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09 dezembro 2011

FIANÇA LOCATÍCIA. HAVENDO INADIMPLÊNCIA DO LOCATÁRIO, CABE À SEGURADORA HONRAR O PAGAMENTO DO SEGURO CONTRATADO.




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado refere-se ao seguro de fiança locatícia, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 6.614/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS E RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO POR INADIMPLMENTO CONTRATUAL. SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA.RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA.   
1. SÃO DISTINTAS E INCONFUNDÍVEIS AS GARANTIAS LOCATÍCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA LEI 8.241/95 (LEI DE LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS), DISTIGUINDO-SE O INSTITUTO DA FIANÇA, PREVISTO NO INCISO II, (QUE PERMITE O CHAMADO “BENEFÍCIO DE ORDEM”) DO SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA, CONTRATO QUE SE REGE PELAS NORMAS ATINENTES AO RAMO DE SEGUROS.    
2.-RESTANDO INCONTROVERSA A INADIMPLÊNCIA DO CONTRATO LOCATÍCIO CABE AO LOCADOR PROMOVER SUA RESCISÃO.
3.-ESTANDO OS VALORES COBRADOS A TÍTULO DE ALUGUÉIS E ENCARGOS NOS PARÂMETROS ESTIPULADOS NA APÓLICE DEVE A SEGURADORA ARCAR COM A INDENIZAÇÃO PROVENIENTE DO SINISTRO NOS TERMOS DO CONTRATO.
4.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para  negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,      de julho de 2005.

R E L A T Ó R I O

Os autores, devidamente qualificados e representados por seu ilustre patrono, propuseram Ação de Cobrança de aluguéis e encargos do contrato de locação de imóvel em fade do locatário e da Seguradora, alegando que o locatário não está cumprindo com suas obrigações estando em atraso com cinco meses de aluguel referente aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2003 e janeiro de 2004 e cotas condominiais referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2003, taxas de energia e IPTU, que, acrescidos das multas e encargos do contrato somam a quantia de R$ 7.950,41, conforme planilha apresentada, pleiteando a condenação no pagamento dos referidos valores e rescisão do contrato de locação.
Em face da dificuldade de localização do primeiro réu foi requerida a desistência da ação quanto ao mesmo, sem impugnação da segunda requerida, tendo sido homologada a desistência quanto ao mesmo (fls.66) prosseguindo-se o feito apenas em face da seguradora.
Após regular instrução foi prolatada a r.sentença de fls. 77/78 que julgou procedente o pedido condenando a seguradora ao pagamento de R$ 7.950,41, corrigidos a partir da efetiva inadimplência do locatário.
Irresignada a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 89/102, alegando nulidade da sentença por falta de fundamentação, bem como descumprimento de cláusula contratual e inobservância dos limites mensais contratados, esperando seja o recurso conhecido e provido nos termos delineados acima por ser questão da mais lídima justiça.
Contra-razões a fls.108/117, rechaçando os argumentos deduzidos no recurso e informando que o primeiro requerido veio a falecer no curso do procedimento, requerendo seja mantida “in totum” a r.sentença proferido pelo juízo a quo.
É o relatório.
                                               V O T O
                       
Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, principalmente diante a certidão de fls. 89, conheço do recurso.
                                  
A alegada nulidade da sentença por ausência de fundamentação, embora lançada no recurso sem destaque de preliminar, não tem qualquer procedência.

Em sede de juizados especiais prevalecem “ex vi legis” os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, instituídos no art. 2º da lei 9.099/95. Desse modo, a sentença deve conter apenas o registro de fatos relevantes ocorridos em audiência e mencionar os elementos de convicção do juiz, consoante o disposto no artigo 38.

Sobre o tema preleciona  JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR:

"O que a Constituição Federal exige (art.93,IX), e a norma de caráter infraconstitucional determina (no caso, art. 38) é que as sentenças e todas as demais decisões proferidas pelo Poder Judiciário sejam fundamentadas.
Para tanto, é suficiente que o julgador diga com clareza quais foram os motivos de fato e de direito, em sintonia com as provas carreadas nos autos, que o levaram a decidir nos termos da norma aplicável à espécie, desta ou daquela maneira, isto é, se o pedido é procedente ou não. Deve dizer o direito e o porquê do direito em concreto, e basta; todo o resto é despiciente."
(Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9099, de 26.09.1995, 3º ed. rev. e atua. e ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.323/324).

No caso dos autos, a sentença, lavrada em audiência, atende aos parâmetros legais, sendo sucinta, porém suficiente para demonstrar os fundamentos em que se arrimou o juiz monocrático para acolher o pedido do autor, rejeitando a preliminar de intempestividade e fincando razões de mérito no sentido de que o contrato de seguro-fiança difere profundamente do instituto do fiador invocado pela seguradora. E foi clara o bastante para permitir ao recorrente a interposição de seu recurso.

Em sendo assim não há como acoimá-la de nulidade por carência de fundamentação, vez que atende às disposições legais.

Os recorridos trouxeram aos autos o contrato de locação e a apólice em que a recorrente é a seguradora-garantidora do referido contrato.

De outro lado, a inadimplência do locatário restou incontroversa.

O sinistro (inadimplemento dos aluguéis e encargos) ocorreu na vigência do contrato e os valores encontram-se nos limites contratados.

A seguradora tenta embaraçar o cumprimento de sua obrigação que é a de promover o pagamento das mensalidades e encargos que não foram pagos pelo locatário, vez que a locação é garantida pelo seguro de fiança.

Ora, o seguro de fiança locatícia ou seguro fiança tem por objeto garantir o segurado, no caso os locadores-recorridos, dos eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento do contrato pelo locatário-garantido do inadimplemento do contrato de locação.

Conforme o disposto no contrato de seguro de fiança locatícia de fls. 35/20, caracterizado o descumprimento contratual por parte do locatário, tem o locador o direito de pleitear o recebimento por parte da seguradora da indenização correspondente. Para isso pode ajuizar ação monitória, ação de cobrança, ação executiva, ação de despejo e ação de rescisão contratual, como no caso dos autos.

Totalmente incabível a tese da seguradora de pretender benefício de ordem, porquanto, como bem assentado na sentença, o contrato de fiança, considerado benéfico e previsto no inciso II do art.37 da Lei nº 8245/91, de caráter obrigacional, nada tem a ver com a garantia do seguro de fiança, previsto no inciso III do mesmo dispositivo legal, que é regido pelas normas de seguro. A propósito, veja-se o seguinte julgado do Colendo STJ:
                 
REsp 264558 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2000/0062713-5
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA. ART. 37, III, DA LEI 8.245/91. EXECUÇÃO DE DÉBITOS LOCATIVOS. POSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ESPÉCIE DO GÊNERO CAUÇÃO. ART. 585, III, DO CÓDIGO PROCESSUAL. CONCOMITÂNCIA. INCIDÊNCIA. ART. 585, IV, DO CPC. DECORRÊNCIA. NATUREZA ACESSÓRIA AO CONTRATO LOCATIVO. APLICAÇÃO. EXEGESE SISTEMÁTICA-TELEOLÓGICA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
I - Consoante a regra inscrita no art. 585, III, do Código de Processo Civil, o contrato de seguro de fiança locatícia, previsto no art. 37, III, da Lei 8.245/91, é instituto jurídico albergado no gênero caução, legitimando, portanto, a utilização de ação executiva, contra a empresa seguradora, para o adimplemento dos créditos locativos.
II - É cabível a execução de créditos de aluguel - com fundamento no inciso IV, art. 585, do CPC -, mediante a apresentação de apólice de seguro de fiança locatícia e do contrato de locação a que se vincula, por tratar-se tal seguro de uma das três modalidades de garantia prevista no art. 37, III, da lei inquilinária, sendo figura jurídica que existe, tão-somente, em razão do pacto locativo, sendo a este, visceralmente, integrado de modo acessório.
III - A aplicação da exegese sistemática-teleológica recomenda a adoção da regra geral inscrita no art. 585, IV, do CPC, que autoriza a cobrança executiva dos créditos decorrentes de aluguéis, desimportando, na espécie, se os valores exigidos estejam representados em instrumento jurídico acessório ao contrato de locação.
IV - Recurso especial desprovido.

Também não prevalece a tese da seguradora de que o locador não ajuizou a ação no prazo estipulado no contrato. A jurisprudência pátria majoritária tem se posicionado no sentido da invalidade de tal cláusula, por se tratar de contrato de adesão, portanto subsumido às normas do Código de Defesa do Consumidor, não contendo tal cláusula o devido destaque e, sobretudo, excluir a álea, essência do contrato de seguro.

Por mera exemplificação, confiram-se os seguintes julgados da altaneira jurisprudência gaúcha:

Tribunal de Justiça do RS
Apelação Cível-NÚMERO: 70009239195
EMENTA:  LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO FIANÇA. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 178, § 6º, INC. II, DO CCB. APLICAÇÃO DA SUMÚLA 229 DO STJ. CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELA SEGURADA. CLÁUSULA RESOLUTIVA. ESTIPULAÇÃO DE PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PELO SEGURADO. NULIDADE. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE COBRANÇA NÃO DEMONSTRADO. REJEITADA A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. . (Apelação Cível Nº 70009239195, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 24/11/2004)

Apelação Cível nº 70000086983 – Quinta Câmara Cível
 “AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA PELO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – IPERGS. CLÁUSULA RESOLUTIVA. Esta Câmara tem mantido o entendimento de que é nula a cláusula em que a entidade fiadora determina que o locador tenha prazo para ajuizar ação de despejo, sob pena de extinção da garantia, vez que isto ofende o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da CF, o que é o caso dos autos. Apelação provida.”
(Rel. Dês. Vicente Barrôco de Vasconcellos).

Vale ainda lembrar a lição da eminente mestra Maria Helena Diniz: "O seguro de fiança  locatícia é o pagamento de uma taxa, correspondente a um  prêmio mensal ou anual que se ajustar, tendo por fim garantir  o pagamento de certa soma ao locador. Garante-se, mediante o  prêmio, o pagamento do aluguel. Pelo seguro de fiança  locatícia, o inquilino pagará mensalmente uma quantia à  Companhia Seguradora, para que ela pague indenização,  cobrindo possíveis e eventuais prejuízos do locador. ... Com  o seguro de fiança locatícia haverá despersonificação da  garantia; a entidade seguradora, a quem o Poder Público  conceder a exploração dessa atividade, terá o dever de  indenizar o locador pelos aluguéis não pagos pelo inquilino  segurado."

Firme nessas considerações, nego provimento ao recurso condenando a recorrente no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

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