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21 dezembro 2012

BRINQUEDO COM EMBALAGEM CONFUSA NÃO GERA DANO MORAL



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre aquisição de produto com embalagem confusa e resolução da controvérsia, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 5.650/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. PRODUTO IMPORTADO. EMBALAGEM COM INFORMAÇÕES EM VÁRIOS IDIOMAS, INCLUSIVE PORTUGUÊS, SEM QUALQUER DESTAQUE, DIFICULTANDO A EXATA COMPREENSÃO DE SEU CONTEÚDO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO CDC. 
1. SE AS INFORMAÇÕES CONSTANTES DA EMBALAGEM DO PRODUTO NÃO SE COADUNAM COM A ESTAMPA NELA CONTIDA, SENDO INADEQUADAS OU PECANDO PELA CLAREZA, VIOLAM O DISPOSTO NO ART. 6º, DO CDC.
2. TAL FATO, PORÉM, POR SI SÓ, NÃO CONDUZ A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, RESOLVENDO-SE O CONTRATO DE COMPRA E VENDA NOS TERMOS DAS OPÇÕES CONTIDAS NO ART. 35 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.      
3.- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, ES, à unanimidade, conhecer do recurso para reformar a sentença impugnada, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de fevereiro de 2005.

RELATÓRIO

A autora ajuizou ação de indenização por danos morais no valor de R$ 4.800,00 em face de loja de brinquedos, alegando haver adquirido um brinquedo denominado YU-GI-OH e se sentiu enganada quando abriu a caixa e encontrou apenas dois bonecos de monstros, enquanto a caixa informava apenas que havia 2 figuras incluídas, sem especificar se referia a figuras humanas ou monstros. Aduz ainda que o filho de 7 anos se sentiu frustrado pela escolha errada, tendo por conseqüência mais grave a exploração de sua credulidade natural. Pleiteou indenização por danos morais e a entrega dos seis bonecos monstros e dois bonecos de figuras humanas.
Pela r. sentença de fls. 42/44, restou acolhida em parte a pretensão autoral, condenada a requerida por danos morais ao pagamento de R$ 316,00, correspondente a duas vezes o valor desembolsado pelo brinquedo, sendo suficiente para comprar cerca de 50 figuras pelo preço unitário informado em audiência.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso inominado a fls. 45/52, pleiteando a reforma da referida sentença por não ter sido caracterizado e sequer provado o dano moral alegado.
A recorrida apresentou contra-razões a fls. 59/64 no sentido da manutenção do julgado.
É a síntese dos autos.

V O T O
               
Em juízo, a autora informou “que ao comprar o brinquedo, cuja embalagem encontra-se nas folhas 25 e 26, achou que o jogo estaria completo, mas ao chegar em sua residência notou que só estavam presentes dois “bonecos” e que teria que comprar outras figuras, que conforme informou o representante da requerida existem cerca de 40 outros, custando cerca de R$ 6,00 cada.”

Ao examinar a embalagem do brinquedo pode-se constatar um produto globalizado, pois as informações estão grafadas em nove idiomas, inclusive português.

Entretanto, percebe-se deficiências nas informações, as quais dificultam em muito o conhecimento exato do conteúdo da embalagem, desatendendo o disposto no Código de Defesa do Consumidor, “verbis”:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
...

III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que representem.”

A autora não pleiteou a rescisão do contrato de compra e venda, mas sim seu pleno cumprimento com a entrega pela recorrida dos seis bonecos restantes para completar o jogo e danos morais.

Como reconhecido na própria sentença impugnada a autora concorreu significativamente para o evento deixando de proceder a uma leitura atenta das informações na compra do produto e a eventual frustração na utilização do brinquedo não pode nesse caso ser elevada ao patamar de danos morais.

Assim sendo, não vislumbro, na hipótese, a ocorrência de danos morais, porquanto não houve desrespeito à consumidora nem qualquer fato que atingisse sua honra ou qualquer outro atributo de sua dignidade enquanto consumidora ou pessoa humana.

A jurisprudência pátria vem se posicionando quanto ao descabimento de danos morais em situação como a dos autos, valendo conferir-se a respeito, os seguintes julgados:

TJ-PE
Tipo do Recurso: Embargos Declaratórios
Nº do Recurso:  0816/2002
Origem: COLEGIO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS
Processo originário: 01720/2001
Relator: JUIZ - ABELARDO TADEU DA SILVA SANTOS
-Órgão Julgador: 1o. COLEGIO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS
Data de Julgamento: 31/05/2002
Ementa:-
-
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. A PROPAGANDA ENGANOSA, POR SI SÓ, NÃO IMPLICA EM DANOS MORAIS AO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. Cuida-se de embargos de declaração no qual o embargante alega a existência de contradição no v. acórdão atacado, que reconheceu a existência da prática de propaganda enganosa por parte do embargado, mas indeferiu o pleito de indenização por danos morais formulado pelo embargante. Muito embora a prática da propaganda enganosa constituía ato ilícito, tal fato, por si só, não implica no reconhecimento de danos morais ao consumidor. Na realidade, para que o consumidor ora embargante fizesse jus à indenização pleiteada, seria necessário que essa propaganda enganosa tivesse causado efetivamente algum dano ao patrimônio moral do embargante, o que não se vislumbrou no caso em apreço, tendo em vista que, como já frisado no acórdão atacado, a referida propaganda ocasionou apenas meros aborrecimentos ao embargante, o que não se confunde com dano moral nem é passível de reparação pecuniária, inexistindo, portanto, contradição a ser sanada no acórdão em exame.

Classe do Processo : RECURSO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL RJC4596 DF
Registro do Acordão Número : 91837  - Data de Julgamento : 17/12/1996
Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.
Relator : HAYDEVALDA SAMPAIO
Publicação no DJU: 24/02/1997 Pág. : 2.256
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
PUBLICIDADE ENGANOSA - CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ARTIGO 35, III.
A publicidade enganosa autoriza a rescisão do contrato, quando se torne impossível a sua execução na forma divulgada, com direito à restituição da quantia paga, monetariamente atualizada e perdas e danos, nos termos do artigo 35 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.

No caso dos autos nem se pode mesmo entender se tratar de publicidade ou propaganda propriamente dita, mas de embalagem com informações que não primam pela clareza.

Desse modo, a lei consumerista faculta ao consumidor escolher, dentre as opções legalmente previstas, a solução que alvitrar mais pertinente. O CDC assim dispõe:
 
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso para reformar a r.sentença dela excluindo a condenação por danos morais e determinar à recorrida a entrega dos seis bonecos faltantes para possibilitar a fruição plena do brinquedo como estampado em sua embalagem.

Sem ônus sucumbenciais, nos termos do art. 55 da LJE.

É como voto.

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