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26 fevereiro 2010

FIM DE EXPEDIENTE

MAZELAS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA


OAB-DF CONTRA A INTERVENÇÃO. QUER MAIS CORRUPÇÃO?

O jornal Correio Braziliense publicou ontem a seguinte notícia:


OAB-DF É CONTRA A INTERVENÇÃO.

“A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Distrito Federal lançou ontem um movimento contra a intervenção no DF. Além de mobilizar partidos políticos e representantes de entidades civis e sindicais, a OAB/DF promete protocolar, até sexta-feira, uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da qual justificará os motivos de ser contra a intervenção.


O movimento conta com o apoio do colegiado dos ex-presidentes da Ordem. A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e a Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomercio/DF) também se posicionaram contra a possível ingerência da União no DF, além da Câmara Legislativa. “Estamos vivendo a maior crise da história da República deste país. Mas não há razões jurídicas para intervenção. Vamos trabalhar dia e noite para defender o ordenamento jurídico e o respeito à linha de sucessão”, afirmou o presidente da OAB/DF, Francisco Caputo.”

Nota do blog:

Ora bolas, se a OAB –DF é contra intervenção, então concorda com a corrupção???


É evidente que há um conluio entre executivo e legislativo no Governo do DF com tal dimensão que não permite acreditar que os legisladores brasilienses tenham condições de agir de forma isenta. Eles vão é fingir, disssimular e cassar o mandato de um ou outro e absolver outros tantos e tudo continuará na mesma.

A prova cabal disso está na informação publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo de que apenas três dos nove deputados distritais contra quem o corregedor da Câmara Legislativa sugeriu investigação por quebra de decoro parlamentar responderão a processo. Somente vão responder processo no legislativo os que foram filmados recebendo dinheiro de suposta propina do esquema de corrupção: Leonardo Prudente (sem partido, ex-DEM), Eurides Brito (PMDB) e Júnior Brunelli (PSC) porque ao contrário do que disse o presidente Lula, as imagens falam por si.
O atual governador em exercício não demonstra condições de dirigir sequer uma carrocinha de pipoca quanto mais o governo da capital federal.


A intervenção é medida constitucionalmente prevista no ordenamento jurídico e, portanto, perfeitamente cabível e pode servir de exemplo para os demais governos estaduais.

Quando a situação chega ao ponto que chegou em Brasília, outra alternativa não resta senão a intervenção. Não se pode esperar que esses políticos corruptos e/ou comprometidos que estão lá sejam capazes de reorganizar a administração.

O que a OAB-DF propõe não passa de quimera.

REGISTRO CIVIL- DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO NOME E SEXO DO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL

Parte 4-Final


Aline Dias de França

Advogada; Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestranda na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDFAM.


3.6 AS ALTERAÇÕES DO REGISTRO DO TRANSEXUAL E OS DEMAIS RAMOS DO DIREITO

As eventuais alterações no registro de um transexual também podem repercutir em outros ramos do direito. No ramo do direito previdenciário, aplicaríamos as regras quanto à concessão dos benefícios de acordo com o sexo atual ou com o sexo originário? Ou deveríamos fixar regras próprias a ser aplicadas à estes indivíduos? E na seara penal, aplicar-se-ia como aplicar as regras dos crimes contra os costumes, sexuais, etc.?

E no ramo do direito do trabalho, seria discriminação a dispensa do transexual após a cirurgia? E antes? Há tipos de trabalhos para os quais estes indivíduos não estão capacitados?

Como nossa CF veda, em seu artigo 3º, IV e a CLT, em seus artigos 5º e 461, a discriminação em razão do sexo, a resposta a estas questões podem ser respondidas sem a necessidade de lei especifica, cabendo a doutrina e a jurisprudência dar a melhor e mais adequada interpretação.

3.7 O PROJETO DE LEI 6.655/06

Originalmente apresentado pelo Deputado José Coimbra do PTB/SP sob o nº 70/1995, o PL 6.655/06 do Deputado Luciano Zica do PT/SP, cuja redação final foi aprovada em 16 de Agosto de 2007 na Câmara e atualmente tramita no Senado Federal sob a relatoria da senadora Fatima Cleide da CDH - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, prevê a alteração do artigo 58 da Lei 6.015/73, para dar-lhe a seguinte redação:

"Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição, mediante sentença judicial, nos casos em que:

I – o interessado for:

a) conhecido por apelidos notórios;

b) reconhecido como transexual de acordo com laudo de avaliação médica, ainda que não tenha sido submetido a procedimento médico-cirúrgico destinado à adequação dos órgãos sexuais;

II – houver fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime por determinação, em sentença, de juiz competente após ouvido o Ministério Público.

Parágrafo único. A sentença relativa à substituição do prenome na hipótese prevista na alínea b do inciso I deste artigo será objeto de averbação no livro de nascimento com a menção imperativa de ser a pessoa transexual."

O projeto, contrariamente a legislação estrangeira sobre o tema, permite a alteração do prenome com expressa menção da transexualidade da pessoa. Na justificação apresentada assinala o autor do projeto que os "registros públicos devem se pautar sempre pela veracidade, clareza, certeza, publicidade e segurança" e que a "modificação da identidade (substituição do prenome) tem sua razão essencial na necessidade de exteriorizar a verdadeira situação do identificado", mas "a fim de se evitar equívocos que podem, eventualmente, até ter reflexos tanto no campo do direito privado quanto no campo da responsabilidade do Estado face à eventual possibilidade de a situação sexual objeto do registro civil de nascimento exercer influência em questões que envolvam a sexualidade" deve ser dada publicidade à condição de transexual do individuo.

A solução legislativa que tramita no Senado Federal, ao determinar a averbação no registro civil da condição de transexual do indivíduo e permitir a alteração do seu prenome, afasta o principal argumento utilizados pela doutrina e jurisprudência pátria para negar o pleito de alteração registral formulado pelos transexuais que gira em torno do casamento posterior e decorre da alteração do sexo.

Todavia, a publicidade da condição de transexual do individuo constará apenas no Registro Civil, e a ela terá acesso o pretendente a cônjuge, e não em seus demais documentos como Cédula de Identidade, como previa o projeto antecedente 30. Mas sem regramento legislativo permaneceriam ainda as questões relativas à filiação e adoção.

No entanto, se aprovado, a legislação brasileira adotará um terceiro sexo jurídico, e ao lado do feminino e masculino acrescentará o transexual – é o Direito em sintonia com a ciência médica? Certamente é a adequação do registro civil a realidade fática e biológica do individuo registrado.

4 CONCLUSÃO

O nome é a expressão máxima do princípio da dignidade da pessoa humana, indispensável para nossa identificação em relação aos outros e nós mesmos, nos conferindo um lugar no mundo e um espaço necessário para a construção de nossa identidade e personalidade.

Como sinal identificador da pessoa humana, tão necessário na Pós-modernidade em razão da complexidade das relações humanas e do tamanho da população mundial, ele é tutelado e protegido, sendo, em nosso sistema jurídico, em regra imutável o prenome e permitida a alteração excepcional e justificada do sobrenome.

O prenome corresponde ao primeiro elemento do nome, também conhecido como nome próprio ou de batismo e vulgarmente conhecido como nome, pode ser alterado nas seguintes hipóteses legais: a) de erro gráfico evidente, para evitar expor seu portador ao ridículo ou para adotar apelido público e notório, em substituição ao prenome ou acréscimo a ele (Lei 6.015/73, com as alterações realizadas pela Lei 9.708/98); b) adoção (artigo 7, § 5º da Lei 8.069 e 1627 do CC); c) tradução ou adaptação à língua portuguesa de nome de estrangeiro (artigo 43 da Lei 6.815/90) e d) vítimas ou testemunhas de crime (Lei 9.807/99).

O sobrenome, também conhecido como nome ou apelido de família, patronímico ou cognome, serve para designar a estirpe a que o sujeito pertence, seus ascendentes paternos e maternos, pode ser alterado nas seguintes hipóteses: a) modificação do estado de filiação, nos casos de reconhecimento ou negativa de paternidade/maternidade ou adoção; b) no casamento, quando qualquer um dos cônjuges pode adotar o sobrenome do outro e na separação ou divórcio, caso um dos ex-cônjuges perca ou renuncie o direito de utilizar o sobrenome do outro, c) na união estável através do pedido de qualquer um dos conviventes (artigo 1.627 do CC); d) com a alteração do sobrenome de qualquer um dos genitores, que acarreta conseqüente a alteração do nome do filho e e) acréscimo do sobrenome do padrastro ou madrasta pelo enteado ou enteada (lei 11.924/09).

A possibilidade da alteração do prenome de transexual não está prevista em lei e a regra da imutabilidade do mesmo, salvo expressa previsão legal, justificou por muito tempo a negativa judicial do pedido de modificação. Todavia, com a legalização da realização de cirurgia de transgenitalização no Brasil ocorrida em 1997 através da Resolução 1482 do Conselho Federal de Medicina, o Judiciário brasileiro teve que rever sua posição, afinal incoerente é o mesmo Estado permitir a readequação cirúrgica do sexo do transexual e negar a alteração do nome e sexo em seus documentos.

A ausência de norma torna a questão ainda mais controvertida porque o que pleiteia o transexual não é só a mudança de seu prenome, o que sem dúvida o expõe a situações vexatórias, mas a de seu sexo o que traz conseqüências para direitos e obrigações do indivíduo que decorrem de seu sexo jurídico e geram inúmeras questões que ficam a cargo da doutrina e jurisprudência responder.

Ao buscarmos compreender a condição do transexual de modo interdisciplinar e sob o ponto de vista de outras ciências, especialmente da Medicina e Psiquiatria, verificamos ser imprecisa a classificação dicotômica do sexo já que a análise da sexualidade humana somente do ponto de vista biológico não representa a totalidade da realidade deste aspecto da condição humana.

Três são os componentes da sexualidade humana: o biológico, psicológico e sexual, e da combinação destes resultam a existência de múltiplos e não apenas dois sexos, consenso entre os estudiosos do tema, a afirmação que responde mais adequadamente a questões resultantes da alteração no registro do transexual.

Aceitar o reconhecimento da adequação do nome e sexo do transexual é garantir-lhes o direito a identidade e saúde, permitindo o resgate de sua cidadania e dignidade. No entanto, a mudança do sexo no registro civil repercurte em direitos e obrigações decorrentes do sexo jurídico e necessária é uma adequada regulamentação do tema.

Reconhecer a existência de um terceiro sexo jurídico, tal como projeto de lei 6.655/06, determinando que essa modificação seja feita através de averbação no Registro Civil devendo constar neste a condição de transexual do individuo é a adequação do registro civil a realidade fática do indivíduo registrado.

Tal solução, em consonância ao demonstrado pelas ciências biológicas, afasta os problemas relativos ao casamento. A resposta as demais questões envolvendo o transexualismo serão adequadamente respondidas se os profissionais do Direito compreenderem a condição sui generis destes indivíduos sob o ponto de vista de outras ciências. Juntos com médicos, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais responderemos adequadamente as questões relativas à filiação e adoção, de forma a atender o melhor interesse da criança e do adolescente, basta nos despirmos de nossos preconceitos e nos vestir de conhecimento, bom-senso e sensibilidade.

Notas da Autora:
30 - O Projeto 70/1995 do Deputado José de Castro Coimbra previa a averbação no Registro e Civil e no documento de identidade da condição de transexual da pessoa.

5 REFERÊNCIAS

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______; MURTA, Daniela e LIONÇO, Tatiana. Transexualidade e Saúde Pública no Brasil. In Revista Ciência & Saúde Coletiva, artigo 0807/2007. Disponível em http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=1414.
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COSTA, Ronaldo Pamplona. Os 11 Sexos. São Paulo: Editora Gente, 1994.
DAMIANI, Durval e GUERRA JUNIOR, GIL. As novas definições e classificações dos estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui para o estado da arte? In Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabolismo. vol.51, nº 6. São Paulo: Agosto de 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302007000600018.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007.
DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. 2. ed / aumentada e, ainda, atualizada conforme o novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002). São Paulo: Saraiva, 2001.
D’URSO, Luiz Flavio Borges. O transexual, a cirurgia e o registro. In Revista Jurídica. Porto Alegre. v.44. n.229. p.21-3. nov. 1996.
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KLABIN, Aracy Augusta Leme. Aspectos Jurídicos do Transexualismo. In Revista da Faculdade de Direto da Universidade de São Paulo. V.90, 1995, p.197/241.
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MORAIS, Joana D´Arc & AFFONSO, Carmen Stela Filippo. Peculiaridades da Retificação do nome e sexo quando da mudança de sexo – " Vitor ou Vitória?".Boletim Legislativo nº 25, ano XXVVI. ADCOAS: 1994, p. 707-709.
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SANTOS, Reinaldo Velloso dos Santos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006.
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VIERA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

Extraído de Editora Magister/doutrina, 06.01.2010

AGENDA DO PRESIDENTE DO STF

Agenda do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para esta sexta-feira (26/02)



8h - Participa da solenidade de abertura do 3º Encontro Nacional do Judiciário.
Local: Hotel Tivoli Mofarrej - São Paulo -Alameda Santos, 1437, Cerqueira Cesar, a 7 Km do Aeroporto de Congonhas.

Público-alvo: Presidentes e Corregedores

Objetivo: Apresentar e discutir as ações estratégicas do Poder Judiciário no ano de 2010.

10h45 - Apresenta, juntamente com o corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, "As 10 Metas Nacionais de Nivelamento de 2009: divulgação dos resultados".
Local: Hotel Tivoli Mofarrej (SP)

25 fevereiro 2010

AÇÃO PENAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DEPENDE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA



A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu ser necessária a representação da vítima no casos de lesões corporais de natureza leve, decorrentes de violência doméstica, para a propositura da ação penal pelo Ministério Público. O entendimento foi contrário ao do relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.


O relator considerava não haver incompatibilidade em se adotar a ação penal pública incondicionada nos casos de lesão corporal leve ocorrida no ambiente familiar e se manter a sua condicionalidade no caso de outros ilícitos.

Segundo o ministro, não é demais lembrar que a razão para se destinar à vítima a oportunidade e conveniência para instauração da ação penal, em determinados delitos, nem sempre está relacionada com a menor gravidade do ilícito praticado.

“Por vezes, isso se dá para proteger a intimidade da vítima em casos que a publicidade do fato delituoso, eventualmente, pode gerar danos morais, sociais e psicológicos. É o que se verifica nos crimes contra os costumes. Assim, não há qualquer incongruência em alterar a natureza da ação nos casos de lesão corporal leve para incondicionada enquanto se mantêm os crimes contra os costumes no rol dos que estão condicionados à representação”, afirmou. O ministro Og Fernandes e o desembargador convocado Haroldo Rodrigues acompanharam o voto do relator.

REVIRAVOLTA DO JULGAMENTO

O entendimento predominante, porém, considerou mais salutar admitir-se, em tais casos, a representação, isto é, que a ação penal dependa da representação da ofendida, assim como também a renúncia. Para o decano da Seção, ministro Nilson Naves, “a pena só pode ser cominada quando for impossível obter esse fim através de outras medidas menos gravosas”.

Além do ministro Nilson Naves, divergiram do entendimento do relator os ministros Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e o desembargador convocado Celso Limongi.

RECURSO REPETITIVO

A questão foi apreciada em um recurso especial (Resp 109704) destacado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho como representativo dessa discussão para ser julgado pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008), diante dos inúmeros recursos que chegam ao STJ sobre esse ponto da lei.

O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios com o objetivo de reverter decisão do tribunal local que entendeu que “a natureza da ação do crime do artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal é pública condicionada à representação”.

Para o TJ, o artigo 41 da Lei n. 11.340/06, ao ser interpretado com o artigo 17 do mesmo diploma, apenas veda os benefícios como transação penal e suspensão condicional do processo nos casos de violência familiar. Assim, julgou extinta a punibilidade (cessação do direito do Estado de aplicar a pena ao condenado devido à ação ou fato posterior à infração penal) quando não há condição de instaurar processo diante da falta de representação da vítima.

No STJ, o MP sustentou que o crime de lesão corporal leve sempre se processou mediante ação penal pública incondicionada, passando a exigir-se representação da vítima apenas a partir da Lei n. 9.099/95, cuja aplicação foi afastada pelo artigo 41 da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

Informações e foto do STJ.

REGISTRO CIVIL- DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO NOME E SEXO DO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL

Parte 3/4


Aline Dias de França

Advogada; Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestranda na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDFAM.


3.4 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

Superada a discussão da criminalização da cirurgia após a absolvição do médico Roberto Farina que realizou a primeira cirurgia do gênero no Brasil em 1971 e a autorização do Conselho Federal de Medicina para sua realização nos país através da resolução 1482 em 1997, crescente são as decisões favoráveis à alteração do nome do transexual. Elas se fundam, basicamente, no princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil e na proteção constitucional, entre outros direitos fundamentais, ao direito à vida, à existência e a identidade, que garantem aos seus direitos de personalidade.

Também afirmam atender ao princípio da isonomia, previsto nos artigos 1º, III, IV e 3º, III, IV da CF, "que proíbe qualquer prática discriminatória para a dignidade da pessoa humana, para os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, acesso ou manutenção do trabalho por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade".25

Ademais não há como negar que o fato do indivíduo apresentar-se como pessoa de um sexo e exibir documento como nome de outro a expõe a situação vexatória e humilhante. Ademais, no meio social em que vivem os transexuais são conhecidos por nome diverso do que o que exibem em sua certidão, o que analogicamente, poderia ser considerado apelido público e notório, garantindo-lhe a aplicação do disposto no artigo 58 da Lei 6.015/98.

Mas se tal alteração deve ser feita através de uma retificação ou de uma averbação, se deve ser alterado também o sexo, se deve ser dada publicidade a tal circunstância, se isso feriria o princípio da dignidade da pessoa humana e os da publicidade, continuidade e segurança dos registros públicos, são questões sob as quais não há consenso.

Nos tribunais pesquisados para a elaboração deste estudo, verificamos quatro posições distintas, todas concedendo a alteração do nome 26, mas divergindo quanto à alteração do sexo. No primeiro grupo de decisões estão as que concedem a alteração do nome e sexo, consignando que não deve ser dada publicidade à concessão exceto através de pedido de pessoa interessada ou ordem judicial. No segundo grupo as que determinam a alteração do nome e sexo através de averbação no assento que garante a publicidade da mudança enquanto no terceiro grupo as que garantem a alteração do nome determinando que conste no assento o sexo transexual. Por fim, no quarto as alteram o nome, mas negam a alteração do sexo.

Do primeiro grupo, destacamos a decisão do Desembargador Nascimento Povoas Vaz do TJRJ que determinou a retificação do nome e sexo, consignando que a manutenção do mesmo número de CPF protegerá terceiros. Neste sentido:

REGISTRO CIVIL. Transexual que se submeteu a cirurgia de mudança de sexo, postulando retificação de seu assentamento de nascimento (prenome e sexo). Adequação do registro à aparência do registrando que se impõe. Correção que evitará repetição dos inúmeros constrangimentos suportados pelo recorrente, além de contribuir para superar a perplexidade do meio social causado pelo registro atual. Precedentes do TJ/RJ. Inexistência de insegurança jurídica, pois o apelante manterá o mesmo número do CPF. Recurso provido para determinar a alteração do prenome do autor, bem com a retificação para o sexo feminino. (TJ/SP AC 2005.001.17926, 18ª. C.C, Des. Nascimento Povoas Vaz, Julg. 22/11/05)

Neste grupo parece estar o STJ que em recente decisão da lavra da Ministra Nancy Andrighi, determinou a alteração do prenome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo, sem que na certidão conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários 27.

Todavia, em 2007, a mesma Turma decidiu permitir a alteração de nome e sexo com a publicidade da sentença, conforme demonstra a ementa a seguir:

MUDANÇA DE SEXO. AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. 1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 678933 / RS, 3ª Turma, Ministro Relator Carlos Alberto Menezes Direito, julgamento 22/03/2007, DJ 21/05/2007 p. 571).

Posicionamento adotado recentemente pelo TJSP que determina a alteração de nome e sexo através de alteração, a fim de preservar a continuidade dos registro e direito de terceiros, como demonstra ementa a seguir:

Retificação de registro civil. Transexual. Obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana. Aplicação do artigo 1º, III , da CF e dos artigos 55, parágrafo único e 58 da Lei 6 0 1 5 / 7 3 . Modificação de nome e sexo que, no entanto, devem ser averbadas em cartório para que se preserve a continuidade do registro civil e os direitos de terceiros. Jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça. Recurso provido, com observação. (TJ/SP, AC 619.671.4/9, Guarulhos, 4ª. C. de Direito Privado, Rel. Des. Maia da Cunha, Julg. 19/02/2009; DJESP 07/05/2009).

Outras decisões há como a do TJRS, que determina a alteração do nome e do sexo para nele constar que é a pessoa é transexual

ALTERAÇÃO DO NOME E AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da CF, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte. (TJ/RS, AC 70013909874, Porto Alegre, 7ª Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 05/04/2006, Publicação 17/4/2006)

Mais raras são as que, alteram o nome e não o sexo, assim:

Ação de retificação do registro de nascimento. Transexual. Adequação do sexo psicológico ao sexo genital. Sentença de procedência. Apelação. Sentença que julgou procedente o pedido, deferindo a alteração no registro civil, consistente na substituição do nome do requerente, passando a figurar como pessoa do sexo feminino. Características físicas e emocionais do sexo feminino. Artigo 13 do CC. Defeso o ato de dispor do próprio corpo. Exceção quando for por exigência médica. Ciência moderna trata o transexualismo como uma questão neurológica. Análise citogenética. Prova definitiva para determinar o sexo. Diferença encontrada nos cromossomos sexuais é a chave para a determinação do sexo. Cirurgia de mudança de sexo não é modificadora do sexo. Mera mutilação do órgão genital, buscando a adaptação do sexo psicológico com o sexo genital. Mudança de sexo implicaria em reconhecimento de direitos específicos das mulheres. Segurança jurídica. Mudança do nome do apelado se afigura possível. Artigos 55 e 58 da Lei 6.015/73. Nome pode ser alterado quando expõe a pessoa ao ridículo. Quanto a mudança de sexo, a pretensão deve ser rejeitada. Modificação do status sexual encontra vedação no artigo 1.604 do CC. Ensejaria violação ao preceito constitucional que veda casamento entre pessoas do mesmo sexo. Retificação do sexo no assento de nascimento tem como pressuposto lógico a existência de erro. Inexistência de erro. Apesar da aparência feminina, ostenta cromossomos masculinos. Dá-se provimento ao recurso. (TJRJ, AC 2004.001.28817, Rel. Des. Otávio Rodrigues, julgado em 02/03/2005.)

Diante de tamanha polêmica e divergência, um regramento legislativo sobre o tema se faz necessário, pois, a alteração do sexo traz conseqüências as demais áreas da vida jurídica do indivíduo, especialmente no Direito de Família.

3.5 O TRANSEXUALISMO E O DIREITO DE FAMÍLIA

Sem dúvida, o que mais perturbam os profissionais do Direito ao enfrentarem a questão da transexualidade é o reflexo que a mudança do sexo pode trazer para o direito de família, afinal, com outro sexo e diante da diversidade deles óbice legal não há para a celebração de um futuro casamento. E ao admitir a alteração do sexo, por uma questão de coerência e adequação, devemos permitir o casamento de um ex-homem, agora mulher, com um homem, já que há diversidade de sexos, ainda que só jurídico, e como o matrimônio não pressupõe a capacidade reprodutiva é só o preconceito e ignorância que nos impedem de ver nesta união uma legítima formação de família.

Mas se o transexual ocultar sua condição do cônjuge, este poderia alegar erro sobre a pessoa e pleitear a anulação do casamento? De acordo com o disposto no artigo 219 do CC, sim se tal fato tornar a vida em comum insuportável e o mesmo for descoberto após a celebração da união, devendo tal pleito ser interposto pelo cônjuge enganado (artigo 1.557 do CC) no prazo decadencial de três anos.

Há os que defendem que tal casamento poderia ser considerado inexistente, já que do ponto de vista unicamente biológico o transexual continua a pertencer ao seu sexo de origem uma vez que a cirurgia muda seu fenótipo, mas é incapaz, pelo menos no atual estagio da ciência médica de lhe atribuir os demais caracteres do sexo oposto como órgãos reprodutores, glândulas e produção de respectivos hormônios. Informa Aracy Augusta Leme Klabin que decisões há neste sentido nos Estados Unidos e Clóvis Bevilacqua afastava a inexistência do casamento apenas diante de casos de hermafroditismo ou deformações, os hoje designados intersexos 28.

Mas não é só a polêmica quanto à questão da admissibilidade de um casamento posterior à alteração do registro que devemos enfrentar já que, a despeito de mais raros, casos há de transexualismo secundário e algumas destas pessoas podem realizam a cirurgia de transgenitalização após terem casado e tido filhos. Seria esta situação motivo de dissolução do casamento? Para a realização da cirurgia, deveria ter anuído o cônjuge?

Entendemos que neste caso, para a dissolução do casamento não poderá o cônjuge pedir anulação do matrimônio em razão da identidade de sexos (o que ocorreu após a cirurgia) e na nossa legislação este fato em si não seria causa legitima para a propositura da ação de divórcio litigioso. Poderia até a vir configurar descumprimento do dever de mútua assistência já tal mudança pode tornar impossível ou inviabilizar o cumprimento do débito conjugal mas, nos parece, o caminho menos tortuoso para o consorte surpreendido pelo transexualismo do outro seria a possibilidade de formular pedido de divórcio em razão da separação de fato ou do mútuo consentimento.

A legislação sueca e alemã para evitar esta confusão só permite a realização da cirurgia de transgenitalização se o candidato for solteiro ou divorciado, mas a doutrina e jurisprudência destes países tem tido dificuldades para encontrar uma solução justa para outra questão que surge após a intervenção médica: a alteração do nome e sexo deve ter efeito ex nunc e como fica o registro de nascimento dos filhos desta pessoa?

Para evitar constrangimentos aos filhos e cônjuge, propõe Tereza Rodrigues Vieira que "o reconhecimento jurídico da adequação de sexo deve ser concedido apenas ao transexual solteiro, divorciado ou viúvo" e que a sentença que ordenar a retificação do sexo tenha efeitos ex nunc, não isentando o transexual de "prestar alimentos aos filhos e ex-cônjuge", sendo desnecessária a anuência do último por tratar-se de questão de saúde 29.

Por obvio, mantêm-se inalterados os direitos e obrigações do transexual decorrentes da relação de filiação e na dissolução da sociedade conjugal a guarda deverá ser atribuída àquele que tiver melhor condições de exercê-la, independentemente de sua identidade sexual, tanto que notório é o caso no qual o Tribunal de Apelação do Colorado, Estados Unidos, manteve a guarda de uma transexual mulher sob suas filhas, mesmo após divorciar-se do pai delas e realizar a cirurgia de reatribuição de sexo, casando-se novamente com uma mulher. Entendeu o Tribunal que as meninas deveriam permanecer com a mãe natural, agora homem, em razão do interesse e bem-estar das menores.

Mas será que devemos admitir a anotação e conseqüente alteração do nome do genitor na certidão de nascimento e demais documentos dos filhos nascidos antes da cirurgia? Parece-nos que tal circunstância pode gerar grandes dissabores e constrangimentos aos menores e por isso não deveria ser permitida, mas deixamos ao leitor a resposta a esta tormentosa questão.

Ainda maior tormentosa é a questão sobre a admissibilidade da adoção após a readequação do sexo, uma das formas pelo qual o transexual poderá ter um filho já que a cirurgia o deixa infértil. Outro meio seria algum método de reprodução assistida.

Tal qual a adoção por homossexuais grande resistência encontrou, a por transexuais também enfrentará, mas acreditamos que, em uma ou outra, o que deve ser analisado é o melhor interesse da criança e que diante da constatação de capacidade dos adotantes de dar ao menor uma família que lhe possibilite crescer com afeto, apoio e segurança, não deve a orientação sexual ou identidade de gênero ser óbice à sua concessão.

Por fim as alterações no registro civil do transexual não afasta os direitos sucessórios que possam ter já que diante da prova das mudanças realizadas mediante processo judicial, poderá ele se habitar em qualquer arrolamento no qual venha a ter condições de ser herdeiro.

Notas da Autora:

25 - MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. O direito da personalidade no novo código civil e os elementos genéticos para identidade da pessoa humana. In Novo Código Civil: Questões Controvertidas. Série Grandes Temas de Direito Privado, vol. 1. São Paulo: Método, 2003, p. 66.
26 - Nestes tribunais também há decisões negando as alterações de nome e sexo para o transexual, em menor número.
27 - Veja em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94241.
28 - KLABIN, Aracy Augusta Leme. Aspectos Jurídicos do Transexualismo. In Revista da Faculdade de Direto da Universidade de São Paulo. V.90, 1995, p.219.
29 - VIERA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 307-308.

Extraído de Editora Magister/doutrina, 06.01.2010

AGENDA DO PRESIDENTE DO STF

Agenda do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para esta quinta-feira (25/02)





11h30 - Assina convênio entre o STF ea Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).
Local: Gabinete da Presidência



12h - Recebe o procurador-geral dos Estados Unidos, Erik Holder.
Local: Gabinete da Presidência



14h - Preside uma Sessão Plenária



21h - Participa de jantar oferecido por ocasião do 3 º Encontro Nacional do Judiciário.
Local: Hotel Tivoli Mofarrej (São Paulo - SP)

24 fevereiro 2010

FIM DE EXPEDIENTE

Reflexão depois do carnaval...


Via Tiras Nacionais

CNJ AFASTA ONZE MAGISTRADOS, SENDO DEZ DO TJ-MT E UM DO TJ-AM

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – TJMT


Receberam a pena máxima de aposentadoria compulsória a bem do serviço público, 10 magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) envolvidos em esquema de desvio de recursos superiores a R$ 1,4 milhão. A decisão do CNJ foi tomada por unanimidade, ontem (23/02), na sessão plenária, realizada em Brasília. Na mesma decisão foi determinado o encaminhamento do processo ao Ministério Público para abertura de ação objetivando a recuperação do dinheiro desviado do erário público. "Aqueles que tiveram participação ativa nesse esquema poderão até ter cassada a aposentadoria em processo de perda de cargo", explicou o ministro Ives Gandra Martins da Silva Filho, conselheiro-relator do Processo Administrativo Disciplinar (PDA 200910000019225).

QUEM SÃO OS MAGISTRADOS PUNIDOS

O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, os desembargadores José Ferreira Leite (ex-presidente) e José Tadeu Cury.

Os sete juízes envolvidos no mesmo esquema de desvio de recursos para a Loja Maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso são os seguintes: Marcelo Souza de Barros, Antônio Horácio da Silva Neto, Irênio Lima Fernandes, Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões.

O DELATOR TAMBÉM SERÁ INVESTIGADO

O ex-corregedor geral de Justiça, desembargador Orlando Perri, autor das denúncias, será investigado pela Corregedoria Nacional de Justiça. Por sugestão do ministro Ives Gandra, relator do processo, serão apuradas denúncias de que Perri teria agido motivado por perseguição política por não ter sido atendido em solicitação de empregar no Tribunal a namorada e a manter empregada a ex-companheira e ainda ter adulterados documentos com vistas a prejudicar os investigados, enquanto ele próprio teria sido beneficiado com recursos do esquema.

COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA DE DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS

Os magistrados receberam valores variados, chegando a mais de R$ 1,2 milhão para o então presidente do TJMT, José Ferreira Leite, a título de verbas atrasadas e de devoluções de Imposto de Renda, depositados diretamente na conta corrente dos magistrados, sem emissão de contracheques. "O que estamos discutindo é a dignidade, o decoro e a honra no exercício da magistratura", disse o ministro relator, que ressaltou terem os acusados "encontrado um modo de resolver os problemas da Loja Maçônica usando dinheiro do tribunal", concluiu.

Durante a apresentação do voto, o ministro Ives Gandra descreveu o funcionamento do esquema ocorrido na gestão do desembargador José Ferreira Leite (2003/2005), comprovado em depoimentos dos envolvidos. Eles receberam dinheiro do Tribunal, a título de pagamentos atrasados, que foram entregues à Loja Maçônica Grande Oriente, onde o desembargador era Grão-Mestre. Até mesmo o filho dele, o juiz Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, foi beneficiado. As três juízas, Juanita, Graciema e Maria Cristina, que participaram do esquema, segundo o ministro Ives Gandra, foram utilizadas como laranjas. Receberam dinheiro do Tribunal para repassarem à maçonaria.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAZONAS – TJAM

O ex-corregedor geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), desembargador Jovaldo dos Santos Aguiar, será aposentado compulsoriamente com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. A decisão unânime foi tomada também na sessão plenária de ontem (23/02). O relator do processo administrativo disciplinar (PAD 0003236-72.2009.2.00.0000), conselheiro Walter Nunes, levou mais de três horas lendo o voto de 113 páginas, que determinou a pena máxima administrativa ao ex-corregedor. No voto, o relator enumerou diversos atos de irregularidades praticados pelo juiz no exercício de sua função.

AS IMPUTAÇÕES – CORRUPÇÃO E DESÍDIA FUNCIONAL

O desembargador do TJAM foi acusado de negociação de sentenças, corrupção e imparcialidade nas suas decisões. Além disso, Jovaldo dos Santos Aguiar foi acusado de desídia na função de Corregedor de Justiça. Foi verificada a paralisação de 31 processos quando o magistrado exercia essa função.O desembargador já estava afastado de suas funções desde maio do ano passado por decisão do Conselho e recomendação do corregedor nacional de justiça, ministro Gilson Dipp, após inspeção realizada no estado em fevereiro de 2008.

O voto do conselheiro relator enumera com detalhes os atos de irregulares praticados pelo magistrado nas funções de corregedor e desembargador do TJAM. "O comportamento do acusado nos processos envolvendo os interesses de Djalma Castelo Branco e do Grupo Fama e Buriti Industrial S/A denotam, claramente, que havia corrupção", diz o voto. Outras empresas citadas na decisão são a Arrais Serviços e Comércio Ltda. e o Condomínio Amazônia Shopping Center. O empresário e advogado José Kleber Arraes Bandeira afirma ter pago propina ao magistrado e ter sido enganado. Apesar do pagamento, a decisão do desembargador teria sido desfavorável à empresa de Kleber Arraes e, por isso, ele decidiu denunciá-lo.

Na conclusão, o conselheiro Walter Nunes acolheu 14 acusações feitas ao desembargador e aplicou a pena de aposentadoria compulsória. "Em razão da gravidade dos fatos e da demonstração de comportamento incompatível com o exercício da magistratura", afirmou.

ADVOGADOS ENVOLVIDOS DEVERÃO SER INVESTIGADOS

A decisão do CNJ será encaminhada à Ordem dos Advogados do Brasil, para apuração de irregularidades praticadas por advogados citados no processo, ao Ministério Público e à Procuradoria do Estado do Amazonas.

Com informações do CNJ

REGISTRO CIVIL- DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO NOME E SEXO DO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL

Parte 2/4


Aline Dias de França

Advogada; Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestranda na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDFAM.


3. O TRANSEXUALISMO

3.1 AS MULTIPLAS FACES DA SEXUALIDADE HUMANA

Do ponto de vista da ciência médica imprecisa é a classificação dicotômica do sexo do ser humano, já que a análise da sexualidade humana somente do ponto de vista biológico não representa a realidade deste aspecto da condição humana. Tal como a natureza humana, a sexualidade é complexa e múltipla, variável de pessoa para pessoa, e cada qual tem sua dinâmica e forma de exteriorização própria e única.

Uma melhor compreensão da sexualidade humana deve ser holística e abranger seus três componentes: o biológico, psicológico e sexual, inter-relacionadas e inseparáveis. E esta premissa está presente em todas as teorias médicas, psiquiátricas, psicanalíticas e sociais sobre a sexualidade humana que surgiram com o debate sobre a transexualidade após a realização, em 1954, da primeira intervenção médico-terapêutica tornada pública: a cirurgia do ex-soldado do exército americano George Jorgensen realizada por Christian Hamburger, em 1952, na Dinamarca 8.

De acordo com os estudos desenvolvidos por Harry Benjamin, endocrinologista alemão, radicado nos Estados Unidos da América; John Money, psicólogo, professor do Hospital Universitário John Hopkins, primeira clínica americana a tratar transexuais 9 e Roberto Stoller, psicanalista e psiquiatra americano no qual se baseou a teoria apresentada por Ronaldo Pamplona da Costa, médico e psiquiatra brasileiro, a identidade sexual pode ser dividida em três aspectos: identidade genital, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, daí resultando a existência de múltiplos e não apenas dois sexos.

Para a Professora de Biologia Molecular da Universidade de Brown Anne Fausto-Sterling cinco são os sexos e para o Professor de Sexualidade e médico brasileiro Ronaldo Pamplona da Costa eles são onze sexos 10. O fato é que o consenso é que não são apenas dois e podem ser infinitos já que, como bem consigna o professor brasileiro, "não é possível dizer que a espécie humana é formada de seres com "apenas 11" sexos" já que "somos ao mesmo tempo semelhantes e diferentes de todos os demais, em nossa individualidade" e "tudo é muito pouco para explicar o ser humano" 11.

A despeito de não ser um consenso, julgamos que a apresentação da teoria do Professor Ronaldo Pamplona da Costa sobre a sexualidade humana nos permitirá compreender a transexualidade e diferenciá-la das demais condições da sexualidade humana, o que fornecerá ao leitor uma visão mais ampla da questão e lhe permitirá diferenciar condições semelhantes.

Sob este prisma, e considerando a identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, uma pessoa pode ser heterossexual, homossexual, bissexual, travesti ou transexual; e da combinação destes aspectos com a identidade genital resultam os onze sexos, o que nos permite constatar que o sexo jurídico (feminino e masculino) atribuído no momento do nascimento pode não correspondente ao sexo de fato da pessoa.

Logo, uma pessoa pode ser homem heterossexual e este é aquele que tem sexo biológico, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual masculina, ou seja, tem corpo de macho, sente-se homem e deseja e se relaciona com mulher; e mutatis mutandis. mulher heterossexual que é aquela que tem corpo de fêmea (sexo biológico), sente-se mulher (identidade de gênero), deseja e relaciona-se com homem (orientação afetivo-sexual.

Uma pessoa pode ser ainda homossexual e se homem ou mulher se diferenciará de um heterossexual pela orientação sexual e relacionamento, já que desejam e relacionam-se com pessoas do mesmo sexo.

Já a bissexualidade apresenta-se quando a orientação afetivo-sexual é dupla, e o objeto do amor e do desejo é variável, naturalmente, durante toda a vida. Uma mulher bissexual nasce biologicamente normal, reconhece e aceita seu órgão sexual feminino e comporta-se como mulher mas deseja e se relaciona afetivo-sexualmente ora homem, ora como mulher, condição semelhante a de um homem bissexual.

A heterossexualidade, homossexualidade e a bissexualidade são categorias da orientação sexual humana e as principais organizações mundiais de saúde não mais consideram a homossexualidade uma doença. Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como tal pela Associação Americana de Psiquiatria e, na mesma época, foi retirada do Código Internacional de Doenças (sigla CID). A Assembléia-geral da Organização Mundial de Saúde (sigla OMS), no dia 17 de Maio de 1990, ao retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, declarou que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão", orientação seguida no Brasil pelos Conselhos Federal de Medicina e de Psicologia. 12

Já travestismo e a transexualidade são condições de identidade e são considerados transtornos de identidade sexual, ambos catalogados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no Código Internacional de Doenças.

Ensina Ronaldo Pamplona da Costa, que o travesti é um "hermafrodita mental" 13 já que estas pessoas nascem com um corpo normal, quer feminino, quer masculino mas sentem necessidade de assumir um comportamento de gênero oposto ao seu sexo biológico, que não rejeitam ou desejam modificar. Os homens travestis nascem machos e são educados como meninos, mas que têm uma identidade de gênero diferente da maioria, já que junto com a personalidade masculina, desenvolvida pelo reconhecimento do corpo de homem, sentem-se também femininas. O travesti masculino sente-se, ao mesmo tempo, homem e mulher. Ele sabe que é homem e não deseja eliminar seu órgão sexual masculino, no entanto, por vezes modifica seu corpo para acrescentar caracteres femininos secundários como seios. O travesti não é um homem homossexual e prefere, quase sempre, se relacionar com homens heterossexuais. Veste-se de mulher, e quando o fazem de maneira caricaturada e bem-humorada são designados drag queens. Mas, nem todo homem que se veste de mulher é um travesti e não podemos nos esquecer que esta prática em nossos pais é muito comum no Carnaval e muitos são fazem dela uma profissão.

Já as mulheres travestis, uma minoria pouco expressiva, sabem que são mulheres e se sentem "quase homens". Tal como os homens travestis, não rejeitam seu sexo biológico e ele faz parte de sua vida e relacionamentos amorosos, mas sua forma de viver sua sexualidade a leva a acrescentar caracteres masculinos secundários, como a barba (adquirida com o uso de hormônios), a musculatura e a voz grave e se comportarem como homens no seu dia-a-dia.

Os transexuais masculinos nascem macho, mas desenvolvem uma identidade de gênero feminina e se sentem mulher, rejeitando sua genitália, escondendo-a. No conflito entre seu corpo e sua identidade sexual não buscam prazer em seus órgãos sexuais, como os travestis, não o tocam e não permitem ser tocados nesta região e após a cirurgia, quando sentem-se completos, não terão prazer sexual genital e sim corporal ou psíquico. Eles não sentem qualquer prazer erótico em vestir-se de mulher, como os travestis, para eles as roupas apenas o fazem mais mulher.

Os transexuais masculinos são divididos em dois grupos: primários e secundários. Os primários desenvolvem a identidade de gênero feminina na infância, por volta de dois anos e meio e desde então se comportam e sentem-se mulheres e esta sensação os acompanha em todas as fases de seu desenvolvimento, o que os levam a procurar tratamento no início da juventude e diferenciá-los apenas pela aparência, gestos ou comportamento de uma mulher é quase impossível.

Já o transexual masculino secundário, apesar de desenvolver sua identidade de gênero feminina na primeira infância, comporta-se de modo masculino, por pressão familiar e social. Ele só vai manifestar sua identidade na fase adulta quando não conseguirá mais conter sua natureza interna e deixará de imitar o comportamento masculino.

Muito pouco estudadas e quase desconhecidas, as transexuais femininas seguem a mesma trajetória dos masculinos, mas quer porque a cirurgia de transgenitalização no caso delas é insatisfatória e ainda considerada experimental pela Medicina, quer pela pouca visibilidade e grande incompreensão de sua condição, afirma Ronaldo Pamplona da Costa, "é possível que elas estejam em nosso meio vivendo como mulheres heterossexuais conflituosas, solteironas, religiosas, travestis ou lésbicas mal-resolvidas".14

Quer masculino, quer feminimo, o transexual ao se submeter à cirurgia de transgenitalização sente que resolveu seu conflito interior: agora tem o corpo biológico correspondente a sua identidade sexual, mas sua identidade "registraria", os seus documentos, perpetuam o conflito que sua condição lhes traz diante da ausência de norma sobre a questão e da divergência jurisprudencial sobre o tema, afinal exibir documentos com nome e sexo consoante a sua personalidade é o que lhes trará enfim estabilidade psicológica e lhes permitirá o exercício pleno da cidadania.

Ser conhecido e identificado como ele realmente é, é o que almeja o transexual e seu direito funda-se para Tereza Rodrigues Vieira no direito à identidade pessoal, integrante dos direitos da personalidade conforme classificação de Rubens Limongi França 15. Além disso, consigna a eminente professora da Universidade Paranaense que o direito à saúde é "o elemento incentivador primordial dos interesses do transexual em ver reconhecido seu direito à adequação de sexo e o seu direito à adequação do prenome". 16

Melhor sorte parece ter os hermafroditas ou intersexos que nascem com o órgão genital dúbio, em que os dois sexos estão fundidos e por isso são ao mesmo tempo macho e fêmea, já que há não se tem sido negado ou discutido a alteração de seu registro de nascimento e diante de uma perícia médica conclusiva a Justiça tem julgado procedentes são as alterações no registro por eles pleiteadas.

3.2 O INTERSEXUALISMO

A intersexualidade ou anomalia da identificação sexual não é apenas um defeito na genitália, condição congênita relativamente comum que se apresenta na forma de ausência de bolsa escrotal ou testículos, pênis reduzido, etc em meninos; canal de uretra fora de lugar, útero atrofiado, clitóris anormal, etc nas meninas.

Um indivíduo que apresenta um estado intersexual permanece no meio do caminho entre o sexo feminino e masculino. Não se trata de um estado patológico, mas sim uma condição que dificulta a determinação e a diferenciação do sexo da pessoa, já que ele apresenta características e órgãos sexuais de ambos os sexos, podendo ser um mais preponderante um do que outro ou coexistirem ambos.

Para a identificação do sexo biológico, três aspectos são considerados: o genético (tipos de cromossomos), gonodal-hormonal (presença de gônadas e hormônios) e o fenótipo (características e comportamentos). E uma anomalia de diferenciação sexual "é a situação em que não há acordo entre os vários sexos do indivíduo, ou seja, o sexo genético, retratado pela sua constituição cariotípica 46, XX ou 46, XY, o sexo gonadal/hormonal, e o sexo fenotípico. Desta forma, poderemos ter casos com e sem ambigüidade genital" 17.

É durante a gestação que pode ocorrer uma falha que causará uma anomalia na identidade sexual biológica da pessoa e conforme esta seja genética, gonodal ou fenotípica classificar-se-á o tipo de intersexualidade presente, formando-se assim três grupos 18.

No primeiro grupo, o defeito é a aberração cromossômica, nem sempre seguida de alteração nas gônadas. Aqui temos três anomalias: a Síndrome de Turner, a Síndrome de Klinefelter e o hermafroditismo verdadeiro com alteração cromossômica. Na primeira o indivíduo tem o fenótipo feminino (parece mulher), cromossomos XO (ausência de um cromossomo X) e apresenta alguma anormalidade gonodal; na segunda tem fenótipo feminino, vários cromossomos X, mas só um em atividade e na última apresenta aberração cromossômica e gônadas masculinas e femininas, podendo ter tecido ovariano e testicular ou um ovário e um testículo, um de cada lado.

No segundo grupo, a pessoa tem o sexo genético normal, ou seja, é XX ou XY, mas em sua formação houve uma falha no momento da formação e diferenciação das gônadas e nele temos: a) hermafroditismo verdadeiro sem alteração cromossômica: o portador tem sexo genético normal (se homem 46 XY e se mulher 46 XX) e a presença de gônadas femininas e masculinas; b) Síndrome do homem: a pessoa tem sexo genético feminino (XX), mas fenotípico e gônadas masculinas e c) Disgenia gonadal pura: o indivíduo tem sexo genético masculino (XY), testículos em forma de fita e não produzem testosterona.

No terceiro grupo estão as pessoas que tem sexo genético e gonadal normal equivalentes, mas apresentam alterações genitais devido à falha ou defeito de hormônios e enzimas que atuaram na formação dos condutos genitais internos e na estrutura dos tecidos genitais externos. Neste grupo temos os pseudos hermafroditas feminino e masculino, o primeiro com genitália masculinizada e o segundo feminilizada e ambos com falhas na produção dos hormônios femininos e masculinos. Aqui temos ainda os que apresentam falhas no desenvolvimento de ductos Wollf e Muller, estruturas embrionárias responsáveis pela formação da genitália interior masculina e feminina, respectivamento e que apresentam as chamadas Sindrome de Rokitanshy-Kuster-Hauser ou a conhecida fribrose sistica ou muscovisidade.

A classificação acima apresentada não esgota as possibilidades de estados intersexuais que podem resultar também de agentes externos como a radioatividade e cujo estudo médico sobre o tema não é definitivo.

Todavia, essas condições dificultam a identificação do sexo biológico do indivíduo e apresenta reflexos no assento de seu nascimento já que no momento do parto, o médico declara o sexo de acordo com a aparência da genitália do bebê e ainda que perceba uma diferença, se preponderantes são as características masculinas, na declaração afirmará ser masculino o sexo da criança, e vice-versa.

É no desenrolar do desenvolvimento do indivíduo, sobretudo na puberdade, que o problema da identidade surge e após tratamento médico, o indivíduo busca a alteração de seu nome e sexo, o que nos parece 19, obtém facilmente com base em um laudo médico conclusivo, sendo-lhe garantida a alteração, e não averbação, do nome e sexo afim de não estigmatizá-lo, já que tal fato não traz prejuízo a terceiros, neste sentido:

REGISTRO CIVIL – RETIFICAÇÃO – ALTERAÇÃO DE SEXO DECORRENTE DE ATO CIRURGICO. Admite-se a retificação do registro civil para a mudança, de sexo apenas quando tenha havido engano no ato resgistral, ou após exames periciais e intervenções cirúrgicas para a determinação do sexo correto (ADCOAS 131110).

REGISTRO CIVIL – Assento de nascimento – Retificação – Mudança de sexo – Admissibilidade apenas quando tenha havido engano no ato registral ou após exames periciais e intervenções cirúrgicas para determinação do sexo correto – Inviabilidade quando há troca de sexo decorrente de ato cirúrgico, com ablação de órgão para constituição de sexo oposto aparente (RT 662/149).

Todavia o protocolo médico, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é evitar o registro do recém-nascido até que uma equipe multidisciplinar emita um parecer sobre o sexo do bebê portador de qualquer anomalia de diferenciação sexual (ADS) nos casos de "clara ambigüidade genital" e submeter à criança ao tratamento hormonal e cirúrgico até os dois anos, já após essa idade ela já começa adquirir uma identidade de gênero (aspecto psicológico da sexualidade) 20.

O fato de uma criança permanecer sem registro, como sabemos a impede de ter garantido alguns de seus direitos civis e políticos, especialmente tratamento de saúde e nos parece pouco provável que seja permitido um assento de nascimento civil sem indicação do sexo do bebê. Por isso, alguns médicos, aconselham a família a efetuar o registro do nascimento escolhendo para a criança um nome unissex ou que tenha feminino e masculino, como Silvio e Silvia, por exemplo.

No entanto, como vimos a sexualidade humana envolve outros fatores além do biológico e não são raros os casos de portadores de ADS (anomalia de diferenciação sexual) terem sido "conduzidos" para um sexo e na puberdade manifestarem o oposto. E neste caso, o judiciário pode vir a enfrentar uma situação muito semelhante à de um transexual, pois pode o indivíduo ter sido submetido a tratamentos e cirurgias que os deram o aspecto do sexo feminino, por exemplo, e na adolescente ele demonstrar identidade de gênero e desempenhar a orientação sexual masculina.

3.3 O TRANSEXUALISMO

Partindo do princípio que o transexual "é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou auto-extermínio", o Conselho Federal de Medicina do Brasil através da Resolução nº 1.482 de 6 de novembro de 2002 21, legalizou a cirurgia de transgenitalismo no país e obrigou o Judiciário a rever sua posição sobre o tema, que até então era de negar a alteração do nome e sexo.

A prática assistencial aos transexuais no Brasil, seguindo uma tendência mundial, está condicionada a um diagnóstico psiquiátrico, que permite a realização do tratamento e conseqüente cirurgia já que para as principais organizações médicas internacionais, entre elas a Organização Mundial de Saúde, o transexualismo é um estado psicológico no qual a identidade de gênero está em desacordo com o sexo biológico.

A Comissão Européia dos Direitos dos Homens, como informa Maria Helena Diniz "considera esta intervenção cirúrgica com uma conversão curativa que permite a integração pessoal e social do paciente ao sexo pretendido, logo, entende que não há mutilação, pois visa à redução ou a cura de sofrimento mental, julgando que não há nem mesmo perda de função, porque o órgão extirpado era inútil para o transexual." 22

Para se submeter à cirurgia um transexual passa por uma avaliação multidisciplinar com médicos psiquiatras e cirurgião, psicólogo e assistente social e deve apresentar no mínimo as seguintes condições: desconforto com o sexo anatômico natural; desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; permanência desses distúrbios de forma continua e consistente por no mínimo dois anos e ausência de outros transtornos mentais.

Constatado o diagnóstico de transexualismo, o candidato a cirurgia deve ainda ter mais de 21 (vinte e um) anos e apresentar condições físicas apropriadas à cirurgia. O tratamento se inicia com aplicação de hormônios do sexo correspondente ao fenótipo a ser definido e durante todo o tratamento o paciente é submetido ao acompanhamento psicoterápico até a realização da cirurgia e eventuais procedimentos complementares, quando então o transexual passa a apresentar o fenótipo correspondente à sua identidade de gênero, sem apresentar órgãos reprodutores do sexo biológico original, logo, sem capacidade reprodutiva.

Em nossos país a cirurgia de mudança de sexo, inicialmente permitida apenas nos hospitais universitários ou públicos adequadas à pesquisa e hoje também realizada em hospitais particulares no caso de adequação do fenótipo masculino para feminino, está incluída na lista de procedimentos cobertas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), sendo, em alguns casos incluída na prestação assistencial a jurídica que promove ação para alteração de nome e sexo no assento civil, razão pela qual mais freqüentes hoje são as lides envolvendo o tema.

Na ausência de norma, principalmente os TJRS, TJSP e TJRJ, unidades da federação onde a realização do tratamento e cirurgia são mais comuns em razão do pioneirismo de suas universidades estaduais e federais, tem enfrentando a questão e concedido com mais freqüência a alteração do nome com a adoção de fundamentos comuns. Mas polêmica persiste quanto a alteração do sexo, em razão das repercussões que tal fato podem trazer ao mundo do Direito, especialmente no ramo do Direito de Família especificamente quanto ao casamento, filiação e adoção. E essas questões permeiam a análise do tema e perturbam juízes, promotores, desembargadores e advogados que enfrentarem a questão.

Há uma clara tendência mundial de maior aceitação dos direitos do transexual e a Suécia (1972), Alemanha (1980), Holanda (1985), Itália (1982), Espanha (2007) e México (2008) têm legislação que permitem não só a alteração do prenome mas também do sexo do transexual, bem como alguns estados do Canadá e Estados Unidos.

Atendendo o pleito dos transexuais, os juízes franceses, na ausência de norma específica, têm entendido que o não acolhimento do pedido de adequação de sexo e prenome viola o artigo 8º da Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, inspirado no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que "toda pessoa tem direito ao respeito à vida privada e familiar, de seu domicílio e da sua correspondência" 23.

Na Grã-Bretanha o pleito de dois transexuais masculinos foi parar na Corte Européia de Direitos Humanos que em julho de 2002 as garantiu a condição de mulheres, afirmando não que tal alteração não traz prejuízos aos interesses públicos e referidas decisões tem servido de leading case para situações análogas naqueles país.

No mesmo sentido a Comissão Européia já se manifestou em recursos apresentados por franceses, alemães e belgas.

Encontramos também favorável jurisprudência na Suíça, Portugal, Argentina e Peru à alteração de nome e sexo do transexual, fundadas no direito à saúde ou liberdade.

Na Dinamarca é atribuição do Ministério da Justiça o reconhecimento deste tipo de pedido e na África do Sul do Ministro do Interior, solução semelhante à da Áustria, onde é cargo do arbítrio administrativo a solução do pleito de alteração de nome e sexo do transexual. 24

Notas da Autora:

8 - ARÁN, Marcia; MURTA, Daniela e LIONÇO, Tatiana. Transexualidade e Saúde Pública no Brasil. In Revista Ciência & Saúde Coletiva, artigo 0807/2007.
9 - KLABIN, Aracy Augusta Leme. Aspectos Jurídicos do Transexualismo. In Revista da Faculdade de Direto da Universidade de São Paulo. V.90, 1995, p.211.
10 - SANCHEZ, Fábio. O terceiro sexo. Revista Supertinteressante. Disponível em http://www.superinteressante.com.br/superarquivo, acesso em 01 de outubro de 2009.
11 - COSTA, Ronaldo Pamplona. Os 11 Sexos. São Paulo: Editora Gente, 1994, p.205.
12 - Fonte :Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
13 - COSTA, Ronaldo Pamplona. Os 11 Sexos. São Paulo: Editora Gente, 1994, p.138.
14 - COSTA, Ronaldo Pamplona. Os 11 Sexos. São Paulo: Editora Gente, 1994, p.175.
15 - VIERA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 227.
16 - Idem, p. 229.
17 - DAMIANI, Durval e GUERRA JUNIOR, GIL. As novas definições e classificações dos estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui para o estado da arte? In Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabolismo. vol.51, nº 6. São Paulo: Agosto de 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302007000600018.
18 - Classificação obtida em: BARROS, Inaja Guedes. Intersexualidade - retificação de registro civil - quesitos da curadoria de família. In Justitia. São Paulo. v.52. n.150. abr./jun. 1990, p. 14/15.
19 - Afirmamos que tal nos parece com base na pouca jurisprudência sobre o tema ser favorável à alteração e pela informação trazida pelo promotor de justiça em São Paulo, Inajá Guedes Barros, no artigo:Intersexualidade - retificacao de registro civil - quesitos da curadoria de família. In Justitia. São Paulo. v.52. n.150. abr./jun. 1990, p.12-20.
20 - Vide: DAMIANI, Durval e GUERRA JUNIOR, GIL. As novas definições e classificações dos estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui para o estado da arte? In Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabolismo. vol.51, nº 6. São Paulo: Agosto de 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302007000600018 e Resolução 1664/2003 do Conselho Federal de Medicina, disponível em http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=PesquisaLegislacao&dif=s&ficha=1&id=3123&tipo=RESOLU%C7%C3O&orgao=Conselho%20Federal%20de%20Medicina&numero=1664&situacao=VIGENTE&data=12-05-2003#anc_integra.
21 - Disponível em www.cremesp.org.br/library/modulos/legistlacao/versao_impressao.php?id=3114& =integra.
22 - DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. 2. ed / aumentada e, ainda, atualizada conforme o novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002). São Paulo: Saraiva, 2001, p. 55.
23 - VIERA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. SP: Ed. RT, 2008, p. 236.
24 - Idem, p. 237-240.

Extraído de Editora Magister/doutrina, 06.10.2010

AGENDA DO STF

Agenda do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para esta quarta-feira (24/02)





14h - Preside a sessão plenária


19h - Recebe a procuradora-geral de Justiça do Maranhão, Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro.
Local: Gabinete da Presidência

23 fevereiro 2010

CONTO RUSSO

KÓSTIA


Arcádio Averchenko
Arcádio Avertchenko (1881-1924) foi um grande humorista e satírico russo. Seu jornal O satírico teve grande repercussão em seu país. Foi cognominado "rei do humorismo russo". (wikipédia).

I
Os outros garotos não gostavam do pequeno Kóstia, que era mole, tinha o rosto transparente e usava sempre seus cachos castanhos despenteados… Não, não gostavam dele.

Por quê?

Certamente devido à mesma causa por que os maiores não gostam dos menores semelhantes a Kóstia, pensativo e de olhos claros. Um e outro grupo se diferenciam apenas pela idade; contudo, a antipatia subsiste…

Quase todos os meninos repeliam igualmente Kóstia; quando se aproximava de um grupo de meninos e meninas, um grito uníssono era ouvido:

– Rua, fora! Saia daqui, não gostamos de ti!

Depois de permanecer um instante junto deles, suspirava e experimentava puxar conversa,começando de modo suave e indeciso:

– Nosso porteiro estava no patamar, fazendo um buraquinho para plantar uma árvore, e a enxada bateu contra uma coisa dura. Olharam, e eram ossos, uma caveira e uma caixinha de ferro… Abriram-na, e nela…

– Some-te, não nos interessa sabê-lo… sempre estás querendo misturar-te conosco!…

De novo suspirava submissamente, retirava-se a um lado e, assentando-se em um banco do parque onde batesse o sol, ensimesmava-se…

Um senhor ocioso, que estava ao seu lado, comovido pelo seu aspecto melancólico, deixou cair a pesada mão sobre a sua cabeça, quebradiça como casca de ovo, e perguntou-lhe amavelmente:

– Como te chamas, menino?

– Jim…

– Ora, vamos! Acaso não és russo?

– Não, inglês, sir.

– Vamos, vamos! E como falas tão bem o russo?

– É que fugimos de Londres quando eu era ainda muito pequeno.

– Fugiste? Que dizes? Quem te obrigou a fugir?

Os olhos pensativos do menino elevaram-se para o céu. Acompanhavam a passagem das nuvens que flutuavam a imensurável altura.

– Oh! É uma história difícil, sir; o caso é que meu pai matou um homem…

O senhor começou a inquietar-se e afastou-se uns quantos centímetros do melancólico menino, que falava em tom simples de coisas horrorosas.

– Matou um homem? E por quê?

– O senhor sabe o que é a City, sir?

– Sei muito bem! E que aconteceu?

– Na City havia um Banco, que existe ainda, e se chama… “Deutsche Bank”… Meu pai era empregado lá, e depois, graças à sua honorabilidade, foi nomeado tesoureiro. Uma noite, quando ia pôr em ordem algumas contas atrapalhadas, viu uma figura que, às furtadelas, deslizava pelo corredor em direção aos subterrâneos onde era guardado o ouro… Meu pai escondeu-se, disposto a segui-lo. E quem julga o senhor que era aquele homem? O diretor do Banco! Este desceu ao sótão, encheu a carteira de ouro e notas e, quando saiu, como uma flecha, zás, meu pai agarrou-o pelo pescoço e apertou-lhe a garganta. Papai compreendeu que, se o outro conseguisse escapar, toda a culpa recairia sobre ele… O desespero deu-lhe forças. Engalfinharam-se numa luta feroz e conseguiu asfixiar o canalha… Chegou a casa naquela mesma noite, tomou-me nos braços, atravessamos o Tamisa num barquinho, e viemos para a Rússia…

– Pobre cabecinha! — disse o senhor com alguma pena, dando-lhe palmadinhas no ombro. – E onde está tua mãe?

– Morreu queimada, sir.

– Como morreu queimada?

– Uma vez, os garotos de Londres embeberam de petróleo uma ratazana e atearam-lhe fogo; naquele momento, passava minha mãe pela rua, com as compras que tinha feito; a ratazana, que estava ardendo, meteu-se debaixo do abrigo de minha mãe e, ao cabo de um minuto, ela parecia uma tocha…

O menino abateu tristemente a cabeça, sem dizer mais nada; faltou pouco ao compassivo senhor para se ter desfeito em lágrimas, profundamente afetado: como tanta desgraça podia ter caído sobre o pobre orfãozinho!

– Coitadinho! Vem, vou acompanhar-te até a tua casa; não vá acontecer-te alguma coisa…

Jim sorria docemente.

– Oh, não, sir; não me vai acontecer nada! Está vendo este talismã? Protege-me de tudo e contra todos!

A criatura tirou do bolso um apito e mostrou-o confiante ao seu interlocutor.

– Que talismã é esse?

– Deu-mo na Criméia uma velha tártara. Recordo quando estávamos trepados num altíssimo penhasco, junto do mar. E que aconteceu? Quando o tive em minhas mãos, deslizou a pedra debaixo dos seus pés e… pum! Ela e a pedra ao mar…

– Milagre, um verdadeiro milagre! De modo que é esta a casa onde moras? Bem; adeus, Jim; que sejas feliz, meu bom menino!

Jim subiu alegremente as escadas e o senhor acompanhou com a vista o admirável menino.

Permaneceu abstrato tanto tempo, que a porteira, com as fraldas apanhadas, aproximou-se, interrogando-o:

– Por quem procura o senhor?

– Por ninguém, não senhora… Diga-me… Quem é este garoto que acaba de entrar?

– É Kóstia, o filho dos Cherepitsin. Por que o pergunta?

– Como? Então não é inglês?

– Valha-me Deus, meu senhor. É um garoto, e nada mais… Certamente lhe mentiu, não é? Sua mãe faz todo o possível por curá-lo desse defeito; mas qual! Não o consegue…

– Ele tem mãe? É viva?

– É viva, sim senhor! Mas, pelo visto, vai acabar com ela se continuar com suas mentiras; já vê o senhor. Que menino mais embusteiro! É surpreendente! Já o conhecem em toda a rua, louvado seja Deus!

II

Após um tinido prolongado da campainha, abriu-lhe a porta a empregada Uliacha.

– Onde estiveste, Kóstia, até estas horas?

– Distraí-me na rua; um automóvel acaba de atropelar nosso porteiro. Vê se tenho sangue nas botas…

– Como,como? Atropelaram Estêvão? Mataram-no?

– Sim… Foi o seguinte. Os cavalos desenfrearam; ia uma senhora muito linda no carro… e Estêvão meteu-se na frente para segurar os animais pelas rédeas…

– Por que você é tão mentiroso, Kóstia? Primeiro, um automóvel, agora, um cavalo… Sempre inventa bobagens.

– Não, não é bobagem; essa condessa disse que quando ficar boa se casará com ele.

– Está bem, está bem; chega de embustes. A comida já esfriou; sua mãe saiu e a vovó o espera.

Balançando-se sobre suas pernas esguias, Kóstia fez um muxoxo misterioso e dirigiu-se à sala de jantar.

– Por que vens tão tarde? – disse-lhe a avozinha, indo ao seu encontro. – Onde estiveste metido?

– Há uma hora tenho estado perto da nossa porta; mas tive que voltar. Uma história muito interessante…

– Que foi?

– A senhora verá. Acabava de chegar em frente à nossa porta, olhei e… dois sujeitos estavam fazendo não sei o que em nossa fechadura; um dizia: “A cera está muito dura, não sai o molde”, e o outro, que era mais baixinho, respondeu: “Aperta, aperta, que sairá!”

– Kóstia! – gritava a avozinha –, não mintas, menino! Outra vez, criatura, outra vez!…

– Está bem, se acha que são mentiras… – disse sorrindo sarcasticamente –; mas deixe que entrem dentro de casa e nos carreguem tudo e nos cortem o pescoço…; e então verás se são mentiras ou verdades!… Que me importa? Minha obrigação é dizer o que vi…

A avó desesperava-se:

– Kóstia, estás mentindo! Leio em teus olhos que acabas de inventar essa história…

– Inventar, eu? – disse Kóstia lentamente, dando às suas palavras um tom sibilado, que fazia crispar os nervos – E se eu lhe mostrar o pedaço de cera, dirá também que é inventado por mim?

– E como o tens em teu poder?

– Pois muito simplesmente; eles subiram num carro; montei na traseira e,quando chegamos ao subúrbio, passei correndo perto do homem mais baixinho, dei-lhe um empurrão e tirei-lhe a cera do bolso. Aqui está ela!…

Puxou pela segunda vez aquele apito que tinha mostrado no jardim e mostrou-o de longe à avozinha, que já tinha a vista bem curta…

A dúvida destroçava o coração desta: “Está visto que mente; mas… e se por acaso é verdade o que ele diz? Costuma dar-se casos em que tiram moldes das fechaduras, entram nas casas e estrangulam uma família… Precisamente ontem li um caso idêntico num jornal… É preciso dizer a Uliacha que corra o ferrolho da porta!…

– Chama Uliacha!

Kóstia obedeceu e foi correndo à ante-sala, onde gritou estridentemente a Uliacha, que falava com alguém pelo telefone:

– Uliacha! Esqueceu-se outra vez de fechar a torneira da cozinha! E está toda cheia de água, e os cachorros já estão saindo pela janela!…

Uliacha solta imediatamente o fone, que bate estrepitosamente contra a parede, corre a toda pressa à cozinha, tropeçando e derrubando os móveis que encontra à sua passagem…

Ao cabo de um minuto, desenrola-se uma cena horrível.

– Kóstia! Mentiu outra vez! Já não posso agüentar mais, não quero continuar servindo nesta casa…; vou-me embora…

– Pareceu-me que a água estava correndo – dizia Kóstia, justificando-se timidamente, enquanto olhava com olhos súplices a enfurecida rapariga – Pensei que…

Só Deus sabe o que era este doce e inofensivo menino. Talvez lhe tenha parecido realmente que dois senhores que estavam fumando calmamente na calçada de sua casa tentassem de fato tirar o molde em cera da fechadura.

III

De noite, estava Kóstia no escritório de seu pai, junto à escrivaninha, e com os olhos muito abertos fitava as mãos do seu progenitor, que moviam e removiam rapidamente uns papéis.

– Onde estiveste hoje, Kóstia?

– No parque.

– E que viste de bom por lá?

– Vi a mãe de Lidochka Priaguina.

– Que estás dizendo, menino? A mãe de Lidochka morreu…

– Pois é isso justamente o assombroso; estava sentado num banco e, de súbito, por debaixo das árvores, começou a surgir e aproximar-se algo assim como uma espessa nuvem cinzenta… mais perto, mais perto. Olho e… era a mãe de Lidochka! Estava tão triste… Aproximou-se rapidamente de mim, colocou a mão em minha cabeça, ameaçou-me com um dedo… e foi embora, sem dizer-me uma palavra…

– Sim, sim!… – exclamou o pai, olhando seu filho com semblante risonho. – Acontece às vezes cada coisa!

– Que papel é este, papai? – perguntou Kóstia, olhando por cima do ombro do seu progenitor. – Tem uma pistola desenhada…

– Isso? A conta de uma casa de armas; comprei um revólver para nosso Banco.

– Um revólver?

– Sim, para o caixa.

– Um revólver?

Kóstia, com os olhos muito abertos, olhava fixamente o rosto sorridente de seu pai. Já tinha voado muito longe, sua imaginação… pelo seu rosto perpassavam sombras de pensamentos.

Estremeceu, levantou-se de um salto e a passinhos miúdos, foi saindo do gabinete. Como um tufão, atravessou as duas salas e, como um tufão, com os cabelos desgrenhados, entrou na saleta de sua mãe, que trabalhava pacificamente junto à mesa.

– Mamãe, papai está passando mal!

– Que foi? Que foi?

– Ao entrar em seu gabinete, vi-o tombado no tapete, junto à mesa, e ao seu lado um revólver… Na testa, uma pequena mancha e, na sala, há um cheiro algo estranho…

Um grito selvagem, espantoso…

 – Que hei de fazer com este menino? – dizia a mãe, chorando e fitando, quase com ódio, Kóstia, que, assustado, tímido como um passarinho durante um mau tempo, estreitava-se contra o ombro forte do pai. – Com suas mentiras e invencionices, este garoto fará com que todos nós enlouqueçamos. A empregada não pode nem vê-lo e os outros meninos escorraçam-no como a um cão tinhoso… É uma criança que dá pena. Imagina o que será quando crescer!…

– Infelizmente o imagino. – disse a meia voz o pai, estreitando contra seu ombro a cabecinha encacheada de seu defeituoso filhinho. – Crescerá e todo mundo se afastará dele, como agora; não o compreenderão e… zombarão dele.

– E que será dele quando for maior?

– Querida – disse tristemente o pai, movendo a cabeça, que já tinha começado a encanecer –, será poeta…

*Primores do conto universal. Contos russos. Seleção e organização Jacob Penteado. São Paulo: Edigraf. s/d. (p. 267-274).

Extraído de Kingston