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30 novembro 2012

CRISE PROCESSUAL EM EXECUÇÃO JUDICIAL E SUA RESOLUÇÃO PELA VIA MANDAMENTAL


 
O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso versa sobre crise processual em execução de título judicial e sua resolução por via mandamental, como segue:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0183/05
ACÓRDÃO
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL QUE NO CURSO DA EXECUÇÃO MAJOROU SIGNIFICATIVAMENTE O VALOR DO DÉBITO. INVERSÃO TUMULTUÁRIA DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.
1 INICIADA A EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL,  PERFECTIBILIZADA A PENHORA E OPOSTOS EMBARGOS DO DEVEDOR, INCONCEBÍVEL AS SUCESSIVAS MAJORAÇÕES DO VALOR DO DÉBITO, PENA DE SE ETERNIZAR O CONFLITO. 
2. MESMO EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS PREVALECEM OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS, SOBRETUDO AQUELES DECORRENTES DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO AMPLO DIREITO DE DEFESA, ASSEGURADOS CONSTITUCIONALMENTE.
3.- ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR A NULIDADE DA DECISÃO QUE ELEVOU O ‘QUANTUM DEBEATUR” E DETERMINOU NOVA PENHORA EM DINHEIRO NO CURSO DA EXECUÇÃO, DETERMINANDO O REGULAR PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR NO DOUTO JUÍZO DE ORIGEM, CULMINANDO COM SEU JULGAMENTO COMO ENTENDER DE DIREITO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, conceder a ordem exorada, termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,      de dezembro de 2005.
R E L A T Ó R I O
A operadora de plano de saúde, devidamente individualizada e representada por sua ilustrada patrona, impetrou o presente “mandamus” contra decisão do Exmo.Sr. Juiz de Direito do 1º Juizado Especial Cível de Vitória, proferida a fls. 204/206 nos autos do processo nº 2639/1994 que, reconsiderando duas decisões anteriores de outros magistrados no mesmo processo determinou a expedição de mandado de penhora e avaliação no valor de R$ 19.707,30, a ser cumprido com o bloqueio da conta bancária da executada.
Através da decisão de fls. 121/123, deferi a medida liminar requerida, suspendendo a decisão objurgada até final julgamento da presente ação mandamental.
Regularmente citado o litisconsorte (fls. 125), o mesmo quedou silente, consoante certidão de fls.135.
Requisitadas as informações, prestou-as o ilustrado magistrado que atualmente preside o Juizado a fls. 130/132, transcrevendo parte da decisão impugnada e informando que estancou a marcha processual aguardando a decisão deste Colegiado.
A Dra. Promotora de Justiça que funciona perante esta Turma emitiu parecer a fls. 136/138 e, com base nos fundamentos contidos na decisão questionada, opinou pela denegação da segurança pleiteada.
É o relatório.

V O T O

Ao proferir decisão concedendo a medida liminar assentei os seguintes fundamentos, que transcrevo, vez que nada se modificou com as informações prestadas:

“Examinando-se os autos e cópias do processo de execução que tramita perante a douta autoridade        coatora, verifica-se “prima facie” que há evidente tumulto processual, com diversas decisões conflitantes, como se demonstra:                                                         

Percebe-se que pela r. decisão de fls. 171, lavrada em 04.03.2004, foi acolhido o cálculo de fls. 154/155, fixada a execução em R$ 6.655,37.

Regularmente intimado da decisão, o exeqüente ingressou com petição “a título de esclarecimento”, alegando que na verdade seu crédito é de R$ 12.764,31, requerendo fosse determinada a executada o pagamento de tal valor.

Mediante nova decisão a fls. 175, outra magistrada, manteve aquela decisão determinando expedição de mandado de penhora e avaliação, que foi devidamente cumprido (fls. 178/verso).

 Seguro o juízo, a executada ofereceu embargos de devedor (fls. 181/184).

 Outro cálculo foi elaborado a fls. 185, não se sabendo quem o determinou, elevando a execução para R$ 18.393,52.

 O embargado responde aos embargos a fls. 192/198, requerendo sejam julgados improcedentes os embargos e condenando a embargante a pagar o valor de R$ 6.655,37 que é o valor principal, acrescido dos juros e correção monetária que totaliza o valor de R$ 12.764,31, mais custas processuais e honorários advocatícios de 20%.

 Determinada, por despacho de fls. 198/verso, nova atualização do débito pela Contadoria a fls. 198/verso, com vista à embargante sobre a impugnação de fls. 192/198, tendo sido apurado o valor de R$ 19.707,30 (fls.201).

 Certidão a fls. 201/verso, aguardando publicação do despacho acima, em 09/11/2004.

 Conclusão a fls. 203 ao Mutirão, em 14.03.2005.

 Decisão a fls. 204/206 em que reconsidera parte do teor da decisão de fls. 171 e do inteiro teor do conseqüente despacho contido às fls. 175, além da revogação dos atos processuais posteriores a este despacho, para fins de determinar a expedição do competente Mandado de Penhora e Avaliação no valor de R$ 19.707,30, a ser cumprido com o bloqueio da conta bancária da Executada ou mesmo em outra conta bancária  informada pelo Gerente, e intimando-a da penhora para, no prazo de dez dias, apresentar os Embargos à Execução, caso queira.

 Essa decisão, publicada em 09/06/2005 é que motivou o presente mandado de segurança.

 A descrição acima demonstra o tumulto que se abateu sobre a presente execução e a aparente ilegalidade da decisão impugnada.

 No Juizado onde tramita o feito, cada Juiz que funciona no processo procede de uma maneira diferente e modifica e revoga atos de seus predecessores, não permitindo uma evolução adequada do procedimento, que segue a trancos e barrancos e sequer se solidifica ou permite entender-se qual o valor real da dívida executada.

 Jamais se chegará a algum lugar desse jeito, porquanto a dívida a todo momento é alterada, realiza-se penhora, oferecem-se embargos, não se decidem os embargos, faz-se novo cálculo e procede-se nova penhora, determina-se oferecimento de novos embargos, etc. etc. etc.

 Tenho que a decisão de fls. 171, convalidada a fls. 175, ambas irrecorridas, seguro o juízo e oferecidos embargos, que foram respondidos, caberia ao juízo o desate dos embargos e não nova decisão a tornar o processo infinito.

O ato impugnado atropelou o regular andamento do feito e estabelece nova crise processual, além de impor prejuízo financeiro à impetrante, inexistindo, ainda, recurso que possa obstá-la, razão da cabida da medida excepcional, consoante tranqüila jurisprudência pátria, valendo, por mera ilustração, o julgado abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA - DECISÃO JUDICIAL - PRESSUPOSTOS.
É cabível mandado de segurança contra decisão judicial  de  que não caiba recurso com efeito suspensivo,  desde  que  tenha  sido interposto, a tempo e modo, o recurso próprio,   e  se  do  ato  impugnado  resultar  a  possibilidade  de  dano irreparável  ou  de  difícil  reparação,  ou,  ainda,  no caso de evidente ilegalidade  do  ato (TRF-5ª R. - Ac. unân. do T. Pleno julg. em 20-2-91 -  MS 2.172-PB -  Rel. Juiz Hugo Machado -  Adv.: José Martins da Silva; in ADCOAS 134863).”

Pelo que ficou acima ajustado ressalta claramente que o processo de execução em exame se desenvolveu de forma anômala, sem observância do procedimento legalmente previsto no CPC e na LJE, ferindo o devido processo legal.
A propósito vale lembrar a passagem do voto proferido pelo MM Juiz JOÃO BATISTA TEIXEIRA no processo 20040360004148DVJ DF, da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, que aqui cabe como uma luva:

“2. SOB O PRISMA DO CONCEITO TRAZIDO PELO INCISO LXIX DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DO PRINCÍPIO INSTITUÍDO NO INCISO LIV DO MESMO ARTIGO DA CARTA MAGNA, E DO DISPOSTO NO ARTIGO 52 DA LEI 9.099/95, PODE-SE AFIRMAR QUE TODO CIDADÃO TEM DIREITO LÍQUIDO E CERTO A VER RESPEITADAS AS NORMAS PROCEDIMENTAIS RELATIVAS AO PROCESSO. 3. NA HIPÓTESE DE EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL, PROCESSADA PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, O RITO PROCEDIMENTAL A SER SEGUIDO É O QUE CONSTA DO ARTIGO 52.”

Ora, uma vez definido o valor da execução e interpostos embargos do devedor incabível a atualização do “quantum”, pena de eternização do processo executório.

Em face do exposto, concedo a ordem exorada para o fim de declarar a nulidade dos atos praticados após estabilizada a execução com a decisão de fls. 171, ratificada a fls. 175 e, uma vez opostos embargos do devedor, que foram oportunamente impugnados, retornem os autos ao douto juízo de origem para regular processamento dos embargos e afinal decida tais embargos como entender de direito.
É como voto.

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