O blog publica às
sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que
tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há
compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a
identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns
temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados
Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao
judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são
ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que
era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em
futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se
consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje a questão
versa sobre a suspensão de serviço de energia elétrica, nos termos
abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 4.850/04
ACÓRDÃO
EMENTA:
RECURSO INOMINADO. SUSPENSÃO DO SERVIÇO DE ENREGIA ELÉTRICA.
1. A SUSPENSÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL
SÓ PODE SER FEITA APENAS E UNICAMENTE NOS CASOS EXPRESSAMENTE
PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO, MEDIANTE PRÉVIO AVISO, COM ASSINALAÇÃO
DO DEVIDO PRAZO E COM CLAREZA SUFICIENTE AO ENTENDIMENTO DO
CONSUMIDOR.
2.- DESATENDIDOS TAIS PRESSUPOSTOS E
EM FACE DA INCIDENCIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA, IMPÕE-SE A
INDENIZAÇÃO RESPECTIVA QUE DEVE SER ARBITRADA COM PONDERAÇÃO,
ATENTANDO-SE AOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA.
3.- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA,
REAJUSTANDO APENAS O VALOR DA INDENIZAÇÃO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira
Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à
unanimidade, conhecer do recurso para manter a sentença impugnada,
reajustando o “quantum” indenizatório, nos termos do voto do
Relator que deste passa a fazer parte integrante;
Vitória,
ES, de maio de 2004.
REL
ATÓRIO
A
autora ajuizou pedido de indenização por danos morais no valor de
20 salários mínimos em face da concessionária de energia, porque
teve a energia de sua residência desligada sem prévio aviso, embora
estivesse inadimplente, além de ter seu nome lançado em cadastro
restritivo de crédito.
Pela
r. sentença de fls. 32/36, restou acolhido em parte a pretensão
autoral, condenada a requerida ao pagamento de R$ 2.000,00,
devidamente corrigidos a partir do ajuizamento e acrescidos de juros
de mora a partir da citação, a título de danos morais.
Inconformada,
a concessionária interpôs recurso inominado às fls. 40/45,
aduzindo que procedeu à suspensão do serviço conforme o disposto
no art. 91 da Resolução 456 ANEEL, que dispõe sobre as Condições
Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica e que a recorrida foi
regularmente comunicada. Alegou, mais, o descabimento de dano moral,
pois houve aviso prévio, ficando a recorrida ciente das sanções em
face do não pagamento da fatura. No que toca ao “quantum”
arbitrado, aponta que não retrata a realidade, pois a recorrida
motivou a suspensão do serviço com seu débito e o montante
arbitrado supera em mais de 50 (cinqüenta) vezes o valor da conta
que motivou a suspensão. Com base nessas premissas, requereu a
reformulação da sentença de piso, com a improcedência da ação
ou um arbitramento justo do “quantum debeatur” de acordo com os
princípios da responsabilidade civil pátria.
A
recorrida foi considerada intimada por via postal (art.19,§2º,da
Lei nº 9.099/95), vez que não foi encontrada no endereço fornecido
ao juízo originário. Portanto, sem contra-razões.
É
a síntese dos autos.
V
O T O
Pela
leitura da objurgada sentença infere-se que são três os
fundamentos em que se assenta para acolher o pedido indenizatório,
quais sejam:
a)
ausência de comunicação prévia; b) responsabilidade objetiva por
impossibilidade de desligamento de serviço essencial; c) fixação
do dano moral com base em negativação/manutenção indevida de
consumidor em órgão de proteção ao crédito.
No
que pertine à comunicação prévia, não se pode olvidar que a
própria recorrida admitiu ter recibo o aviso.
Entretanto,
o aviso é absolutamente lacônico quanto aos seus efeitos. Diz
apenas que “a unidade consumidora estará sujeita às sanções
previstas na Resolução nº 456, de 29/11/2000”, mas não explica
que sanções seriam essas e nem qual o prazo para que fossem
aplicadas. Inadmissível o encaminhamento do consumidor a escritório
de atendimento ou outro serviço para se inteirar de tais sanções.
O defeito do serviço é evidente na espécie e contraria o Código
de Defesa do Consumidor, verbis:
“Art.
14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos á prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos.” (Grifei).
Nesse
passo, a inicial merece prosperar.
Quanto
à impossibilidade de desligamento, a jurisprudência avançou no
sentido de permitir a cessação dos serviços nas hipóteses
previstas na lei e desde que corretamente comunicados com
antecedência, porquanto impossível obrigar empresas a prestarem
serviços gratuitos, ainda mais infinitamente.
Com
respeito ao “quantum” arbitrado, porém, entendo que não guarda
proporcionalidade/razoabilidade com o caso “sub judice”.
A
recorrida concorreu com o evento ao se tornar confessadamente
inadimplente, o desligamento ocorreu mais de 45 dias após o
vencimento da fatura, o religamento se deu imediatamente após a
comunicação do pagamento e a fatura era de apenas R$ 34,00.
Tudo
ponderado, sou por fixar o valor da indenização no equivalente a um
salário mínimo, ou seja, R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais).
A
recorrente pagará as custas processuais. Sem condenação em verba
honorária porquanto não houve apresentação de contra-razões.
É
como voto.
Adendo:
Atualmente,
a tarifa social parece ter resolvido a maioria dos casos de
inadimplência nas concessionárias de energia elétrica. Os custos
são arcados pelos demais consumidores, seja por rateio, seja por
subsídios, que no fim das contas advém dos tributos que todos
pagam.