferidos direitos a essas realidades, que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto da ADI nº 4227 e da ADPF nº 132, reconheceu que as uniões entre pessoas do mesmo sexo (uniões homoafetivas) que preencherem os requisitos exigidos pelo Código Civil (art. 1.723) para a constituição de união estável serão assim consideradas, uma vez que, pelos dizeres do Ministro-Relator Ayres Britto, o sexo das pessoas não pode ser motivo para desigualdade jurídica.
Agora, só nos resta esperar para que novas realidades sociais venham a pleitear no Poder Judiciário o seu reconhecimento jurídico, vez que a Carta Federal se mantém silente e (porque não dizer) atrasada em relação às mudanças sociais.
Referências Bibliográficas
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
LÔBO, Paulo. A constitucionalização do direito civil in Direito civil contemporâneo. Organizador Gustavo Tepedino. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
NOTAS
1 - Cf. A constitucionalização do direito civil brasileiro, p. 18.
2 - Cf. Direito das famílias, p. 10.
3 - Cf. Princípios fundamentais norteadores do direito de família, p. 167.

Extraído de Editora Magister/doutrina