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30 novembro 2011

ALIENAÇÃO PARENTAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Ainda uma novidade no Judiciário brasileiro, a alienação parental vem ganhando espaço no direito de família e, se não detectada e tratada com rapidez, pode ter efeitos catastróficos. “Síndrome da Alienação Parental” (SAP) é o termo proposto pelo psicólogo americano Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a induz a romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação a ele. 


Os casos mais comuns de alienação parental estão associados a situações em que a ruptura da vida conjugal gera em um dos pais uma tendência vingativa. Quando ele não consegue aceitar a separação, começa um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Nesse processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao ex-parceiro. 


Apenas em 2010 a alienação parental foi inserida no direito brasileiro, e já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) como tema de processos. A Lei 12.318/10 conceitua a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Estão exemplificadas no dispositivo atitudes caracterizadoras da alienação parental e, além disso, existe a previsão de punições para seus praticantes. 

Características

Nos casos identificados como alienação parental, um dos pais (o genitor alienante) procura excluir o outro (genitor alienado) da vida dos filhos, não o incluindo nas decisões mais importantes sobre a vida das crianças. O alienante também interfere nas visitas que o alienado tem com as crianças, controlando os horários e o impedindo de exceder seu tempo com os filhos. Além disso, ele inclui a criança no conflito entre os genitores, denegrindo a imagem do outro genitor e, às vezes, até fazendo falsas acusações. 

“Com maior frequência do que se supõe, reiteradas barreiras são colocadas pelo guardião com relação às visitas. Esses artifícios e manobras vão desde compromissos de última hora, doenças inexistentes, e o pior disso tudo é que ocorre por um egoísmo fruto da animosidade dos ex-cônjuges, com a criança sendo utilizada como instrumento de vingança”, diz Felipe Niemezewsky da Rosa em seu livro “A síndrome de alienação parental nos casos de separações judiciais no direito civil brasileiro”. 

Consequências

No centro desse conflito, a criança passa a ter sentimentos negativos em relação ao genitor alienado, além de guardar memórias e experiências exageradas ou mesmo falsas – implantadas pelo genitor alienante em um processo também chamado de “lavagem cerebral” (brainwashing). 

Ao mesmo tempo, as crianças estão mais sujeitas a sofrer depressão, ansiedade, ter baixa autoestima e dificuldade para se relacionar posteriormente. “É importante notar que a doutrinação de uma criança através da SAP é uma forma de abuso – abuso emocional –, porque pode razoavelmente conduzir ao enfraquecimento progressivo da ligação psicológica entre a criança e um genitor amoroso. Em muitos casos pode conduzir à destruição total dessa ligação, com alienação por toda a vida”, explica Richard Gardner, criador do termo, em artigo sobre a Síndrome da Alienação Parental publicado na internet, em sitemantido por pais, mães, familiares e colaboradores. 

Ou seja, os maiores prejuízos não são do genitor alienado, e sim da criança. Os sintomas mais comuns para as crianças alienadas são: ansiedade, medo, insegurança, isolamento, depressão, comportamento hostil, falta de organização, dificuldade na escola, dupla personalidade. Além disso, por conta do comportamento abusivo ao qual a criança está sujeita, há prejuízo também para todos os outros que participam de sua vida afetiva: colegas, professores, familiares. 

Papel do Judiciário

Para a especialista Hildeliza Cabral, o Judiciário não deve ser a primeira opção. “Detectada a situação, deve o genitor alienado procurar apoio psicossocial para a vítima e iniciar o acompanhamento psicoterapêutico. Em não conseguindo estabelecer diálogo com o alienante, negando-se ele a participar do processo de reconstrução do relacionamento, deve o alienado requerer ao Juízo da Vara de Família, Infância e Juventude as providências cabíveis”, escreve em artigo sobre os efeitos jurídicos da SAP. 

Analdino Rodrigues, presidente da ONG Apase (Associação de Pais e Mães Separados), concorda que o Judiciário só deve ser procurado em último caso, e que os pais devem buscar o entendimento por meio do bom-senso. Só se isso não for possível é que o Judiciário deve ser procurado como mediador. A ONG atua na conscientização e informação sobre temas ligados à guarda de crianças, como alienação parental e guarda compartilhada, e atuou na formulação e aprovação da lei de alienação parental. 

Porém, a alienação parental ainda é uma novidade para os tribunais brasileiros. “Por tratar-se de um tema muito atual, ainda não existem muita jurisprudência disponível, justamente por ser um assunto em estudo e que ainda enfrenta muitas dificuldades para ser reconhecido no processo”, diz Felipe Rosa. 

Entretanto, ainda assim a Justiça pode ter um papel decisivo na resolução dos conflitos: “O Judiciário só necessita de técnicos qualificados (psicólogos e assistentes sociais), especialistas em alienação, para saber a gradação da mesma, ou seja, para saber até que ponto a saúde física e psicológica da criança ou adolescente está comprometida.” 

No STJ

O primeiro caso de alienação parental chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um conflito de competência entre os juízos de direito de Paraíba do Sul (RJ) e Goiânia (GO). Diversas ações relacionadas à guarda de duas crianças tramitavam no juízo goiano, residência original delas. O juízo fluminense declarou ser competente para julgar uma ação ajuizada em Goiânia pela mãe, detentora da guarda das crianças, buscando suspender as visitas do pai (CC 94.723). 

A alegação era de que o pai seria violento e que teria abusado sexualmente da filha. Por isso, a mãe “fugiu” para o Rio de Janeiro com o apoio do Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas). Já na ação de guarda ajuizada pelo pai das crianças, a alegação era de que a mãe sofreria da Síndrome de Alienação Parental – a causa de todas as denúncias da mãe, denegrindo a imagem paterna. 

Nenhuma das denúncias contra o pai foi comprovada, ao contrário dos problemas psicológicos da mãe. Foi identificada pela perícia a Síndrome da Alienação Parental na mãe das crianças. Além de implantar memórias falsas, como a de violência e abuso sexual, ela se mudou repentinamente para o estado do Rio de Janeiro depois da sentença que julgou improcedente uma ação que buscava privar o pai do convívio dos filhos. 

Sobre a questão da mudança de domicílio, o juízo goiano decidiu pela observância ao artigo 87 do Código de Processo Civil, em detrimento do artigo 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com o primeiro, o processo ficaria em Goiânia, onde foi originalmente proposto. Se observado o segundo, o processo deveria ser julgado em Paraíba do Sul, onde foi fixado o domicílio da mãe. 

Para o ministro Aldir Passarinho Junior (aposentado), relator do conflito na Segunda Seção, as ações da mãe contrariavam o princípio do melhor interesse das crianças, pois, mesmo com separação ou divórcio, é importante manter um ambiente semelhante àquele a que a criança estava acostumada. Ou seja, a permanência dela na mesma casa e na mesma escola era recomendável. 

O ministro considerou correta a aplicação do CPC pelo juízo goiano para resguardar o interesse das crianças, pois o outro entendimento dificultaria o retorno delas ao pai – e também aos outros parentes residentes em Goiânia, inclusive os avós maternos, importantes para elas. 

Exceção à regra

No julgamento de embargos de declaração em outro conflito de competência, o ministro Raul Araújo destacou que o caso acima é uma exceção, devendo ser levada em consideração a peculiaridade do fato. Em outra situação de mudança de domicílio, o ministro considerou correta a aplicação do artigo 147, inciso I, do ECA, e não o CPC (CC 108.689). 

O ministro explicou que os julgamentos do STJ que aplicam o artigo 87 do CPC são hipóteses excepcionais, em que é “clara a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o único intuito de deslocar artificialmente o feito”. Não seria o que ocorreu no caso, em que as mudanças de endereço se justificavam por ser o companheiro da genitora militar do Exército. 

Guarda compartilhada

A guarda compartilhada foi regulamentada pela Lei 11.698/08. Esse tipo de guarda permite que ambos os pais participem da formação do filho, tendo influência nas decisões de sua vida. Nesse caso, os pais compartilham o exercício do poder familiar, ao contrário da guarda unilateral, que enfraquece o exercício desse poder, pois o genitor que não exerce a guarda perde o seu poder, distanciando-se dos filhos e sendo excluído da formação das crianças. Ele, muitas vezes, apenas exerce uma fiscalização frouxa e, muitas vezes, inócua. 

Para a ministra Nancy Andrighi, “os filhos da separação e do divórcio foram, e ainda continuam sendo, no mais das vezes, órfãos de pai ou mãe vivos, onde até mesmo o termo estabelecido para os dias de convívio demonstra o distanciamento sistemático daquele que não detinha, ou detém, a guarda”. As considerações foram feitas ao analisar um caso de disputa de guarda definitiva (REsp 1.251.000). 

De acordo com a ministra, “a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.” 

A ministra Nancy Andrighi considerou, ao analisar um caso de disputa da guarda definitiva, que não era necessário haver consenso dos pais para a aplicação da guarda compartilhada, pois o foco é o melhor interesse do menor, princípio norteador das relações envolvendo filhos. O entendimento de que é inviável a guarda compartilhada sem consenso fere esse princípio, pois só observa a existência de conflito entre os pais, ignorando o melhor interesse da criança. “Não se busca extirpar as diferenças existentes entre o antigo casal, mas sim, evitar impasses que inviabilizem a guarda compartilhada”, explicou a ministra. 

“Com a guarda compartilhada, o ex-casal passa a se relacionar ao menos formalmente, buscando melhores formas de criar e educar os seus filhos”, explica o presidente da Apase. “Logo, a guarda compartilhada é um importantíssimo caminho para inibir a alienação parental”, completa Rodrigues. A ONG também atuou na formulação e aprovação do projeto de lei da guarda compartilhada. 

O ideal é que ambos os genitores concordem e se esforcem para que a guarda dê certo. Porém, muitas vezes, a separação ou divórcio acontecem num ambiente de conflito ou distanciamento entre o casal – essas situações são propícias para o desenvolvimento da alienação parental. A guarda compartilhada pode prevenir (ou mesmo remediar) a alienação parental, por estimular a participação de ambos os pais na vida da criança. 


Processos referidos: CC 94723 - CC 108689 - CC 108689 - REsp 916350 - REsp 1251000

Fonte: STJ

29 novembro 2011

FILOSOFIA, ALGO DISTANTE OU PRÓXIMO?



João Baptista Herkenhoff
Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Autor de: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio, 2010). Acaba de lançar: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).

Talvez a primeira resposta, quase instintiva, à pergunta proposta pelo título deste artigo, consiste em dizer que a Filosofia é algo distante do universo das pessoas comuns

Será correta esta primeira percepção?

A meu ver, essa percepção está equivocada.

A Filosofia não é alguma coisa distante, que só interessa a uma grei de iniciados. Muito pelo contrário, a Filosofia faz parte de nossa vida.

Se a Filosofia fosse alguma coisa remota, quase localizada na mansão dos deuses, qualquer escrito tratando de Filosofia deveria estar localizado num espaço restrito, cuja chave estaria guardada num esconderijo secretíssimo.

Como a Filosofia faz parte do cotidiano das pessoas comuns, esta reflexão está bem colocada em veículo destinado a uma grande variedade de leitores.

Feito este preâmbulo, continuemos.

Segundo Santo Tomás de Aquino, a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, das primeiras causas".

Marilena Chauí aponta que a reflexão filosófica, qualquer que seja o domínio a que se dirija, guia-se por três propósitos:

Primeiro - investigar o que a coisa é; qual a realidade, a natureza e a significação da coisa;

Segundo - como a coisa é, sua estrutura; quais as relações que constituem uma coisa;

Terceiro - por que a coisa existe, por que é como é; origem e causa de uma coisa, ideia ou valor.

José Luongo da Silveira observa que a inquietação existencial faz com que o homem nunca se detenha na procura do conhecimento, nunca se satisfaça plenamente com as explicações encontradas:

"A sua estrutura cognitiva parece uma alavanca que desencadeia a busca de plenitude, caminhando sempre em direção de novas elaborações racionais numa estrada sem fim. "

Para Miguel Reale "parece acertado dizer-se que a missão da Filosofia seja receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova."

Djacir Menezes assinala que a reflexão e a crítica constituem as determinações essenciais do espírito filosófico".

Oliveiros Litrento vê como objeto da Filosofia "a procura da razão de ser do homem e da vida".

Existe o substantivo "filosofia" e o verbo "filosofar". Filosofar é pensar a partir da Filosofia, ou seja, filosofar é pensar com os instrumentos da Filosofia, filosofar é exercitar a reflexão filosófica.

A sabedoria latina nos ensina que toda ciência principia pelo significado das palavras: "omnia scientia a significatione verborum incipit". Mas a mesma sabedoria clássica adverte para a dificuldade de definir, o perigo de definir:"omnis definitio periculosa est".

A palavra "filosofia" resulta da justaposição de dois vocábulos gregos: filos (amigo) e sofia (sabedoria). A Filosofia é, assim, etimologicamente, o amor à sabedoria, e o filósofo é um amigo da sabedoria.

Segundo Cícero, a palavra filosofia foi criada por Pitágoras. Comparecendo à face de Policrates, tirano de Samos, que lhe indagou a profissão, Pitágoras respondeu que não era um sábio, mas apenas um filósofo, ou seja, um amigo da sabedoria. Segundo ele, a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos.

Também Platão foi humilde, reconhecendo a limitação do espírito humano, quando escreveu que o filósofo deseja a sabedoria. Ele não disse que o filósofo possui a sabedoria, ou que é detentor da sabedoria, mas apenas deseja a sabedoria.

Extraído de Jornal Jurid.

28 novembro 2011

A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA, SEGUNDO O STJ

O CASO

Um limpador de piscinas no exercício de sua labuta encostou a haste do aparelho de limpeza em fios da alta tensão da Eletropaulo e morreu em conseqüência desse acidente, que ocorreu em 1988.

Viúva e filho ajuizaram ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais em face de Eletropaulo - Metropolitana Eletricidade de São Paulo. A concessionária denunciou a lide à Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Cosesp). O juízo de primeiro grau julgou a ação improcedente, por considerar que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva da vítima. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reafirmou a culpa exclusiva da vítima, pois uma manobra descuidada teria feito com que a haste do aparelho encostasse nos fios elétricos. A viúva argumentou que a Eletropaulo não fiscalizou a reforma do imóvel – que não respeitou as regras de segurança estabelecidas pela legislação. Porém, para o tribunal estadual, nenhuma culpa poderia ser imputada à Eletropaulo, pois a empresa não foi comunicada da reforma. Com as alterações, a rede elétrica teria deixado de respeitar a distância mínima do imóvel exigida pela legislação. 

RECURSO ESPECIAL INVERTE O JULGADO DO TJSP

A viúva e o filho do trabalhador vitimado recorreram ao STJ, insistindo na responsabilidade objetiva da empresa em razão do risco da atividade exercida, pois a companhia seria “responsável pela rede elétrica e cumprimento da legislação preventiva que, se tivesse sido observada, teria evitado o acidente fatal”. 

A ministra Nancy Andrighi,  relatora do  REsp 1095575   explicou que, nesses casos, basta a quem busca a indenização demonstrar a existência do dano e do nexo causal, ficando a cargo da ré o ônus de provar eventual causa excludente da responsabilidade. No entanto, o fato de não ter sido informada da reforma não é suficiente para excluir a responsabilidade da Eletropaulo. A ministra destacou que é dever da empresa fiscalizar periodicamente as instalações e verificar se estão de acordo com a legislação, independentemente de notificação. 


FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE E CONDENAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA
“O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo, necessária, pois, a manutenção e fiscalização rotineira das instalações exatamente para que os acidentes sejam evitados”, asseverou a ministra.


Como a responsabilidade da empresa é objetiva, a verificação da culpa é desnecessária. Assim, a ministra reconheceu o direito ao ressarcimento de danos materiais, pensão mensal para o filho (até 25 anos) e para a viúva da vítima (até quando o marido completasse 65 anos) no valor de um salário mínimo para cada, e indenização por danos morais fixada em 300 salários mínimos para cada um. 

Informações do STJ.

25 novembro 2011

AQUISIÇÃO DE VEÍCULO USADO E PRAZO PARA RECLAMAÇÃO




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado deriva de relação de consumo, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº. 6.173/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. ALEGAÇÃO DE DEFEITO. CADUCIDADE DO DIREITO DE RECLAMAR.   
1.-O DIREITO DE RECLAMAR PELOS VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO CADUCA NO PRAZO DE 90(NOVENTA) DIAS NOS CASOS DE BENS DURÁVEIS, CONSOANTE DISPÕE O ARTIGO 26 DO CDC.
2.-TENDO DECORRIDO MAIS DE 120 DIAS DA DATA DA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM MAIS DE ONZE ANOS DE USO, DESCABE A RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA, SOBREMODO DIANTE DE DEFEITOS NA PARTE ELÉTRICA CUJO CONSERTO FOI ORÇADO EM CERCA DE APENAS CINCO POR CENTO DO VALOR DO VEÍCULO.
3.- DE OUTRA PARTE, CORRETA A DETERMINAÇÃO DA RESTITUIÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO CONSERTO E DA IMPORTÂNCIA A MAIOR PAGA QUANDO DA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO ATÉ PORQUE NESSA PARTE NÃO HOUVE INSURGÊNCIA RECURSAL.
3.- RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para dar parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de abril de 2005.

R E L A T Ó R I O

O consumidor compareceu pessoalmente perante o juizado especial cível para alegar que comprou um veículo usado da requerida, o qual desde os primeiros dias de uso apresentou uma série de defeitos, pleiteando a restituição do valor pago com o conserto do carro,  além da importância que ficou com a requerida no valor de R$ 300,00 gastos com a transferência do veículo e o desfazimento do negócio com a devolução do valor pago na compra do carro.
A r. sentença de fls. 22/23, julgou procedente o pedido autoral para condenar a requerida a restituir o valor de R$ 5.127,00 corrigido monetariamente a partir do ajuizamento da ação devendo o autor devolver o veiculo à parte requerida.
Inconformada a requerida interpôs recurso inominado a fls. 32/35, alegando prescrição do direito do autor com base no art. 26,$3º, do CDC, bem como que o veículo foi financiado pelo Banco, implicando a devolução ao autor de dupla penalidade à recorrente, vez que o autor não concorreu com recursos próprios para aquisição do veículo, requerendo a reforma da sentença.
Embora regularmente intimado, conforme certidão de fls. 39, o recorrido não apresentou contra-razoes.
É o relatório.
                                               V O T O
                       
Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, sobremodo diante da certidão cartorária de fls. 32, conheço do recurso. 
                                                                                          
Analisando-se os autos, constata-se que veículo adquirido pelo autor na empresa requerida em 17/02/2004 é um Chevette Júnior, ano/modelo 1993, conforme certificado de registro de fls. 05.

As despesas realizadas pelo autor, conforme orçamento de fls. 03 somaram R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), referentes a parte elétrica.

O autor pretendeu a devolução da importância gasta com o serviço elétrico e mais R$ 37,00 (trinta e sete reais) de diferença do valor de R$ 300,00 que teria pago para transferência do veículo. Somariam tais gastos a importância de R# 277,00.

Por causa disso, em 22/06/2004, portanto, decorrido o prazo de 120 dias, o autor ingressou com ação pretendendo o desfazimento do negócio e devolução da importância paga a maior mais o valor do veículo. 

Houve decaímento do direito nos termos do CDC, que dispõe:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

Ora, conforme comprovado pela recorrente, o veículo foi vendido pela importância de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais), com financiamento do Banco (fls.04), documento apresentado pelo próprio autor. Logo, mesmo se houvesse rescisão contratual nenhuma importância seria devida ao autor, que não adquiriu o veículo com recursos próprios e sim através de financiamento bancário.

O autor não logrou demonstrar que o veículo adquirido sofria de vício que comprometesse seu regular funcionamento, rodou com ele mais de quatro meses e não formulou qualquer reclamação, adentrando diretamente com o pedido de rescisão contratual.

Assim, cuidando-se de um veículo com mais de dez anos de uso não se pode exigir que esteja absolutamente em ordem, vez que é normalmente vendido no estado em que se encontra, devendo o comprador adotar todas as providências que lhe competem no sentido de se assegurar que não está comprando gato por lebre.

Ademais, os defeitos apresentados são compatíveis com a idade do veículo, razão pela qual não encontro motivos suficientes para determinar a rescisão do contrato, mormente após mais de quatro meses de uso do veículo até a proposição da demanda, hoje com mais de um ano em poder do autor.

Por essas razões, entendo que decorreu o prazo assinalado no artigo 26,$ 3º do CDC, decaindo o autor do direito de pretender a resolução do contrato de compra e venda.

Desse modo, dou provimento parcial ao recurso, para considerar o contrato de compra e venda perfeito e acabado, determinando contudo à recorrida o pagamento da importância de R$ 277,00 (duzentos e setenta e sete reais), provenientes dos gastos efetuados na reparação da parte elétrica (R$ 240,00 -fls. 03) e da diferença do valor da transferência do veículo (R$ 37,00), valores estes não contestados pela recorrente.

A recorrente pagará as custas processuais. Sem verba honorária, vez que não houve apresentação de contra-razões e não se trata de recorrente vencida, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

24 novembro 2011

OS NOVOS DANOS: Danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance




Ricardo Diego Nunes Pereira
Advogado, graduado pela Universidade Federal de Sergipe – UFS, e pós-graduando em Direito do Estado pela Faculdade Social da Bahia. Ex-Servidor Público da Receita Federal do Brasil.

Introdução. 1  Os danos tradicionais: dano patrimonial e dano moral individual. 2  Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. 2.1 Danos Morais Coletivos. 2.2 Danos Sociais. 2.3 Danos por perda de uma chance. Considerações Finais.

“O direito deve ser mais esperto do que o torto, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos  consumidores de boa fé” (RICARDO TORRES HERMANN, Juiz de Direito integrante da Primeira Turma  Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do
Rio Grande do Sul)

RESUMO
Este artigo analisa a ampliação das categorias de danos e o tratamento jurisprudencial dado aos chamados novos danos, aqui aventados em três espécies: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance, os quais  representam uma nova e importante dimensão a ser dada naquilo que remete à responsabilidade civil.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Ampliação das categorias de danos.  Função Social da Responsabilidade Civil.
ABSTRACT
This article examines the expansion of categories of damage and treatment given to so-called new jurisprudential damage bandied about here in three species: collective moral damage, social harm and damage for loss of a chance, which represent an important new dimension to be given what which refers to liability.
KEYWORDS: Liability. Expansion of categories of damages. Social Function of Liability.

Introdução

Resumidamente, a responsabilidade civil configura-se à medida que três elementos restam caracterizados: atuação lesiva ou culposa (sentido amplo) do agente, dano patrimonial ou moral e nexo de causalidade necessária/adequada entre a conduta e o dano.  Dessas três dimensões da responsabilidade civil, o dano, conforme observou Anderson Schreiber (apud TARTUCE, 2009), no direito civil contemporâneo, deixou de ter papel coadjuvante e passou a ter papel principal, diante de uma constante preocupação com a vítima.

Exemplo maior dessa tendência é o próprio desenvolvimento da responsabilidade civil objetiva e das teorias do risco. Enquanto a responsabilidade civil subjetiva abarca esses três elementos (conduta, dano e nexo causal), sendo possível se falar em excludentes de responsabilidade em razão do rompimento do nexo de causalidade, na responsabilidade civil objetiva, fundada que é nas teorias do risco (1).

Para mais disso, a responsabilidade por danos ambientais  é do tipo risco integral, consoante defende parte da doutrina, contando ainda com o supedâneo do STJ (REsp 442586/SP), ou seja, o dever de indenizar está presente tão só em face do dano, em razão dos enormes riscos derivados da exploração da atividade nuclear. Aqui, não haveria margem para questionamentos acerca das excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito (interno e
externo) e a força maior, o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro, em vista mesmo de
não se ter presente a análise do nexo causal. (2)

É nesse contexto que surgem novas situações existenciais de dano e novas categorias de prejuízos.  Analisar-se-á, daqui para frente, a ampliação das categorias de danos e o  tratamento jurisprudencial dado aos chamados novos danos, aqui aventados em três espécies: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. (3)
                                               
1 Os danos tradicionais: dano patrimonial e dano moral individual

O dano é a lesão a um bem jurídico, tendo duas vertentes clássicas: a patrimonial e a moral. O dano patrimonial ocorre quando uma pessoa é ofendida em seus atributos econômico-financeiros, podendo, o dano, ser diretamente sofrido pela vítima (dano emergente) ou corresponder àquilo que o lesado deixou de auferir razoavelmente – rectius: certamente – durante determinado período (lucro cessante).

O dano moral já foi conceituado como tudo aquilo que não fosse patrimonial ou mesmo aquilo que atingisse a psique. Modernamente, principalmente após a Constituição brasileira de 1988, é mais apropriado falar em dano moral como uma lesão à dignidade da pessoa humana, tendo como característica a violação à igualdade, liberdade, solidariedade e integridade psicofísica. No sentido posto, afirma Cavalieri Filho (2008, p. 80):

(...) dano moral é violação do direito à dignidade, (...) que já começou a ser assimilado pelo judiciário, conforme se constata do aresto a seguir transcrito:

“Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável [rectius:  compensável, reparado]. Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige compensação indenizatória” (Ap. cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719).

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame e sofrimento podem ser conseqüências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade.

Nesse caso, a reparação ou compensação – não sendo correto se falar propriamente de indenização, pois devolver o patrimônio ao seu status quo ante é inviável em se tratando de dano extrapatrimonial – deve levar em consideração a extensão do dano (art. 944 do CC), a condição pessoal (e não econômica) da vítima e o grau de culpa do ofensor. Além dessa função compensatória, que observa a pessoa da vítima (o que se fez?), muito se discute sobre a função punitiva e seu caráter inibitório-educativo, observando-se a pessoa do ofensor (quem fez?). Os critérios para o punitive damage são a condição econômica do ofensor, a título de desestímulo para a prática de atos lesivos, e o grau de culpa do ofensor.

Para muitos autores, o dano estético, isto é, aquele que ofende a morfologia, a estrutura externa do ser humano, seria uma variação  do próprio dano moral. Mesmo assim, merece ser registrado esse aspecto do dano.

Por fim, mister aduzir que há possibilidade de cumulação das vertentes expostas, consoante o permissivo dado nos enunciados 37 e 387 da súmula da jurisprudência dominante do STJ.

2 Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance

Essa parte do trabalho, extraída das lições dos professores Flávio Tartuce (2009) e Nelson Rosenvald (2008), será conduzida da seguinte forma. Primeiro, para cada tipo de dano dar-se-á a definição. Após, apresentar-se-ão casos práticos da jurisprudência pátria.

2.1 Danos Morais Coletivos

Os danos morais coletivos estão atrelados à 3ª geração do constitucionalismo: a solidariedade. Segundo Bittar Filho (apud TARTUCE, 2009), estão presentes quando há violação a direitos da personalidade em seu aspecto individual homogêneo ou coletivo em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou determináveis (correspondem ao art. 81, parágrafo único, incisos II e III do CDC). (4)

O Superior Tribunal de Justiça em duas oportunidades tratou do dano moral coletivo.

No REsp. 866.636/SP, DJ 06/12/2007, a 3ª Turma do STJ, na questão conhecida como “o caso das pílulas de farinha”, posicionou-se a favor da compensação pelos danos morais coletivamente sofridos. Já a 1ª Turma do STJ, em outro julgamento (REsp. 598.281/MG, DJ  01/06/2006), que tinha como objeto um dano ambiental, posicionou-se contra tal reparação coletiva. Vejamos as ementas:

A indenização é destinada a elas, vítimas, diferentemente do dano social, como se verá.

Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das pílulas de farinha'. Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos. [...] A mulher que  toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar  sua escolha quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação posterior.  Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp. 866.636/SP, DJ 06/12/2007, a 3ª Turma)

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (STJ,  REsp. 598.281/MG, DJ 01/06/2006, 1ª Turma).
                                               
2.2 Danos Sociais
Os danos sociais, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo (apud TARTUCE, 2009), são aqueles que causam um rebaixamento no nível de vida da coletividade e que decorrem de conduta socialmente reprováveis.  Tal tipo de dano dá-se quando as empresas praticam atos negativamente exemplares, ou seja, condutas corriqueiras que causam mal estar social. Envolvem interesses difusos e as vítimas são indeterminadas ou indetermináveis (correspondem ao art. 81, parágrafo único, inciso I do CDC) (5).

Nesse caso, quando o juiz percebe condutas socialmente reprováveis, fixa a verba compensatória e aquela de caráter punitiva a título de dano social. Essa indenização derivada do dano social não é para a vítima, sendo destinada a um fundo de proteção consumeirista (art. 100 do CDC), ambiental ou trabalhista, por exemplo, ou até mesmo instituição de caridade, a critério do juiz (art. 883, parágrafo único do CC). Enfim, é a aplicação da função social da responsabilidade civil (é cláusula geral; norma de ordem pública).

Alguns casos práticos podem ser citados. Um deles é a decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por greve abusiva.

O caso mais emblemático, porém, é o da fraude em sistema de loteria, chamado de “caso totobola”. Nesse episódio, o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054, DJ 18/07/2007, determinou, de ofício, indenização a título de dano social para o Fundo de Proteção aos Consumidores. Confira-se a ementa:

TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E  MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não há que se falar em  perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.
2. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.
3. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.
4. Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. Recurso parcialmente provido.

Visando a observar como seria o entendimento dos Juizados Especiais Cíveis de Aracaju/SE, o autor do presente artigo, em processo judicial  onde figurava como patrono, lançou a tese do dano social para apreciação do juízo, argumentando que a Universidade privada, no caso posto, estaria cometendo, reiteradamente, práticas abusivas  contra a globalidade de seus alunos. Contudo, o 3º JEC, no processo 200940300374, assim expôs a questão: “Apesar de ser medida de intenção louvável a condenação das infratoras dos direitos dos consumidores em danos sociais, esta tese ainda encontra-se tímida no ordenamento jurídico brasileiro e sem embasamento legal que a sustente”.

2.3 Danos por perda de uma chance

Trata-se de uma teoria de origem francesa e também com base italiana que admite a reparação dos danos decorrentes da perda de uma oportunidade ou da frustração de uma expectativa de um fato que possivelmente ocorreria, desde que a chance seja séria e real. Esse conceito é o dado por Sérgio Savi e Rafael Pettefi da Silva (apud TARTUCE, 2009). Para Savi (apud TARTUCE, 2009), a chance é séria e real quando tem probabilidade de 50% ou mais para ocorrência do fato. Nesse caso, a chance teria valor econômico e, portanto, mereceria a reparação civil.

Para Nelson Rosenvald (2008), a perda de uma chance é um tertium genus, isto é, uma terceira espécie de dano patrimonial, entre o dano emergente e o lucro cessante, e, em regra, seu valor a título de reparação será menor do que aquele que seria a título de lucro cessante, posto que a indenização da perda de uma chance baseia-se em uma porcentagem, determinada pela probabilidade de ganho real, do valor auferido do lucro cessante. É, enfim, a aplicação de uma razoabilidade em danos patrimoniais.

No Superior Tribunal de Justiça, o caso mais emblemático é o do “show do milhão”. Segue a ementa:
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA  DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e  respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (STJ,  REsp 788459/BA, DJ  13/03/2006).

Considerações Finais

A ampliação das categorias de dano resulta, como já foi dito, de uma maior preocupação com o polo da vítima, seja numa percepção individual, seja coletiva ou mesmo difusa.

O modo como a jurisprudência vem tratando as espécies aqui abordadas – dano moral coletivo, dano social e dano por perda de uma chance – mostra uma tendência de maior proteção a direitos coletivamente tutelados e sua reparação em havendo lesão (no caso do dano moral coletivo e dano social), superando-se, assim, o caráter individualista e egoístico da responsabilidade civil. Ao contrário, fazem-se loas à função social da responsabilidade civil.

De outro lado, no caso de danos por perda de uma chance, lança-se essa hipótese  como uma terceira espécie do dano patrimonial clássico, outrora albergado somente pelo dano emergente e lucro cessante.

De um modo ou de outro, pode-se concluir que os novos danos, tais como aqui  descritos, representam uma nova e importante dimensão a ser dada naquilo que remete à responsabilidade civil.

NOTAS:
1.No escólio de Cavalieri Filho (2008, p. 136/139), as Teorias do Risco são: risco-proveito (“o responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa”), risco profissional (“o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado”), risco excepcional (“a reparação é devida sempre que o dano é conseqüência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima”), risco criado (“aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um  perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo”) e risco integral (“o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior”).
2 Cf., nesse sentido:  PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Responsabilidade civil ambiental.  Jus Navigandi,
Teresina, ano 14, n. 2403, 29 jan. 2010. Disponível em: .
Acesso em: 25 jun. 2010.
3  Outro estudo acerca dos novos danos, mas com enfoque diferenciado deste, pode ser visto no seguinte artigo: GREY, Natália de Campos. Os novos danos. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2109, 10 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2010. Ademais, poder-se-ia mencionar a tese do abandono paterno filial (teoria do desamor) como uma  nova situação existencial de dano, onde, segundo a maior parte da doutrina, a liberdade dos pais sucumbe frente à solidariedade em favor dos filhos.
4 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo  individualmente, ou a título coletivo.
        Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
        I - omissis;
        II  - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre  si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
        III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
5 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
        Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
        I  - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; [...].

REFERÊNCIAS
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
GREY, Natália de Campos. Os novos danos . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2109, 10 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2010.
PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Responsabilidade civil ambiental.  Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2403, 29 jan. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2010.
ROSENVALD, Nelson.  Responsabilidade Civil. Curso proferido no programa “Saber Direito”. . Período do curso: 20 a 24 de out. de 2008. 
SILVA, Flávio Murilo Tartuce.  Reflexões sobre o dano social. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 59, 30/11/2008 [Internet]. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537. Acesso em 26/06/2010
TARTUCE, Flávio. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Curso a distância proferido pela rede FMB em 28/07/2009.

Extraído de OAB/ENA

23 novembro 2011

POLIGAMIA CATARINENSE

Muito embora se a pessoa casada contrair novo matrimônio seja tal ato considerado crime contra o casamento, previsto no art. 235 do Código Penal, com o “nomen juris” de bigamia, tem-se notícia aqui e acolá da aceitação por alguns tribunais de uniões paralelas e até mesmo concomitantes com casamento.

Ora, a bigamia não pode, mas a poligamia sim, pela via transversa de uniões estáveis paralelas. Coisas do Brasil.

Veja a decisão divulgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

TJSC julga quadrilátero amoroso e decide dividir pensão entre companheiras 
A 4ª Câmara de Direito Civil do TJ apreciou nesta semana o caso de um homem que, mesmo casado, mantinha relacionamento com duas outras mulheres que, com sua morte, ingressaram na Justiça em busca de seus direitos: pensionamento na ordem de R$ 15 mil. O inusitado quadrilátero amoroso chamou a atenção e causou espécie até mesmo entre os julgadores.

“Ouso afirmar que os meandros folhetinescos desta história rivalizam, no mais das vezes, com as mais admiráveis e criativas obras de ficção da literatura, do teatro, da televisão e do cinema, demonstrando, uma vez mais, que a arte imita a vida – ou seria o contrário?”, interpretou o desembargador Eládio Torret Rocha, relator da matéria. A sentença de 1º grau, que determinou a divisão da pensão entre as mulheres, foi mantida pelo TJ.

A esposa oficial morreu no transcurso do processo, e as duas companheiras, ao comprovarem com farta documentação e depoimentos testemunhais a existência de suas respectivas uniões estáveis, foram beneficiadas com metade do valor da pensão. O desembargador Eládio apontou, em seu voto, ter se configurado a situação de recíproca putatividade entre as mulheres, em relação ao duplo convívio mantido pelo companheiro. Em outras palavras, uma não sabia da existência da outra. Elas residiam em cidades distantes.

“Embora seja predominante, no âmbito do direito de família, o entendimento da inadmissibilidade de se reconhecer a dualidade de uniões estáveis concomitantes, é de se dar proteção jurídica a ambas as companheiras [...], mostrando-se justa a solução que alvitra a divisão da pensão derivada do falecimento dele e da terceira mulher com quem fora casado”, anotou o relator.

Para ele, ao deparar com casos que envolvam relacionamentos paralelos, o julgador deve levar em consideração princípios protetivos da boa-fé e da dignidade da pessoa, na presunção de efetividade do inovador conceito de busca da felicidade e do ideal de justiça. O direito precisa, acrescenta, estar preparado para recepcionar os desdobramentos dos núcleos afetivos que, querendo-se ou não, justapõem-se, e cuja existência é cada vez mais recorrente em nossa sociedade volátil. O juiz Francisco Carlos Mambrini foi responsável pela sentença em 1º grau.
                   Fonte: TJSC

22 novembro 2011

A IMPUNIDADE GENERALIZADA NO BRASIL




Luiz Flávio Gomes
Jurista e Cientista Criminal. Promotor de Justiça (1980 a 1983. Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).



De cada cem homicídios no Brasil apenas 8 são devidamente apurados (autoria e circunstâncias do crime). Essa é a estimativa de Julio Jacobo Waiselfisz, que é coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça (O Globo de 09.05.11, p. 3).
Em 2010, um levantamento nacional realizado pelo Grupo de Persecução Penal da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) – Secretaria Nacional de Segurança Pública – informou que existem 87 mil inquéritos de homicídio (instaurados até 31/12/07) sem conclusão.
Esses dados revelam a impunidade massiva que impera no nosso país. Um cenário que só pode ser combatido se cada uma das suas causas de sustentação for devidamente analisada.
É fundamental que a impunidade seja verificada em consonância com os ensinamentos de Arno Pilgran (os chamados filtros de Pilgran), segundo os quais ela é composta e derivada de inúmeros fatores que variam desde problemas na criação legislativa até a própria execução da pena, englobando a fase investigatória e processual.
Essas duas fases, por sua vez, falham em razão da burocracia, da formalidade exagerada, do medo das vítimas e testemunhas em prestar depoimento à autoridade, da falta de estrutura do judiciário e do sucateamento do sistema pericial.
Prova disso é a estimativa apresentada pelo presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC). Em entrevista publicada no último dia 24 de setembro, Iremar Paulino apresentou o quadro caótico que se encontra a perícia brasileira. Enquanto o número de peritos recomendado pelas Nações Unidas é de 38 mil, ou seja, um perito para cada cinco mil habitantes, o Brasil possui, no total, apenas 6,5 mil peritos (quatro vezes menos que o aconselhado).
Um déficit de mais de 30 mil peritos que, associado à carência de equipamentos especializados e a não preservação do local dos fatos, impossibilita a identificação de provas e impede a apuração do crime.
As provas técnicas são essenciais para a elucidação dos delitos, verdadeira arma contra a impunidade. Todavia, seu menosprezo e a falta de investimento atravancam as investigações e processos judiciais, gerando arquivamentos e prescrições, deixando crimes sem solução e famílias sem respostas.
O resultado é a impunidade generalizada, uma taxa de congestionamento de 70% no Judiciário e a sensação de 53,7% da população de que o Estado brasileiro não pune seus culpados!

Extraído de Editora Magister/doutrina

21 novembro 2011

O BRASIL DE OLHO NA OAB

Repercutiu bastante na mídia na última semana a reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em que o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, é acusado de receber salário indevido do Estado do Pará.
O imbróglio  teve início com a intervenção da OAB Federal na Seccional do Pará e determinou o afastamento do presidente e quatro membros da diretoria local por suposta venda irregular de terreno da OAB em Altamira.
Dois advogados paraenses, um deles Conselheiro seccional, ingressaram com uma ação civil pública, alegando que Ophir Cavalcante, que é procurador do Estado, encontra-se ilegalmente em licença remunerada há 13 anos, período em que exerce advocacia para clientes privados e empresas estatais.

Segundo os autores, a lei autoriza o benefício apenas para mandatos em sindicatos, associações de classe, federações e confederações, não sendo a OAB órgão de representação classista dos procuradores, razão pela qual pedem que Cavalcante devolva os benefícios acumulados no valor de um milhão e meio de reais.
 
Dentre tantas campanhas e manifestações, a OAB   lançou recentemente o “Observatório da Corrupção”, que segundo consta de seu site “será um instrumento para que a sociedade exerça seu insistente interesse no rápido julgamento de casos de corrupção, acompanhando os andamentos e pleiteando os julgamentos em todas as instâncias”. E que a Ordem dos Advogados está de olho no Brasil.”
 
Agora o Brasil está de olho na OAB. Será que o feitiço virou contra o feiticeiro? A conferir.

18 novembro 2011

BLOQUEIO IRREGULAR DE TELEFONE GERA DANO MORAL


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o tema em análise refere-se a falha no serviço por empresa de telefonia, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 5.721/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. TELEFONIA FIXA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 
1.-PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA, POIS O AUTOR DISPÕE DE PROCURAÇÃO COM AMPLOS PODERES, CONFERIDA POR INSTRUMENTO PÚBLICO DA ASSINANTE, QUE É SUA IRMÃ E RESIDE NO MESMO ENDEREÇO.
2.-A IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO TELEFONE FIXO POR DUAS SEMANAS, DECORRENTE DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELA EMPRESA DE TELEFONIA, GERA DANO MORAL, NOS TERMOS DO ART.22 DO CDC E ART. 3º, INC. XII, DA LEI 9.247/97.
3.-SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa e, no mérito, por igual votação, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de  março de 2005.
R E L A T Ó R I O
JRN, devidamente qualificado e representado, ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais c/c Lucros Cessantes em face de empresa de telefonia, pleiteando indenização por danos morais e lucros cessantes na ordem de R$ 9.600,00 devidamente corrigidos a partir da citação, alegando ser usuário da linha telefônica xxxx-7034, cuja titular é sua irmã LR, a quem representa por procuração, alegando que o aparelho foi indevidamente desligado pela operadora, o que lhe causou sérios prejuízos, pois depende desse meio de comunicação para sobreviver.
Através da r. sentença de fls. 107/111 o pedido autoral foi julgado procedente em parte, condenada a requerida ao pagamento de indenização por danos morais arbitrado em R$ 1.500,00, corrigidos monetariamente desde o ajuizamento da ação e com juros de mora contados a partir da citação, bem como o pedido contraposto, neste condenado o autor no pagamento de R$ 74,81, referente à fatura com vencimento em 07/01/2004.   
A empresa interpôs recurso inominado a fls. 113/124, argüindo, preliminarmente a ilegitimidade ativa do autor e, no mérito, requereu o provimento ao recurso para que seja reformada a sentença impugnada, julgando-se improcedentes os pedidos ou reduzido o quantum indenizatório, vez que este se demonstra extremamente severo e desproporcional.
Contra-razões a fls. 142/146, rebatendo a preliminar e propugnando, no mérito, pela manutenção do julgado, condenando-se a recorrente no pagamento de custas e honorários de sucumbência.
É o relatório.
 
                                                           V O T O
Atendidos os requisitos legais de preparo e tempestividade, sobremodo diante da certidão cartorária de fls. 140/verso, conheço do recurso.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA
A recorrente reitera, em sede recursal, a argüição de ilegitimidade ativa do recorrido pelos mesmos fundamentos deduzidos e refutados no juízo monocrático, alegando que a titularidade do direito de uso da linha telefônica 3281-7034 é de sua irmã. A questão foi bem resolvida no juízo de origem, com o fundamento de que o recorrido é que é o possuidor e responsável pelo telefone, tendo, ainda, procuração lavrada por instrumento público, em que sua irmã outorga poderes para representá-la, inclusive judicialmente. Além do mais, convivem sob o mesmo teto, sendo o autor e sua irmã solteiros e o telefone fixo serve a ambos. Ora, é comum entre familiares que bens de irmãos sejam compartilhados, usados quer por um, quer por ambos, sobretudo em se tratando de telefone fixo. Releva, ainda, realçar que em sede de juizados especiais prevalece a informalidade e a simples inversão de nome nesse caso não tem o condão de impedir que a parte busque seu direito. Prestigia-se sempre que possível o aproveitamento do conteúdo do processo em detrimento da simples formalidade. Afinal, o processo é o meio que a parte utiliza para busca da prestação jurisdicional e não um fim em si mesmo.
Assim sendo, rejeito a preliminar.

MÉRITO

A prestação de serviços de telefonia se submete às regras das relações de consumo erigidas no Código de Defesa do Consumidor pela Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe, em seu art. 2º, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
A recorrente admitiu em sua contestação (fls.69): “que houve realmente um defeito onde o referido terminal não recebe e não transmite”.
Igualmente em seu recurso (fls.118) confessa que “Como ficou demonstrado houve realmente um defeito onde o referido terminal não recebia e não transmitia.”
Evidente, portanto, a falha na prestação do serviço de telefonia que deixou o aparelho sem funcionamento por mais de duas semanas, gerando o dever de indenizar, nos termos do disposto no artigo 22 Código de Defesa do Consumidor e artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações.
Não escusa a recorrente o fato de ter havido bloqueios anteriores por atraso no pagamento de faturas, vez que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Constata-se, ainda, que houve excessiva demora na reposição do sinal do aparelho do recorrido, que só ocorreu após o ajuizamento da ação.
No tocante ao valor da indenização, fixado em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), creio que não merece retoque, estando ajustado às circunstâncias do fato e em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Turma.  
Caso não tenha sido paga a fatura reconhecida no pedido contraposto, deve a recorrente compensar a quantia ali reconhecida no valor de R$ 74,81, com os encargos pertinentes.
Em face do exposto, nego provimento ao recurso, devendo a recorrente pagar as custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da indenização.
É como voto.