Edison Vicentini Barroso
Desembargador do TJSP
Àquilo que motiva uma matéria se dá o nome de “gancho”. Em regra, a circundar um dado fato ou acontecimento de vida real. Claro que se pode, relembrando a pena dum João Ubaldo Ribeiro, escrever sobre algo fantasioso ou delirante, mas o habitual é que o artigo ou crônica tenha pé no cotidiano, naquilo que acontece no dia-a-dia e desperte o interesse do articulista.
E hoje, no Brasil, como se tem acentuado na última
década, qual é o gancho? Os crimes que se sucedem, ininterruptos e
cada vez mais originais, de alto a baixo na escala social. Desde os
do colarinho branco aos episódios dos ladrões de galinha, ou de
quem furta ou rouba para matar a fome dos seus, de tudo se vê –
com ou sem TV.
A globalização está presente, na multiplicidade
dos meios de comunicação. Porém, duns tempos pra cá, do que mais
se vê é roubalheira generalizada dos cofres públicos, desvio de
dinheiro a mais não poder – sobrelevando as famosas propinas.
Enfim, rouba-se tudo, de quase todos, a todo tempo e em toda parte.
O crime está cada vez mais presente em nossas
vidas, é fato! E a ladroagem é o delito do momento, a pedra de
toque da situação do País. Aqui, os quarenta ladrões do conto de
Ali Babá seriam meros coadjuvantes, aprendizes na arte da
“larapinagem”.
Os maus exemplos vêm de todos os lados,
especialmente de “cima” – do cimo da escala social. Em
especial, duma classe política que, pelos fatos de que se têm
notícia, traz a corrupção estampada em seu DNA. Hoje, mais que
nunca, não há um só brasileiro ou brasileira que não esteja
convicto de que, pelo menos parte considerável dos políticos, nos
três níveis federativos (União, estados e municípios), é
constituída de privilegiados comprometidos com os desvios em curso.
E a ninguém mais espanta a miríade de crimes e
criminosos que se dão bem no Brasil, não mais tido como terra donde
mana leite e mel, mas onde proliferam malfeitos e malfeitores,
verdadeiro paraíso da impunidade – também, em razão de suas
muitas leis frouxas, feitas a benefício do transgressor.
Como sabido, o exemplo vem de cima. Nesse sentido,
os delinquentes de “classe menor” (diremos assim) têm seus
mestres e professores, a lhes servirem de referencial, nos da “classe
maior”. Estes, em grande número, uma vez pegos com a boca na
botija, se e quando pegos, logo se safam – pior, guardado nosso
rico e suado dinheirinho, por eles furtado, sabe-se lá em que
paraíso fiscal.
Da devolução do produto do crime, quase inexiste
notícia. E os benefícios do apenado, então! Ah! De dar pena,
porque próprios para logo destravar a porta da cadeia (quando o
delito dê cadeia). Rouba-se (na acepção comum do termo) na mão
grande e a olhos vistos, e as leis não funcionam, não punem como
deveriam. Cumprida diminuta parte da “pena”, lá se vão soltos
ou em prisão domiciliar (termo muito em voga), a repetir os
malfeitos, que lhes fazem tão bem!
E a sociedade brasileira, também composta por
homens e mulheres de bem, atônita, apavorada, a tudo assiste, com o
sentimento doído da impotência. Passa-se a percepção, até aos
ladrões pés de chinelo, de que, se os poderosos roubam e nada (ou
quase nada) lhes acontece, esse caminho é bom e haverá de ser
trilhado. Noutras palavras, quem não rouba é otário!
E a engenhosidade dos ladrões do dinheiro público
não tem limites. Para cada nova receita, tirada do bolso do cidadão
que de fato trabalha, um novo golpe, um novo saque. O Brasil virou a
Casa da Mãe Joana, um vale tudo onde o que menos importa é a
decência e a honradez. Nesse cenário, crescente a descrença do
homem de bem.
Embora muitas as leis, boa parte ineficientes e
insuscetíveis de atingir a seu fim, a rigor, somos uma sociedade sem
lei. É que, na expressão do saudoso João Ubaldo Ribeiro, “nossas
leis não têm dentes, não mordem ninguém” (artigo de “O
Estadão”). Di-lo a já referida frouxidão, seus muitos
benefícios, a transformar pena em prêmio! O delinquente tende a ser
o herói, enquanto a vítima toma a feição de vilão.
Decididamente, o requinte do absurdo.
Neste País, roubar é crime – no papel!
Todavia, é mole roubar, pois muito em conta o preço a pagar, quando
se paga! Aliás, o calote é regra. Que o digam os “políticos
mensaleiros”, sanguessugas do Brasil e quase libertos (em todos os
sentidos).
Entre nós, pois, por agora, enquanto não se
depurem os parlamentares e fortaleçam as leis por eles feitas, o
crime continuará compensando, sob égide da chamada democratização
da impunidade. Hoje, não mais privilégio dos ricos e poderosos, por
extensível a todos.
Puna-se, de fato, e se verá o crime sair de cena.
A reinar sobranceira a soltura rápida do criminoso confesso, a
impunidade fará a festa e o Brasil continuará o paraíso dos
malfeitores – a começar dos de cima!
E os direitos humanos? Os do bandido ou da vítima?
Mas, esta tem direitos? Se os tem, ninguém sabe, ninguém viu. Só
os tem o meliante, cercado da proteção legal do Estado. Isto, sob o
pretexto de que vitimado social, num pseudo regime capitalista
opressor e supressor dos meios de sobrevivência. E o que mais se
dizer, nesse estado de coisas? Preciso mais se diga?
Escancarada, a nossos olhos, essa maldita inversão
de valores, a transformar paraíso em inferno e vice-versa.
Infelizmente, o Brasil é e continua sendo o “país do jeitinho”.
Por isso, a pergunta que não quer calar: nesses muitos e renovados
escândalos, o crime continuará compensando?
Indispensável se mude a mentalidade daqueles que
fazem as leis – também de quem as aplique! Nesse particular, há
de se ter vontade política orientada à efetiva punição dos
culpados e à positiva proteção das vítimas e suas famílias. Mais
que tudo, segurança é estado de espírito, a decorrer duma situação
de leis firmes, positivamente atuantes, a darem a cada um o que de
direito. Oxalá, num futuro próximo, o crime não mais compense!
Extraído de Informativo Anamages.