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23 novembro 2012

VENDA CASADA DE VEÍCULO COM SERVIÇO DE DESPACHANTE É PRÁTICA VEDADA PELO CDC


 
O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje o caso versa sobre a prática comercial abusiva consistente na chamada “venda casada”, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 5.618/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. VENDA CASADA. PRÁTICA ABUSIVA VEDADA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1.-AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEL CONDICIONADA À ACEITAÇÃO DE SERVIÇO DE DESPACHANTE VINCULADO À CONCESSIONÁRIA PARA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO.
2.-PRÁTICA ABUSIVA NOS TERMOS DO ARTIGO 39, INCISO I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, GERANDO OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR O VALOR RELATIVO A COBRANÇA A MAIOR E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
3.-MERECE SER MANTIDO O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS QUANDO ARBITRADO COM PONDERAÇÃO, OBSERVANDO AS ORIENTAÇÕES DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA E OS PRINCÍPIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
4.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória-ES, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de junho de 2005.

R E L A T Ó R I O
 
O autor compareceu pessoalmente ao Juizado Adjunto Especial Cível da UVV, alegando que ao adquirir um veículo, ficou a venda condicionada que o serviço de despachante fosse feito por pessoa credenciada pela requerida cujo valor cobrado foi maior do que efetivamente pagaria caso fizesse tal serviço pessoalmente ou buscasse outro despachante. Alegou, também, que não obteve a nota fiscal referente aos serviços de despachante prestados. Por tais razões, requereu a restituição de R$ 227,00 e indenização por danos morais.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 25/28 que julgou procedente em parte a pretensão autoral para o fim de condenar a requerida a título de dano material na importância de R$ 227,00, bem como danos morais no importe de R$ 1.500,00.
Inconformada, a vencida interpôs recurso inominado a fls. 41/50, e requereu a improcedência dos pedidos contidos na inicial, em relação aos danos materiais e danos morais, dado a inexistência de qualquer conduta ilícita da recorrente, ou seja ponderado além do caráter punitivo, a condição do recorrido, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito.
Em contra-razões de fls. 59/68 o recorrido espera que, se conhecido for o recurso interposto pela ré, no mérito há de ser-lhe negado provimento, mantendo-se incólume a r. decisão recorrida, por medida de direito e de justiça.
É o relatório.

V O T O
  
No caso concreto, constatou-se que o recorrido comprou um automóvel, modelo Gol 1.0, modelo 2004, placa indicada, junto à recorrente, conforme demonstram os documentos de fls. 05/06. Entretanto, afirmou que houve “venda casada”, eis que foi informado pela funcionária da recorrente que a venda do veículo era condicionada que o serviço de despachante fosse realizado por pessoa por ela credenciada.

Além da prova documental em favor do recorrido, verifico termo de depoimento testemunhal trazido pelo autor a fls. 29, consubstanciando as assertivas inaugurais, demonstrando que o mesmo se desincumbiu da melhor forma do disposto no art. 333,I, do CPC:

Art. 333, I, CPC: O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito.

O Código de Defesa do Consumidor elenca os comportamentos definidos como práticas abusivas, conforme disposto no art. 39, a saber:
 
Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.
 
A recorrente não poderia ter se negado a vender isoladamente o automóvel, obrigando o consumidor a adquirir o serviço de despachante junto a uma empresa credenciada junto à concessionária, cometendo, portanto, conduta vedada por lei e, conseqüentemente, deve responder pelos danos causados.

O entendimento acima é corroborado pelo Código de Defesa do Consumidor, art. 6º, VI:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

As justificativas apresentadas pela recorrente não elidem a responsabilidade da mesma em relação ao procedimento adotado, vez que não desincumbiu de provar o que alegou. Ademais, constato que o valor cobrado pelos serviços de despachante foi no importe de R$ 497,00, conforme documento de fls. 07. Todavia, o documento emitido pelo Detran demonstra a importância paga ao referido órgão conforme fls. 09. Logo, não se justifica que o consumidor, já escolhendo uma empresa sólida para adquirir um veículo, tenha que pagar um valor mais elevado junto ao Detran para fins de emplacamento do automóvel. O serviço de despachante pode ser oferecido ou indicado, mas não pode ser imposto como condição para realização do negócio.

Desse modo, entendo que a r. sentença impugnada deu desate adequado aos fatos narrados nos autos, merecendo ser mantida.

No que tange ao valor da condenação, este não merece qualquer reparo por ater-se à mera devolução de importância referente ao dano patrimonial sofrido e o valor do dano moral arbitrado pelo digno magistrado sentenciante não destoa da razoabilidade e proporcionalidade, merecendo ser prestigiado.

Por todo o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo íntegra a r. sentença recorrida e firme no princípio insculpido no artigo 55 da Lei nº 9.099/95, condeno a recorrente no pagamento das custas processuais e na verba honorária que fixo em 15 % (quinze por cento) sobre o valor da condenação.  
É como voto.

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