O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado
Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006,
período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício.
Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados
nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas
revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano
dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova
dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais
são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve
o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em
futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se
consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje
a questão versa sobre a impossibilidade de cumulação de pedidos
incompatíveis, nos termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 4.378/03
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO
INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTE DE ACIDENTE DE
TRÂNSITO. PEDIDO CONFUSO E COMPLEXO, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO
POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE.
EXTINÇÃO DO FEITO QUE SE CONFIRMA.
1. O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL SE
DESTINA A SOLVER CONFLITOS DE MENOR COMPLEXIDADE, OBSERVADO, AINDA, O
VALOR DE ALÇADA.
2.-SE O PEDIDO INICIAL É CONFUSO DELE
NÃO SE EXTRAINDO DEDUÇÃO LÓGICA, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO
POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS, INEXISTINDO ENTRE ELAS SOLIDARIEDADE
E IMPOSSIBILITADA A RESOLUÇÃO SEM PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL
TRADICIONAL, CORRETA A SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM
APRECIAÇÃO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 51, INCISOS I E III DA
LJE E ARTIGO 420 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
3.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira
Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à
unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos
termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória,
ES, de junho de 2005.
RELATÓRIO
O
autor ajuizou Ação de Reparação de Danos Por Acidente de Trânsito
em face de empresa de transporte turístico, corretora de seguros e
oficina mecânica, pleiteando a condenação das requeridos ao
pagamento dos danos causados em seu veículo, consistente na
devolução da importância de R$ 997,00 pagos à concessionária,
mais o pagamento de danos materiais no valor de R$ 3.000,00 pelas
férias perdidas, pela cobrança indevida por parte da oficina
mecânica, inclusive com a coação de envio a protesto expresso no
boleto bancário e ao pagamento da quantia de R$ 5.750,00 pelo
período em que ficou privado da utilização do veículo,
totalizando R$ 9.747,00 e, ainda, a declaração de inexigibilidade
de duplicata emitida pela oficina mecânica, que tal despesa seja
paga pela empresa proprietária do veículo causador do acidente ou
por sua seguradora.
Pela
r.sentença de fls. 108, por reconhecer a incompetência do juizado,
foi julgado extinto o processo, com fulcro no art. 51,II, da Lei
9099/95.
Inconformado,
o autor interpôs recurso inominado a fls. 180/185, requerendo fosse
declarada a competência do 3º Juizado Especial Cível de Vila Velha
para a apreciação da matéria ou, alternativamente, remetidos os
autos ao Juízo competente para o julgamento.
Contra-razões
da oficina mecânica de (fls. 194/199) e da seguradora (fls.
202/204), no sentido da manutenção do julgado.
Através
do acórdão de fls.208, esta Turma, em acatando voto do ilustrado
Juiz-Relator, deu provimento ao recurso, acolhendo a preliminar de
nulidade da sentença, a fim de que o mérito da causa seja conhecido
e decidido pelo juízo a quo.
Baixados
os autos, renovada a proposta de conciliação, sem êxito, foi
prolatada nova sentença (fls. 244/245), julgando extinto o processo,
sem julgamento de mérito, nos termos do art. 51,II e III da Lei
9099/95, por reconhecer a incompetência do juizado para o julgamento
da causa, bem como, pela complexidade que surgiu nesta fase uma vez
que se discute o descumprimento de um contrato de prestação de
serviço, que demandaria perícia técnica tradicional na forma
prevista no art. 429 e seguintes do CPC.
Novamente
o autor interpõe recurso inominado a fls. 247/256, pleiteando o
provimento do recurso com o intuito de reformar in totum a r.sentença
e ainda julgar procedentes os pedidos contidos na inicial, ante a
existência de fundamentos legais e jurisprudenciais que amparam o
pedido do autor, na forma do § 3º do artigo 515 do Código de
Processo Civil.
Contra-razões
de parte da seguradora (fls. 271/274) e da oficina mecânica fls.
275/278), no sentido da manutenção do julgado.
É
o relatório.
V
O T O
O
pedido articulado na inicial, como facilmente constado de sua simples
leitura, é absolutamente confuso e envolve diversas empresas
atribuindo-lhes fatos diversos que não tem relação direta de causa
e efeito com o acidente de trânsito que causou avarias no veículo
do autor.
Para
albergar indenização por ato ilícito a petição inicial deve
descrever quais os atos que teriam sido praticados pelas requeridas e
individualizar a responsabilidade de cada uma, vez que a
responsabilidade solidária somente tem cabimento quando prevista em
lei ou contrato. (Art. 265, do Código Civil).
Não
há responsabilidade presumida, de sorte que é descabido o pedido em
que não se demonstra quais os atos praticados e a responsabilidade
de cada um.
Veja-se
que o autor-recorrente pretende a condenação solidária das
requeridas por diversos fatos, tais como a indenização por
prejuízos decorrentes de acidente de trânsito, danos materiais e
lucros cessantes por atraso na conclusão do serviço e
inexigibilidade de título de crédito emitido pela mecânica,
colocando no pólo passivo a empresa de Transportes cujo veículo
teria colidido com o do recorrente, a Seguradora da empresa de
Transportes, a Corretora de Seguros e a Oficina Mecânica.
Essa
escandalosa miscelânea poderia ter sido rechaçada desde o início
por absoluta inépcia. Insistir em pedidos incompatíveis entre si
representa verdadeira aventura jurídica sem qualquer possibilidade
de obter sucesso na via eleita.
A
par dessa complexidade, em que não se encontra dedução lógica,
sob o ponto de vista jurídico dos pedidos articulados na peça
inicial, tenho que a r. sentença houve por bem julgar extinto o
processo, sem apreciação de mérito, com fundamento no artigo 51,
incisos I e III, da Lei nº 9.099/95 e artigo 420 e seguintes do
Código de Processo Civil.
Tudo
ponderado, sou por negar provimento ao recurso, respondendo o
recorrente pelas custas processuais. Sem verba honorária, na
inteligência do disposto no artigo 55 da LJE.
É
como voto.
ADENDO:
A LEI
A LEI
Dispõe
o Código de Processo Civil:
Art.
292. É permitida a cumulação, num único processo, contra
o mesmo réu,
de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§
1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§
2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo
diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor
empregar o procedimento ordinário.
A DOUTRINA
Leciona Cassio Scarpinella Bueno:
“Não
há dúvidas na doutrina quanto à possibidade de o juiz, até mesmo
de ofício, indeferir a cumulação de pedidos que desatendam os
pressupostos legais. Trata-se, a bem da verdade, de dever do
magistrado, porque é o princípio da economia processual que norteia
a ideia de, em um mesmo processo, haver a formulação de mais de um
pedido. Ao magistrado cabe, sempre, obrar pela rápida solução dos
litígios e da otimização da atividade jurisdicional (art. 125,
II).
(Código
de processo civil interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador.
- - São Paulo : Atlas, 2004, p.907).
A JURISPRUDÊNCIA
O
Superior Tribunal de Justiça tem vasta jurisprudência sobre o
tema, como, por mera exemplificação, mostra a seguinte decisão:
Processo:
REsp 1202556 MG 2010/0130315-4
Relator(a):
Ministra NANCY ANDRIGHIJulgamento: 07/12/2010
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Publicação: DJe 02/02/2011
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART.
535 DO CPC. NÃO CDE PEDIDOS. FUNDAMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DRÉUS.
IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 46 E 292 DO CPC.
- A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente,não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
- No âmbito da autorização processual, contida no art. 292 do CPC combinada com a regra contida no art. 46 do mesmo diploma legal - consectárias do princípio da efetividade e economia processuais -, não se encontra a possibilidade de cumulação de pedidos diversos,sob fundamentos fático-jurídicos distintos e não relacionados entre si, contra réus diversos.
- 3. Recurso especial não provido.
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