O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra
de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da
integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que
interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no
cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova
dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas
suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará
a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das
varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento liminar ou antecipatório
ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje a questão versa sobre acidente
de trânsito e dano moral, nos termos abaixo:
RECURSO INOMINADO Nº 6.557/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE
RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FERIMENTO EM PASSAGEIRA. DANO
MORAL. CABIMENTO.
1.-A EMPRESA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE
PASSAGEIROS, NA QUALIDADE DE CONCESSIONÁRIA OU PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO
PÚBLICO, RESPONDE OBJETIVAMENTE PELOS DANOS SOFRIDOS POR SEUS PASSAGEIROS, NOS
TERMOS DO ARTIGO 37,§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SUBSUMINDO-SE, AINDA, AO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2.-PELO CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIRO,
CARACTERIZADO COMO DE ADESÃO E DE RESULTADO, O TRANSPORTADOR RESPONDE, EM CASO
DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, AINDA QUE DE TERCEIRO,
PELOS DANOS CAUSADOS AOS PASSAGEIROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 734 DO CÓDIGO CIVIL.
3.É INDUVIDOSO O CABIMENTO DE DANO MORAL EM
ACIDENTE DE TRÃNSITO, A TEOR DO ARTIGO 186 DO CÓDIGO CIVIL.
4.-NÃO COMPORTA REDUÇÃO O VALOR ARBITRADO A TÍTULO
DE DANOS MORAIS QUANDO COMPATÍVEL COM AS CIRCUNSTANCIAS E PROVASCONTIDAS NOS
AUTOS, AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DAS PARTES E ATENDIDOS OS PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE/RAZOABILIDADE.
5.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM
os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados
Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento, nos
termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,
de junho de 2005.
RELATÓRIO
A autora,
devidamente qualificada e representada por seu ilustrado patrono, aforou a
presente Ação Ordinária de Reparação de Danos Morais Puros em face de VIAÇÃO S/A,
também individualizada e representada por seus doutos patronos, alegando que
embarcou em um ônibus “starbus” da requerida no dia 16 de março de 2003 às
14:00 na cidade de Macaé-RJ com destino a Vitória-ES, com previsão de chegada
às 19:00hs do mesmo dia. Entretanto, próximo ao trevo de Piúma-ES o ônibus
colidiu com uma ambulância e tombou à beira da pista, tendo a autora sofrido
diversos ferimentos. Houve demora no socorro às vítimas e mau atendimento,
razão pela qual requereu a condenação ao pagamento de danos morais no valor de
R$ 9.600,00.
Regularmente
instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 77/82, que julgou procedente
o pedido condenando a requerida ao pagamento da importância de R$ 1.000, a
título de danos morais, acrescida de juros a contar da data da efetiva citação
e correção monetária desde o ajuizamento da ação.
Inconformada,
a requerida interpôs recurso inominado a fls.86/193, alegando inexistência de
responsabilidade civil, vez que o acidente ocorreu por culpa de terceiro e
falta de demonstração de prova quanto aos danos morais, propugnando pelo
provimento do recurso, com afastamento da condenação imposta à recorrente ou
que seja limitada a condenação em valores compatíveis com a situação fática
narrada, sob pena de enriquecimento sem causa, pois somente assim se estará
fazendo a irrecusável justiça.
Contra-razões
a fls. 105/115, rebatendo os argumentos da recorrente e culminando por requerer
seja negado provimento ao recurso, a fim de se manter incólume a sentença
monocrática, condenando a recorrente em honorários de sucumbência.
É o
relatório.
VOTO
A ocorrência do acidente de trânsito envolvendo o ônibus
da recorrente e os ferimentos sofridos pela passageira-recorrida são fatos
incontestáveis nos autos.
Bate-se o recurso pela exclusão de responsabilidade
em face de alegação de que o acidente deriva de fato de terceiro, ou seja, o
motorista de uma ambulância que teria abalroado o ônibus, estourando-lhe os
pneus, causando o seu tombamento e conseqüente ferimentos em vários
passageiros, inclusive a recorrida.
Ensina MARIA HELENA DINIZ, que o contrato de
transporte é bilateral, vez que gera obrigações tanto para o transportador como
para o passageiro ou expedidor; oneroso, pois apresenta vantagens para ambos os
contraentes; comutativo, porque as prestações de ambas as partes já estão
certas, não ficando na dependência de algum evento futuro e incerto, sendo,
ainda, contrato de adesão, eis que as cláusulas contratuais são estabelecidas
pelo transportador; e, consensual, visto que se aperfeiçoa pelo mútuo
consentimento dos contraentes. (Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol., São
Paulo: Saraiva, 1993, p.390).
Afirma, ainda, a renomada mestra:
“Uma vez celebrado o contrato de transporte de pessoas, o transportador passará a ter a obrigação de:
1º) Transportar o passageiro de um local para
outro, no tempo e no momento convencionados.
2º) Efetuar o transporte com cuidado, exatidão e
presteza.
3º) Responder pelos danos causados ao viajante,
oriundos de desastres não provocados por força maior ou caso fortuito ou por
culpa do passageiro (Dec. 2.681/12,art.17), pagando uma indenização variável
conforme a natureza ou a extenção (sic) do prejuízo. Se o dano implicar
ferimentos, deverá pagar os prejuízos que o passageiro tiver em decorrência
deles, como o tratamento médico e os lucros cessantes durante o período de
tratamento (Dec. Nº 2.681/12,art.20). Se houver lesão corporal ou deformidade
que o invalide para o trabalho, deverá pagar, além das despesas com o
tratamento médico, os lucros cessantes e uma indenização fixada pelo juiz.”
(Ob.cit.p.399).
Por seu turno, o Código Civil/2002 cuida do tema na Parte
Especial, Livro I – Do Direito das Obrigações, Título VI – Das Várias Espécies
de Contrato, Capítulo XIV – Do Transporte, Seção II – Do Transporte de Pessoas,
em seus artigos 734 a 742.
Pela redação do artigo 734 do Código Civil “o
transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer
cláusula excludente da responsabilidade”. (Grifei e negritei).
Portanto, o transportador somente pode alforriar-se
de sua responsabilidade por motivo de força maior e nenhum outro, nem mesmo o
caso fortuito, quanto mais por fato de terceiro, cuja escusativa, aliás, foi
expressamente vedada pelo artigo 735, que incorporou o verbete da SÚMULA 187 do
Supremo Tribunal Federal, “verbis”:
“A responsabilidade contratual do transportador,
pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o
qual tem ação regressiva.”
“O
fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele
que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do
deslocamento.” (STJ,
3ª. Turma, REsp 13351-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, v.u., j.18.12.1991,DJU
24;2.1992,p.1869).
ART. 927-...
Parágrafo
único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Por fim, calha assinalar que sendo o contrato de
transporte de passageiros uma obrigação de resultado, havendo dano ao
passageiro, cabe ao transportador a responsabilidade da reparação.
A propósito, lembra ainda o emérito Professor
NELSON NERY JÚNIOR:
“O
inadimplemento da obrigação de resultado enseja reparação dos danos por ele causados,
pelo regime da responsabilidade objetiva, como já era da tradição do direito
brasileiro, mesmo antes do advento do CDC e do CC sw 2002.” (Código Civil
Anotado e Legislação Extravagante, 2ª. ed. Ver. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003, p.488).
Por conseguinte, induvidosa a responsabilidade da
recorrente.
No que tange à inaplicação de dano moral na
espécie, também não procede o recurso, sendo pacífico o entendimento de seu
cabimento como demonstra por mera exemplificação o seguinte julgado:
RESPONSABILDADE
CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO MATERIAL - DANO
MORAL
Inexistindo prova da ocorrência de qualquer prejuízo de natureza material à vítima, resta a esta o direito à reparação pelo dano moral, decorrente da angústia e da dor experimentadas com o evento danoso. Este, entretanto, não pode implicar enriquecimento sem causa, devendo representar razoável reparação apenas. Ressalva que se faz às evidentes dificuldades na valoração objetiva do sofrimento (TA.Cív.-RJ - Ac. unân. da 6ª Câm. reg. em 30-10-97 - Ap. 97.001.08004- Capital - Rel. Juiz Jair Pontes de Almeida; in ADCOAS 8160706).
Inexistindo prova da ocorrência de qualquer prejuízo de natureza material à vítima, resta a esta o direito à reparação pelo dano moral, decorrente da angústia e da dor experimentadas com o evento danoso. Este, entretanto, não pode implicar enriquecimento sem causa, devendo representar razoável reparação apenas. Ressalva que se faz às evidentes dificuldades na valoração objetiva do sofrimento (TA.Cív.-RJ - Ac. unân. da 6ª Câm. reg. em 30-10-97 - Ap. 97.001.08004- Capital - Rel. Juiz Jair Pontes de Almeida; in ADCOAS 8160706).
Quanto ao valor fixado para a indenização,
parece-me igualmente adequado ao caso concreto. Observo do Laudo de Exame de
Lesões Corporais do Departamento Médico Legal da Polícia Civil do Estado de
fls. 21, que a recorrida sofreu diversos ferimentos, tais como equimose com 1,5
cm de diâmetro em lábio inferior, ferida contusa com 0,8 cm de extensão em
lábio inferior, edema em região parietal esquerda com 4,0 cm de diâmetro,
marcha claudicante, hematoma com 15,cm de diâmetro em glúteo direito e equimose
com 3,0 cm de diâmetro em face lateral do pé direito.
Além disso, a prestação de socorro aos passageiros
foi conduzida de forma excessivamente demorada e feita em duas etapas, o que
prolongou desnecessariamente sofrimento da recorrida, que sofreu vários
ferimentos, inclusive na face.
Evidente o constrangimento sofrido pela passageira e
a falha na prestação de socorro por parte da recorrente.
A empresa recorrente é uma das maiores empresas de
transporte de passageiro do planeta, de sorte que o valor fixado a título de
danos morais até poderia ser majorado, jamais reduzido.
Em face do exposto, nego provimento ao recurso,
mantendo a r.sentença hostilizada em sua integralidade, devendo a
recorrente-vencida, nos termos do art. 55 da LJE, pagar as custas processuais e a verba
honorária que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação,
corrigidos nos termos da Lei nº 6.899/1991 e juros legais a partir da
citação.
É como voto.
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