Translate

22 fevereiro 2010

A PERSPECTIVA APRESENTADA POR BOBBIO ACERCA DO GARANTISMO



Sídio Rosa de Mesquita Júnior
Professor e Procurador Federal

Já apresentei uma perspectiva resumida que visava a iniciar uma série de estudos acerca do garantismo. (1) Apresento neste momento a visão ofertada por Bobbio acerca da “teoria do garantismo penal”, homenageado pelo convite de Ferrajoli para prefaciar seu livro.(2) A escolha não poderia ser mais adequada porque Bobbio foi um kelsiano e sua postura positivista tendia à segurança jurídica, muito adequada ao garantismo.



Bobbio informa que o trabalho é fruto de longos estudos (jusfilosóficos e jurídicos) e da larga experiência como magistrado, criticando os fundamentos gnosiológicos e éticos do Direito Criminal, criticando dois aspectos opostos: a) teoria sem controles empíricos; b) prática sem princípios. Então, afirma:


A aposta é alta: a elaboração de um sistema geral de garantismo ou, se quiser, a construção das colunas mestras do Estado de direito, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo frente às variadas formas de exercício arbitrário de poder, particularmente odioso para o direito penal.(3)


Informa Bobbio que houve rigor técnico na elaboração da teoria, à qual Ferrajoli foi fiel. Segue dizendo que a obra é complexa, mas que o pensamento é claro, e que se evitou complexidades inúteis, chamando a atenção para o fato de Ferrajoli não se valer de “idéias simples ou, ainda pior, simplificadas”. É uma busca de ver na aparente confusão da diversidade de posições, o pensamento uniforme.(4)


Tenho criticado a pretensão de alguns de criar um direito esquematizado ou descomplicado, expondo alhures:


Sou Procurador Federal junto à Fundação Universidade de Brasília (FUB). Atuo como Professor Voluntário perante a UnB, onde vejo a propagação da idéia de que o Direito pode ser achado na rua. Em sentido contrário, produzi artigo afirmando que o fatualismo constitui reducionismo grosseiro da experiência jurídica. [12] Com isso, não nego a existência de normas jurídicas não escritas, mas Direito é ciência e assim deve ser tratado. Ele não é direito de prostitutas, de ébrios, de presos etc. As ciências sociais aplicadas se dirigem a todas as pessoas, não apenas às elites. Também, não se pode falar em Direito descomplicado ou simplificado, visto que a ciência é complexa. Ela é encontrada na academia, por meio de profundos estudos que levam em consideração complexos sistemas. No nosso caso tais sistemas decorrem da praxis social.(5)


Segundo Bobbio, o “princípio da legalidade é contrário ao arbítrio, mas também ao legalismo obtuso, mecânico, que não reconhece a exigência da equidade, a qual, com exceção tomada da lógica dos conceitos, o autor chama de poder de ‘conotação’, e a presença de espaços nos quais habitualmente se exerce o poder do juiz.(6) O garantismo é modelo e, como tal, contém todos os aspectos a serem alcançados, devendo continuar servindo de alvo a ser objetivado.


Já li muitos prefácios, aos quais não fiz qualquer referência porque as pessoas prestigiadas com o convite evidenciaram que não leram a obra, apenas se limitando apresentar repetições tradicionais, tais quais: “este livro preencherá uma lacuna...”; “livro profundo e que aborda todos os pontos do assunto...” etc. Ao contrário, Bobbio demonstrou conhecer detalhadamente todas as partes da obra, tê-las examinado com profundidade, dizendo que a primeira parte evidencia as linhas mestras do modelo e as segunda e terceira partes analisam, à luz do modelo, os problemas tradicional do Direito Criminal (material e formal).


Sobre as três primeiras partes, Bobbio afirma que se caracterizam pelo rigor argumentativo e pela complexidade da construção sistemática, cuidando das “partes enfermas de um sistema, de que tanto o advogado quanto o juiz, o político ou o funcionário quanto o jornalista podem obter proveito”.(7) E sustenta: “Direito e razão é uma obra onde se encontram continuamente entretidas problemas de teoria do direito e problemas de política do direito e que deverá ser compreendida e julgadas a partir de ambos pontos de vista”. (8)


Segundo Bobbio, Ferrajoli pertence ao positivismo, classificando-o dentre os filósofos analíticos e arremata:


No conjunto tudo se enquadra: positivismo jurídico, que não deve ser confundido com legalismo ético, como disse, separação entre direito e moral, em todas as suas dimensões, método analítico, entendido como doutrina dos limites e dos vínculos do poder do Estado, formam um conjunto coerente e contribuem ao convergirem para a composição do sistema penal do garantismo.(9)


A parte crítica da teoria não é menos importante que a construtiva e Bobbio elogia a conclusão do livro por invocar A Luta Pelo Direito, de Jhering, visto que o garantismo perpassa pela ação de todos para assegurar os direitos subjetivos do povo. A omissão deste dará margem ao arbítrio.

Notas:
(1) MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Garantismo: uma sólida construção doutrinária. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2.345, 2.12.2009. Disponível em: . Acesso em: 18.1.2010, às 23h14.
(2) BOBBIO, Norberto. Prefácio da 1ª Edição Italiana. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 7-12.
(3) Ibidem. p. 7.
(4) BOBBIO, Norberto. Prefácio da 1ª Edição Italiana. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. Ibidem. p. 7-8.
(5) MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Crimes contra a dignidade sexual. Teresina: Jus Navigandi. ano 14, n. 2340, 27.11.2009. Disponível em: . Acesso em: 18.1.2010, às 23h55.
(6) BOBBIO, Norberto. Op. cit. p. 8.
(7) Ibidem, p. 9.
(8) Ibidem, p. 10.
(9) Ibidem, p. 11.

Extraído do site Universo Jurídico

Nenhum comentário: