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05 abril 2013

CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NÃO É MISCELÂNEA JURÍDICA





O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre a impossibilidade de cumulação de pedidos incompatíveis, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 4.378/03
ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. PEDIDO CONFUSO E COMPLEXO, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE. EXTINÇÃO DO FEITO QUE SE CONFIRMA.
1. O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL SE DESTINA A SOLVER CONFLITOS DE MENOR COMPLEXIDADE, OBSERVADO, AINDA, O VALOR DE ALÇADA.
2.-SE O PEDIDO INICIAL É CONFUSO DELE NÃO SE EXTRAINDO DEDUÇÃO LÓGICA, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS, INEXISTINDO ENTRE ELAS SOLIDARIEDADE E IMPOSSIBILITADA A RESOLUÇÃO SEM PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL TRADICIONAL, CORRETA A SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 51, INCISOS I E III DA LJE E ARTIGO 420 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
3.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de junho de 2005.

RELATÓRIO
 
O autor ajuizou Ação de Reparação de Danos Por Acidente de Trânsito em face de empresa de transporte turístico, corretora de seguros e oficina mecânica, pleiteando a condenação das requeridos ao pagamento dos danos causados em seu veículo, consistente na devolução da importância de R$ 997,00 pagos à concessionária, mais o pagamento de danos materiais no valor de R$ 3.000,00 pelas férias perdidas, pela cobrança indevida por parte da oficina mecânica, inclusive com a coação de envio a protesto expresso no boleto bancário e ao pagamento da quantia de R$ 5.750,00 pelo período em que ficou privado da utilização do veículo, totalizando R$ 9.747,00 e, ainda, a declaração de inexigibilidade de duplicata emitida pela oficina mecânica, que tal despesa seja paga pela empresa proprietária do veículo causador do acidente ou por sua seguradora.
Pela r.sentença de fls. 108, por reconhecer a incompetência do juizado, foi julgado extinto o processo, com fulcro no art. 51,II, da Lei 9099/95.
Inconformado, o autor interpôs recurso inominado a fls. 180/185, requerendo fosse declarada a competência do 3º Juizado Especial Cível de Vila Velha para a apreciação da matéria ou, alternativamente, remetidos os autos ao Juízo competente para o julgamento.
Contra-razões da oficina mecânica de (fls. 194/199) e da seguradora (fls. 202/204), no sentido da manutenção do julgado.
Através do acórdão de fls.208, esta Turma, em acatando voto do ilustrado Juiz-Relator, deu provimento ao recurso, acolhendo a preliminar de nulidade da sentença, a fim de que o mérito da causa seja conhecido e decidido pelo juízo a quo.
Baixados os autos, renovada a proposta de conciliação, sem êxito, foi prolatada nova sentença (fls. 244/245), julgando extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 51,II e III da Lei 9099/95, por reconhecer a incompetência do juizado para o julgamento da causa, bem como, pela complexidade que surgiu nesta fase uma vez que se discute o descumprimento de um contrato de prestação de serviço, que demandaria perícia técnica tradicional na forma prevista no art. 429 e seguintes do CPC.
Novamente o autor interpõe recurso inominado a fls. 247/256, pleiteando o provimento do recurso com o intuito de reformar in totum a r.sentença e ainda julgar procedentes os pedidos contidos na inicial, ante a existência de fundamentos legais e jurisprudenciais que amparam o pedido do autor, na forma do § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil.
Contra-razões de parte da seguradora (fls. 271/274) e da oficina mecânica fls. 275/278), no sentido da manutenção do julgado.
É o relatório.

V O T O

O pedido articulado na inicial, como facilmente constado de sua simples leitura, é absolutamente confuso e envolve diversas empresas atribuindo-lhes fatos diversos que não tem relação direta de causa e efeito com o acidente de trânsito que causou avarias no veículo do autor.
 
Para albergar indenização por ato ilícito a petição inicial deve descrever quais os atos que teriam sido praticados pelas requeridas e individualizar a responsabilidade de cada uma, vez que a responsabilidade solidária somente tem cabimento quando prevista em lei ou contrato. (Art. 265, do Código Civil).
 
Não há responsabilidade presumida, de sorte que é descabido o pedido em que não se demonstra quais os atos praticados e a responsabilidade de cada um.
 
Veja-se que o autor-recorrente pretende a condenação solidária das requeridas por diversos fatos, tais como a indenização por prejuízos decorrentes de acidente de trânsito, danos materiais e lucros cessantes por atraso na conclusão do serviço e inexigibilidade de título de crédito emitido pela mecânica, colocando no pólo passivo a empresa de Transportes cujo veículo teria colidido com o do recorrente, a Seguradora da empresa de Transportes, a Corretora de Seguros e a Oficina Mecânica.
 
Essa escandalosa miscelânea poderia ter sido rechaçada desde o início por absoluta inépcia. Insistir em pedidos incompatíveis entre si representa verdadeira aventura jurídica sem qualquer possibilidade de obter sucesso na via eleita.
 
A par dessa complexidade, em que não se encontra dedução lógica, sob o ponto de vista jurídico dos pedidos articulados na peça inicial, tenho que a r. sentença houve por bem julgar extinto o processo, sem apreciação de mérito, com fundamento no artigo 51, incisos I e III, da Lei nº 9.099/95 e artigo 420 e seguintes do Código de Processo Civil.
 
Tudo ponderado, sou por negar provimento ao recurso, respondendo o recorrente pelas custas processuais. Sem verba honorária, na inteligência do disposto no artigo 55 da LJE.
 
É como voto.

ADENDO:

A LEI

Dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:
I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.

A DOUTRINA

Leciona Cassio Scarpinella Bueno:

“Não há dúvidas na doutrina quanto à possibidade de o juiz, até mesmo de ofício, indeferir a cumulação de pedidos que desatendam os pressupostos legais. Trata-se, a bem da verdade, de dever do magistrado, porque é o princípio da economia processual que norteia a ideia de, em um mesmo processo, haver a formulação de mais de um pedido. Ao magistrado cabe, sempre, obrar pela rápida solução dos litígios e da otimização da atividade jurisdicional (art. 125, II).

(Código de processo civil interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador. - - São Paulo : Atlas, 2004, p.907).


A JURISPRUDÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça tem vasta jurisprudência sobre o tema, como, por mera exemplificação, mostra a seguinte decisão:

Processo: REsp 1202556 MG 2010/0130315-4
Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI
Julgamento: 07/12/2010
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Publicação: DJe 02/02/2011
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO CDE PEDIDOS. FUNDAMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DRÉUS. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 46 E 292 DO CPC. 
  1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente,não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
  2. No âmbito da autorização processual, contida no art. 292 do CPC combinada com a regra contida no art. 46 do mesmo diploma legal - consectárias do princípio da efetividade e economia processuais -, não se encontra a possibilidade de cumulação de pedidos diversos,sob fundamentos fático-jurídicos distintos e não relacionados entre si, contra réus diversos.
  3. 3. Recurso especial não provido.

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