O
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90 dispõe em seu
art. 33, § 3º expressamente que “A guarda confere à criança ou
adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos
de direito, inclusive previdenciários”.
Esse
direito foi garantido no Plano de Benefícios da Previdência Social
instituído pela Lei 8.213/91, nos seguintes termos:
Art.16.
São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na
condição de dependentes do segurado:
O dispositivo teve
redação alterada por lei superveniente, em que se omitiu o direito
da criança sob guarda:
§
2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante
declaração do segurado e desde que comprovada a dependência
econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação
dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
Com
essa modificação, os órgãos previdenciários passaram a negar às
crianças sob guarda judicial o direito de pensão previdenciária em
caso de morte do guardião, consistindo num retrocesso social e
absurda discriminação para com o enteado.
Agora,
porém, esse direito ressurge por decisão do Colendo Superior
Tribunal de Justiça, através do julgado que segue abaixo:
RECURSO
EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 36.034 - MT (2011/0227834-9)
RELATOR
: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE
: A F P DE A (MENOR)
REPR.
POR : C DA S F
ADVOGADO
: SELMA PINTO DE ARRUDA GUIMARÃES E OUTRO(S)
RECORRIDO
: ESTADO DE MATO GROSSO
PROCURADOR
: ANA CRISTINA COSTA DE ALMEIDA B TEIXEIRA E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR
MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL
DO MENOR.
1.
Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de
pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência
do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza
específica.
2.
Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu
campo de incidência amparado pelo status de prioridade
absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida
com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
3.
A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à
criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem
constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de
1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade
à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
4.
Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo
que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente,
contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças
e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado
Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o
ordenamento jurídico.
5.
Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de
Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos
certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o
Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda
a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive
previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que
representa a política de proteção ao menor, embasada na
Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da
sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227,
caput, e § 3º, inciso II).
6.
Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico
constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício
para quem dependa economicamente do instituidor.
7.
Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior
Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos o Sr. Ministros Ari
Pargendler e a Sra. Ministra Assusete Magalhaes, dar provimento ao
recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Arnaldo
Esteves Lima, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og
Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília
(DF), 26 de fevereiro de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRO
BENEDITO GONÇALVES
Relator
Documento:
34474290 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 15/04/2014
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