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09 fevereiro 2010

ANOTAÇÕES SOBRE O NOVO REGIME DA SÚMULA VINCULANTE

Parte 5


Elias Gazal Rocha

Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Advogado. Mestrando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

VII – Um Exercício de Cálculo


Não se desconhece que a demora na prestação jurisdicional é um dos mais graves problemas do Judiciário, tendo levado, inclusive, à criação dos próprios enunciados de efeito vinculante. Mas, como visto acima, não se pode tentar resolver os problemas do Poder Judiciário do modo como se vem fazendo, sob pena de não se chegar à solução aventada. Mais, antes de cogitar sobre uma específica tentativa de solução, deve-se analisar melhor, e exaustivamente, o problema, para identificar todas as possíveis soluções (ou conjunto delas) disponíveis.

No caso dos enunciados de efeito vinculante, todavia, isso não parece ter ocorrido.

Envolvidos em inesgotáveis discussões sobre as vantagens e desvantagens da adoção dessa nova espécie de enunciados da súmula, os estudiosos parecem ter se esquecido de avaliar os aspectos práticos da medida cogitada.

Em outras palavras: dever-se-ia ter avaliado se a “solução” proposta é compatível com o problema diagnosticado e, em caso positivo, em “qual medida”. Se a “solução” aventada não é compatível com o problema que se propõe a resolver, ou se, embora compatível, não o é em medida satisfatória para resolvê-lo a tempo e modo, não se deveria tê-la adotado (ou considerado dentre as possíveis soluções).

Buscando, então, contribuir no aspecto prático para a avaliação dos novos enunciados, elaboramos cálculos tentando apurar, em termos numéricos, se a solução aventada serve para resolver o problema verificado. Mais especificamente: tentaremos demonstrar, com base nos números divulgados pelos próprios tribunais, se a adoção dos enunciados de efeito vinculante servirá, e em qual medida, para resolver o problema da multiplicação excessiva (e desnecessária) de processos idênticos, tal como se cogitou.

Para tanto, procuramos estimar a quantidade de causas necessárias a viabilizar o surgimento de um enunciado com efeito vinculante, a fim de examinar se a proposição a ser editada será capaz, ou não, de resolver, a tempo, o problema da multiplicação infindável daquelas mesmas causas. Elaboramos uma série de cálculos, relacionando os diversos fatores que, conjugando-se em determinado período de tempo, podem suscitar um acórdão em matéria constitucional, capaz, a seu turno, de embasar um possível enunciado de efeito vinculante.

Esses fatores, que avaliamos com base nos anos de 2006 e 2007, correspondem à quantidade de: (i) ações ajuizadas nas Varas e Juizados Especiais cíveis, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; (ii) recursos extremos, extraordinários (REXTs) e respectivos agravos de instrumento (AIREXTs), interpostos a partir dessas ações originárias da Justiça Estadual fluminense; (iii) acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal , nesses mesmos REXTs e AIREXTs; e (iv) precedentes adotados pelos primeiros enunciados de efeito vinculante.

Tentamos, então, correlacionar todos esses números, com a melhor aproximação possível da atual realidade forense, a fim de verificar se um enunciado da nova espécie será capaz de conter, a tempo e modo, a multiplicação de feitos idênticos, que causaram a sua edição.

Analisando, primeiramente, as informações disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal54, verificamos, no biênio considerado, que a quantidade média de REXTs e AIREXTs, comparativamente ao total médio de feitos, correspondeu a 94,9%. Constatamos, ainda, que o Supremo Tribunal Federal proferiu um total de 11.196 e 22.700 acórdãos, respectivamente, em 2006 e 2007.

Aplicando o percentual acima ao número de acórdãos informado, concluímos que houve 10.625 (94,9% de 11.196) e 21.542 (94,9% de 22.700) acórdãos de REXTs e AIREXTs no biênio.

Registre-se que só usamos os acórdãos dos recursos extremos, não incluindo nos cálculos as decisões singulares de qualquer espécie e o resultado do julgamento de outros feitos (que não os extraordinários), porque, como se viu nos Capítulos IV e VI, trata-se de decisões que não serviriam, em tese, para embasar a edição de um enunciado de efeito vinculante.

Em um segundo momento, tivemos que buscar alguns dados estatísticos no site do Superior Tribunal Justiça – que parece dispor de maior variedade de informações, no que tange à origem dos recursos –para tentar identificar, por aproximação, quantos acórdãos de REXTs e AIREXTs, nos totais supracitados, corresponderiam a recursos provenientes do TJ-RJ. Adotamos, portanto, a premissa de que o percentual de recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal Justiça, a partir de cada tribunal de origem, deve ser bastante próximo – sobretudo quando o universo estatístico é razoavelmente longo, como em nosso cálculo, que abrange os dados de todo o biênio 2006/2007.

Assim, o relatório estatístico do Superior Tribunal Justiça55, no ano de 2006, informa que 8,70% dos recursos foram oriundos do Estado do Rio de Janeiro, sendo 68,21% deles da Justiça estadual, resultando que 5,93% (68,21% de 8,70%) dos recursos interpostos para o Superior Tribunal Justiça em 2006 foram provenientes do TJ-RJ. No relatório de 2007, vê-se que 9,04% dos feitos tiveram origem no Estado do Rio e 70,46% deles na Justiça estadual, somando 6,37% (70,46% de 9,04%) de recursos provenientes do TJ-RJ naquele ano.

Admitindo, pelas razões expostas, que essas médias se assemelhem às do Supremo Tribunal Federal, tem-se que, dos 10.625 e 21.542 acórdãos de recursos extremos no biênio, um total de 630 acórdãos (5,93% de 10.625) de 2006, bem como de 1.372 acórdãos (6,37% de 21.542) de 2007, corresponde aos recursos provenientes do TJ-RJ.

Prosseguindo, verifica-se que esses 630 acórdãos de 2006 representaram 0,56% do total de 112.403 julgados, o que significa que, naquele ano, houve 1 (um) acórdão provendo recurso extremo, originário do TJ-RJ, a cada 175 (cento e setenta e cinco) julgados do Supremo Tribunal Federal. Para o ano de 2007, os cálculos mostram que os 1.372 acórdãos significaram 0,91% dos 150.901 julgados, ou, em outras palavras: houve 1 (um) acórdão provendo recurso extremo, proveniente do TJ-RJ, para cada 110 (cento e setenta e cinco) julgados do Supremo.

Portanto, a média dos anos de 2006 e 2007 demonstra que houve 1 (um) acórdão pelo provimento de recurso extremo, originário do TJ-RJ, para cada 143 (cento e quarenta e três) julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

Do outro lado, buscamos os dados dos demonstrativos de produtividade do TJ-RJ56, segundo os quais foram ajuizadas, nas Varas e Juizados Especiais Cíveis do Estado, 834.821 e 905.257 ações, respectivamente, em 2006 e 2007, perfazendo uma média de 870.039 novos feitos distribuídos ao ano.

Verificamos, ainda, que foram interpostos 16.864 REXTs e AIREXTs em 2006, além de outros 19.403 desses recursos no ano de 2007. Desses totais, estimamos que, respectivamente, 15.228 e 17.482 recursos trataram de matéria cível, perfazendo uma média de 16.355 recursos extremos, e correspondentes agravos, interpostos anualmente57.

Comparamos, então, as médias anuais de 16.355 recursos para o Supremo Tribunal Federal e de 870.039 ações ajuizadas nas Varas e Juizados Especiais Cíveis fluminenses, concluindo que só 1,88% das causas suscitam REXT ou AIREXT, significando que a cada 53 (cinqüenta e três) ações iniciadas na Justiça Estadual fluminense, é interposto 1 (um) recurso extremo para o Supremo Tribunal Federal.

Consolidando todos esses dados, haverá 1 (um) recurso extremo a cada 53 (cinqüenta e três) causas, bem como 1 (um) acórdão provendo um desses recursos a cada 143 (cento e quarenta e três) julgados do Supremo Tribunal Federal, resultando que haverá 1 (um) acórdão do Supremo Tribunal Federal, provendo REXT ou AIREXT originário da Justiça estadual fluminense, para cada 7.579 (sete mil, quinhentos e setenta e nove) causas que nela tramitem (53 causas x 143 julgados = 7.579).

Lembrando, ainda, que as primeiras proposições de efeito vinculante adotaram média de cerca de 4,3 (quatro vírgula três) precedentes – com os 3 julgados do Enunciado no 1; mais 6 do Enunciado no 2; mais 4 do Enunciado no 3 –, e conclui-se, por fim, que serão necessárias 32.590 (trinta e duas mil, quinhentas e noventa) causas para embasar a edição de um único enunciado de efeito vinculativo (4,3 precedentes x 7.579 causas = 32.590).

Mesmo que esse total seja 10 vezes menor – face à redução já percebida com a adoção da repercussão geral, como se viu no Capítulo VI −, ainda assim já se estará diante de milhares de ações ajuizadas, até que, um bom tempo após, sobrevenha uma proposição vinculante com base nelas (e com o objetivo precípuo de estancar a multiplicação delas).

Mas, se advento da repercussão geral trará maior rapidez aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal – pelo que sinalizam os números atuais e a expectativa inicial de todos –, de outro lado, causará uma enorme redução do número de possíveis precedentes capazes de embasar os novos enunciados, em proporção direta à do decréscimo dos recursos extremos admitidos à Suprema Corte.

A nosso ver, isso sugere que as ferramentas da repercussão geral e das proposições com efeito vinculante tenderão a ser utilizadas pelo Supremo de forma conjugada, a fim de que se venha a alcançar o resultado para o qual foram projetadas.

Como quer que seja, a quantidade de ações tratando de matéria similar – e com volume suficiente para gerar reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal e, assim, uma futura proposição com efeito vinculante – ainda será contada aos milhares, em nossa opinião.

Notas do Autor:

54 Em e
, acessos em 06/02/08.
55 Em , acesso em 02/02/08.
56 Informações obtidas no site do TJ-RJ, na opção “ Produtividade do TJRJ” e, em seguida, “Anuários - 2007” e, por fim, “Gráficos comparativos 1ª instância” e Gráficos comparativos 2ª instância”, respectivamente, em
e
(acesso em 03 de fevereiro de 2008). As demais informações foram deduzidas a partir dos dados fornecidos pelo sistema de acompanhamento de recursos no site do TJ-RJ (www.tj.rj.gov.br).
57 O site informa que o TJ-RJ e suas Turmas Recursais julgaram, em 2006, 179.335 feitos cíveis e 19.320 criminais (respectivamente, 90,3% e 9,7% dos 198.655 julgados daquele ano). Parece razoável, então, admitir que ess es percentuais se apliquem aos REXTs e AIREXTs. Nessa premissa, dos 16.864 recursos considerados, 15.228 seriam cíveis e 1.636 criminais. Em 2007, foram 195.895 feitos cíveis e 21.528 criminais (respectivamente, 90,1% e 9,9% dos 217.423 julgados), sugerindo 17.482 recursos cíveis e 1.921 criminais, dos 19.403 recursos considerados. Por fim, a média aritmética de 15.228 recursos em 2006 e 17.482 em 2007, é igual a 16.355.

Extraído do site da PGE-RJ, Revista de Direito da PGE- RJ, no. 63,(no prelo, pendente de revisão das provas gráficas).

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