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07 dezembro 2012

ACIDENTE DE TRÂNSITO E DANO MORAL


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento liminar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre acidente de trânsito e dano moral, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 6.557/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FERIMENTO EM PASSAGEIRA. DANO MORAL. CABIMENTO. 
1.-A EMPRESA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS, NA QUALIDADE DE CONCESSIONÁRIA OU PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO, RESPONDE OBJETIVAMENTE PELOS DANOS SOFRIDOS POR SEUS PASSAGEIROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 37,§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SUBSUMINDO-SE, AINDA, AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2.-PELO CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIRO, CARACTERIZADO COMO DE ADESÃO E DE RESULTADO, O TRANSPORTADOR RESPONDE, EM CASO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, AINDA QUE DE TERCEIRO, PELOS DANOS CAUSADOS AOS PASSAGEIROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 734 DO CÓDIGO CIVIL.
3.É INDUVIDOSO O CABIMENTO DE DANO MORAL EM ACIDENTE DE TRÃNSITO, A TEOR DO ARTIGO 186 DO CÓDIGO CIVIL.
4.-NÃO COMPORTA REDUÇÃO O VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS QUANDO COMPATÍVEL COM AS CIRCUNSTANCIAS E PROVASCONTIDAS NOS AUTOS, AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DAS PARTES E ATENDIDOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE/RAZOABILIDADE.
5.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,     de junho de 2005.

RELATÓRIO

A autora, devidamente qualificada e representada por seu ilustrado patrono, aforou a presente Ação Ordinária de Reparação de Danos Morais Puros em face de VIAÇÃO S/A, também individualizada e representada por seus doutos patronos, alegando que embarcou em um ônibus “starbus” da requerida no dia 16 de março de 2003 às 14:00 na cidade de Macaé-RJ com destino a Vitória-ES, com previsão de chegada às 19:00hs do mesmo dia. Entretanto, próximo ao trevo de Piúma-ES o ônibus colidiu com uma ambulância e tombou à beira da pista, tendo a autora sofrido diversos ferimentos. Houve demora no socorro às vítimas e mau atendimento, razão pela qual requereu a condenação ao pagamento de danos morais no valor de R$ 9.600,00.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 77/82, que julgou procedente o pedido condenando a requerida ao pagamento da importância de R$ 1.000, a título de danos morais, acrescida de juros a contar da data da efetiva citação e correção monetária desde o ajuizamento da ação.
Inconformada, a requerida interpôs recurso inominado a fls.86/193, alegando inexistência de responsabilidade civil, vez que o acidente ocorreu por culpa de terceiro e falta de demonstração de prova quanto aos danos morais, propugnando pelo provimento do recurso, com afastamento da condenação imposta à recorrente ou que seja limitada a condenação em valores compatíveis com a situação fática narrada, sob pena de enriquecimento sem causa, pois somente assim se estará fazendo a irrecusável justiça.
Contra-razões a fls. 105/115, rebatendo os argumentos da recorrente e culminando por requerer seja negado provimento ao recurso, a fim de se manter incólume a sentença monocrática, condenando a recorrente em honorários de sucumbência.
É o relatório.

VOTO
                                                                    
A ocorrência do acidente de trânsito envolvendo o ônibus da recorrente e os ferimentos sofridos pela passageira-recorrida são fatos incontestáveis nos autos.

Bate-se o recurso pela exclusão de responsabilidade em face de alegação de que o acidente deriva de fato de terceiro, ou seja, o motorista de uma ambulância que teria abalroado o ônibus, estourando-lhe os pneus, causando o seu tombamento e conseqüente ferimentos em vários passageiros, inclusive a recorrida.

Ensina MARIA HELENA DINIZ, que o contrato de transporte é bilateral, vez que gera obrigações tanto para o transportador como para o passageiro ou expedidor; oneroso, pois apresenta vantagens para ambos os contraentes; comutativo, porque as prestações de ambas as partes já estão certas, não ficando na dependência de algum evento futuro e incerto, sendo, ainda, contrato de adesão, eis que as cláusulas contratuais são estabelecidas pelo transportador; e, consensual, visto que se aperfeiçoa pelo mútuo consentimento dos contraentes. (Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol., São Paulo: Saraiva, 1993, p.390).

Afirma, ainda, a renomada mestra:

“Uma vez celebrado o contrato de transporte de pessoas, o transportador passará a ter a obrigação de:
1º) Transportar o passageiro de um local para outro, no tempo e no momento convencionados.
2º) Efetuar o transporte com cuidado, exatidão e presteza.
3º) Responder pelos danos causados ao viajante, oriundos de desastres não                provocados por força maior ou caso fortuito ou por culpa do passageiro (Dec. 2.681/12,art.17), pagando uma indenização variável conforme a natureza ou a extenção (sic) do prejuízo. Se o dano implicar ferimentos, deverá pagar os prejuízos que o passageiro tiver em decorrência deles, como o tratamento médico e os lucros cessantes durante o período de tratamento (Dec. Nº 2.681/12,art.20). Se houver lesão corporal ou deformidade que o invalide para o trabalho, deverá pagar, além das despesas com o tratamento médico, os lucros cessantes e uma indenização fixada pelo juiz.”
(Ob.cit.p.399).

Por seu turno, o  Código Civil/2002 cuida do tema na Parte Especial, Livro I – Do Direito das Obrigações, Título VI – Das Várias Espécies de Contrato, Capítulo XIV – Do Transporte, Seção II – Do Transporte de Pessoas, em seus artigos 734 a 742.

Pela redação do artigo 734 do Código Civil “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”. (Grifei e negritei).

Portanto, o transportador somente pode alforriar-se de sua responsabilidade por motivo de força maior e nenhum outro, nem mesmo o caso fortuito, quanto mais por fato de terceiro, cuja escusativa, aliás, foi expressamente vedada pelo artigo 735, que incorporou o verbete da SÚMULA 187 do Supremo Tribunal Federal, “verbis”:

“A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”
 
Em esclarecedor julgado sobre a responsabilidade objetiva do transportador em caso de acidente de trânsito, independentemente da culpa de quem tenha provocado o acidente, ainda na vigência do antigo Código Civil, assentou o Colendo STJ, o seguinte:

“O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento.” (STJ, 3ª. Turma, REsp 13351-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, v.u., j.18.12.1991,DJU 24;2.1992,p.1869).
 
Tratando-se, pois de atividade de risco, incogitável a apuração de culpa, como também estabelece a novel codificação civil, no parágrafo único do artigo 927, que dispõe com clareza solar:

ART. 927-...

Parágrafo único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por fim, calha assinalar que sendo o contrato de transporte de passageiros uma obrigação de resultado, havendo dano ao passageiro, cabe ao transportador a responsabilidade da reparação.

A propósito, lembra ainda o emérito Professor NELSON NERY JÚNIOR:

“O inadimplemento da obrigação de resultado enseja reparação dos danos por ele causados, pelo regime da responsabilidade objetiva, como já era da tradição do direito brasileiro, mesmo antes do advento do CDC e do CC sw 2002.” (Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª. ed. Ver. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.488).

Por conseguinte, induvidosa a responsabilidade da recorrente.

No que tange à inaplicação de dano moral na espécie, também não procede o recurso, sendo pacífico o entendimento de seu cabimento como demonstra por mera exemplificação o seguinte julgado:

RESPONSABILDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - AUSÊNCIA DE  PREJUÍZO MATERIAL - DANO MORAL
Inexistindo prova da ocorrência de qualquer prejuízo de  natureza material à vítima, resta a esta o direito à  reparação pelo dano moral, decorrente da angústia e da dor  experimentadas com o evento danoso. Este, entretanto, não  pode implicar enriquecimento sem causa, devendo representar  razoável reparação apenas. Ressalva que se faz às evidentes  dificuldades na valoração objetiva do sofrimento (TA.Cív.-RJ  - Ac. unân. da 6ª Câm. reg. em 30-10-97 - Ap. 97.001.08004- Capital - Rel. Juiz Jair Pontes de Almeida; in ADCOAS  8160706).

Quanto ao valor fixado para a indenização, parece-me igualmente adequado ao caso concreto. Observo do Laudo de Exame de Lesões Corporais do Departamento Médico Legal da Polícia Civil do Estado de fls. 21, que a recorrida sofreu diversos ferimentos, tais como equimose com 1,5 cm de diâmetro em lábio inferior, ferida contusa com 0,8 cm de extensão em lábio inferior, edema em região parietal esquerda com 4,0 cm de diâmetro, marcha claudicante, hematoma com 15,cm de diâmetro em glúteo direito e equimose com 3,0 cm de diâmetro em face lateral do pé direito.
 
Além disso, a prestação de socorro aos passageiros foi conduzida de forma excessivamente demorada e feita em duas etapas, o que prolongou desnecessariamente sofrimento da recorrida, que sofreu vários ferimentos, inclusive na face.

Evidente o constrangimento sofrido pela passageira e a falha na prestação de socorro por parte da recorrente.

A empresa recorrente é uma das maiores empresas de transporte de passageiro do planeta, de sorte que o valor fixado a título de danos morais até poderia ser majorado, jamais reduzido.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a r.sentença hostilizada em sua integralidade, devendo a recorrente-vencida, nos termos do art. 55 da LJE,  pagar as custas processuais e a verba honorária que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, corrigidos nos termos da Lei nº 6.899/1991 e juros legais a partir da citação. 

É como voto.

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