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22 março 2013

CORTE DE ENERGIA E INDENIZAÇÃO




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre a suspensão de serviço de energia elétrica, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 4.850/04
ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. SUSPENSÃO DO SERVIÇO DE ENREGIA ELÉTRICA.
1. A SUSPENSÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL SÓ PODE SER FEITA APENAS E UNICAMENTE NOS CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO, MEDIANTE PRÉVIO AVISO, COM ASSINALAÇÃO DO DEVIDO PRAZO E COM CLAREZA SUFICIENTE AO ENTENDIMENTO DO CONSUMIDOR.
2.- DESATENDIDOS TAIS PRESSUPOSTOS E EM FACE DA INCIDENCIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA, IMPÕE-SE A INDENIZAÇÃO RESPECTIVA QUE DEVE SER ARBITRADA COM PONDERAÇÃO, ATENTANDO-SE AOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA.
3.- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, REAJUSTANDO APENAS O VALOR DA INDENIZAÇÃO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para manter a sentença impugnada, reajustando o “quantum” indenizatório, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante;
Vitória, ES, de maio de 2004.

REL ATÓRIO

A autora ajuizou pedido de indenização por danos morais no valor de 20 salários mínimos em face da concessionária de energia, porque teve a energia de sua residência desligada sem prévio aviso, embora estivesse inadimplente, além de ter seu nome lançado em cadastro restritivo de crédito.
Pela r. sentença de fls. 32/36, restou acolhido em parte a pretensão autoral, condenada a requerida ao pagamento de R$ 2.000,00, devidamente corrigidos a partir do ajuizamento e acrescidos de juros de mora a partir da citação, a título de danos morais.
Inconformada, a concessionária interpôs recurso inominado às fls. 40/45, aduzindo que procedeu à suspensão do serviço conforme o disposto no art. 91 da Resolução 456 ANEEL, que dispõe sobre as Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica e que a recorrida foi regularmente comunicada. Alegou, mais, o descabimento de dano moral, pois houve aviso prévio, ficando a recorrida ciente das sanções em face do não pagamento da fatura. No que toca ao “quantum” arbitrado, aponta que não retrata a realidade, pois a recorrida motivou a suspensão do serviço com seu débito e o montante arbitrado supera em mais de 50 (cinqüenta) vezes o valor da conta que motivou a suspensão. Com base nessas premissas, requereu a reformulação da sentença de piso, com a improcedência da ação ou um arbitramento justo do “quantum debeatur” de acordo com os princípios da responsabilidade civil pátria.
A recorrida foi considerada intimada por via postal (art.19,§2º,da Lei nº 9.099/95), vez que não foi encontrada no endereço fornecido ao juízo originário. Portanto, sem contra-razões.
É a síntese dos autos.

V O T O

Pela leitura da objurgada sentença infere-se que são três os fundamentos em que se assenta para acolher o pedido indenizatório, quais sejam:
 
a) ausência de comunicação prévia; b) responsabilidade objetiva por impossibilidade de desligamento de serviço essencial; c) fixação do dano moral com base em negativação/manutenção indevida de consumidor em órgão de proteção ao crédito.
 
No que pertine à comunicação prévia, não se pode olvidar que a própria recorrida admitiu ter recibo o aviso.
 
Entretanto, o aviso é absolutamente lacônico quanto aos seus efeitos. Diz apenas que “a unidade consumidora estará sujeita às sanções previstas na Resolução nº 456, de 29/11/2000”, mas não explica que sanções seriam essas e nem qual o prazo para que fossem aplicadas. Inadmissível o encaminhamento do consumidor a escritório de atendimento ou outro serviço para se inteirar de tais sanções. O defeito do serviço é evidente na espécie e contraria o Código de Defesa do Consumidor, verbis:
 
“Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de    culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos á prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” (Grifei). 
 
Nesse passo, a inicial merece prosperar.
 
Quanto à impossibilidade de desligamento, a jurisprudência avançou no sentido de permitir a cessação dos serviços nas hipóteses previstas na lei e desde que corretamente comunicados com antecedência, porquanto impossível obrigar empresas a prestarem serviços gratuitos, ainda mais infinitamente. 
 
Com respeito ao “quantum” arbitrado, porém, entendo que não guarda proporcionalidade/razoabilidade com o caso “sub judice”.
 
A recorrida concorreu com o evento ao se tornar confessadamente inadimplente, o desligamento ocorreu mais de 45 dias após o vencimento da fatura, o religamento se deu imediatamente após a comunicação do pagamento e a fatura era de apenas R$ 34,00.

Tudo ponderado, sou por fixar o valor da indenização no equivalente a um salário mínimo, ou seja, R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais).

A recorrente pagará as custas processuais. Sem condenação em verba honorária porquanto não houve apresentação de contra-razões.
 
É como voto.

Adendo:
Atualmente, a tarifa social parece ter resolvido a maioria dos casos de inadimplência nas concessionárias de energia elétrica. Os custos são arcados pelos demais consumidores, seja por rateio, seja por subsídios, que no fim das contas advém dos tributos que todos pagam.

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