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09 novembro 2009

DANO MORAL NA SEPARAÇÃO JUDICIAL, DIVÓRCIO E UNIÃO ESTÁVEL


Parte 1/2


BELMIRO PEDRO WELTER*
Promotor de Justiça – RS

A maioria da doutrina e da jurisprudência não admite a indenização por dano moral na separação judicial, divórcio ou união estável.

YUSSEF SAID CAHALI(1) lembra que “já se pronunciam, em nossa jurisprudência, algumas manifestações favoráveis à indenização pelos danos sofridos pelo cônjuge inocente, em razão da causa que provocou a dissolução da sociedade conjugal. Perante o nosso direito, lamentavelmente, a lei do Divórcio, desprezando os reclamos da melhor doutrina, não estabelece qualquer sanção pecuniária contra o causador da separação, por danos materiais ou morais sofridos pelo cônjuge inocente”. Cita em favor de sua tese vários doutrinadores, quais sejam:

a) Caio Mário (Instituições, V, nº 408, p. 155): “Afora os alimentos, que suprem a perda de assistência direta, poderá ainda ocorrer a indenização pelo dano sofrido pelo cônjuge inocente”. Da agressão física não resultam apenas as eventuais conseqüências no âmbito penal, nem apenas a indenização pelos prejuízos no âmbito patrimonial que a lesão à saúde, em conseqüência da agressão, possa ter provocado. A agressão física acarreta ao injustamente agredido um dano moral, aliás, muito mais relevante em se tratando de agressão de um cônjuge contra o outro”;

b) Mário Moacyr Porto, em “Responsabilidade civil entre marido e mulher”, repassando com a habitual proficiência autores e jurisprudência franceses, e invocando ainda o memorável acórdão do Tribunal sulino, é conclusivo e convincente a respeito: “Para um melhor esclarecimento, imaginemos a seguinte hipótese – o marido (e excepcionalmente a mulher) sevicia ou pratica uma lesão corporal ao parceiro, ofensa que ocasionou uma redução de sua capacidade de trabalho.

O delito não justifica, apenas, a dissolução contenciosa da sociedade conjugal e a conseqüente fixação de uma “pensão” de alimentos (Lei do Divórcio, artigos 5º, “caput”, e 19). O cônjuge responsável responde, ainda, cumulativamente, pelo prejuízo à saúde do cônjuge agredido, nos termos do disposto nos artigos 159 e 1.539 do Código Civil, além das sanções penais.

Admitamos, ainda, o caso do cônjuge que difama o outro e a difamação se reflita, desastrosamente, na reputação do parceiro, em sua atividade profissional ou vida em sociedade. O ultraje justifica não apenas a separação judicial contenciosa e, se for o caso, a pensão de alimentos, como, ainda, uma indenização do dano resultante da injúria (CC, art. 1.547). A ação fundamenta- se no art. 159 do Código Civil, e é independente da ação que visa à dissolução litigiosa da sociedade conjugal e ao chamado divórcio-sanção. As indenizações são, assim, cumuláveis. Os dois pedidos podem ser formulados em uma mesma demanda (CPC, art. 292). A indenização não tem, absolutamente, caráter alimentar, e se baseia nos pressupostos do direito comum, quanto ao ressarcimento do dano decorrente de um ilícito civil;

c) José de Castro Bigi, retoma esta linha de reparabilidade do dano moral resultante da dissolução da sociedade conjugal, com o acréscimo de argumentos deduzidos dos direitos e garantias assegurados na Constituição de 1988, ao asseverar que a intenção do legislador constituinte fixou-se em deixar claro que o direito brasileiro segue a orientação moderna, considera ndo indenizáveis, com dinheiro, os danos morais resultantes da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas”.

ROLF MADALENO(2) está mancomunado com os que admitem a indenização do dano moral no casamento, salientando que YUSSEF SAID CAHALI (Dano Moral, 2ª ed., SP, RT, 1999, p. 666) “assinala a crescente manifestação doutrinária em favor do ressarcimento do sofrimento moral, em razão da infração grave dos deveres conjugais e adverte que já não mais vinga a fórmula passada, de impor apenas o encargo alimentar em favor do cônjuge inocente, como se tudo pudesse e devesse ser compensado pela paga alimentar que, em tempos mais distantes, era quase sempre devida e necessária”.

A seguir, navegando em acórdão carioca, o escoliasta professa acerca da impossibilidade de impor-se indenização por dano moral na separação judicial sem culpa e no divórcio, direito esse que nasce apenas em caso de separação judicial litigiosa com culpa, pelos seguintes fundamentos:

“Não merece qualquer admoestação o aresto do Tribunal de Justiça carioca, quando, atiladamente, afasta qualquer perquirição da culpa no processo litigioso de divórcio direto, como também está vedada a sua pesquisa nas separações judiciais, intentadas com fundamento na ruptura da vida em comum há mais de ano consecutivo. Assim se dá, respeitadas opiniões em contrário, porque, a separação judicial, pedida pelo decurso de um ano de ruptura fática da coabitação ou de dois anos para o divórcio, faz com que a ofensa esfrie a gravidade da infração conjugal. A inércia temporal conspira contra a invocação da causa da separação e faz com que os resíduos conflituosos não mais transpirem em processos, nos quais a fática e já enfadonha ruptura transformou-se em silenciosa resignação. É a incidência fática do perdão, como, a propósito, assinala APARECIDA AMARANTE, de que o perdão do cônjuge apaga os efeitos daquelas condutas desonrosas, já que consiste em renúncia ao direito de invocar aquelas culpas, e esta mesma renúncia de invocar qualquer conduta conjugal culposa também tem incidência, decorrente da simples inércia do consorte, que não buscou a imediata retorsão à ofensa conjugal, aforando sua demanda de separação litigiosa”.

Em acórdão catarinense foi agasalhada a tese de indenização de dano moral quando da dissolução da união estável, nos seguintes termos: “No tocante ao pedido de indenização por danos morais, do parecer do Dr. Odil José Cota, Procurador de Justiça, transcrevo o excerto que segue: “No Direito da família não existe a figura de indenização. Amor não se paga. Convivência não se paga".

“Em que pese a opinião transcrita acima, importa salientar que é perfeitamente possível a concessão de indenização decorrente de dano moral em caso de união estável. A palavra moral, que vem sofrendo deturpações ao longo dos tempos, deve ser entendida como o complexo dos bens decorrentes de sua dignidade de pessoa, de seus sentimentos de estima e de luta por sua realização existencial. Não existe no mundo valor pecuniário que pague a perda da auto-estima ou a sensação de frustração e de derrota em face da vida. Ora, esses danos podem e devem ser reduzidos, quando obtiverem a devida reparação, mesmo que seja em moeda corrente. Yussef Said Cahali, em sua recente obra "Dano Moral", leciona: "Refere Carlos Bittar que, em relação concubinária, ou seja, união sem casamento,é comum a ocorrência de danos morais, pois, desaparecido o interesse, podem aflorar os sentimentos negativos, provocando-se, então, fissuras na moralidade da vítima, por força de investidas indevidas do agente" (obra citada, 2ª edição, Editora RT, p. 658).

Assim, impossível não se sensibilizar pela tese da reparabilidade dos danos morais, resultantes da dissolução da sociedade conjugal, desde que dos atos praticados tenha sido martirizante para um deles, e que dos atos praticados tenha advindo profundo mal-estar e angústia”.(3)

Inobstante os respeitáveis fundamentos jurídicos lançados pelo acórdão catarinense, por enquanto ainda é majoritária a jurisprudência da impossibilidade de indenização por danos morais na separação judicial, divórcio ou união estável, o que se constata dos seguintes acórdãos:

a) TJRS (4): "A quebra de um dos deveres inerentes à união estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos ainda a um terceiro, que não integra o contrato existente e que é, em relação a este, parte alheia. O sentimento que deve unir duas pessoas que encetam uma união - casamento ou união estável - deve ser sempre o amor. Há, é certo, outros: interesse econômico, paixão carnal, vantagens profissionais, mas o sentimento prevalente e nobre a presidir tudo é o amor. Cessado este, a manutenção da união é mera questão temporal. Quando o amor cessa, uma das conseqüências inevitáveis é a separação.

Da inicial, infere-se que o autor sente-se moralmente diminuído porque a mulher o traiu com um de seus amigos e companheiro de festas. É a velha questão do macho ferido, que confunde sua honra com a da companheira. Só que, antanho, o macho vingava-se, matando a mulher amada ou seu parceiro. Hoje, o traído quer reparação financeira para a honra ferida. No fundo de tudo, mais do que a intenção do ressarcimento, o que emana destes autos é o ciúme. Não há como deixar de lembrar as palavras de Shakespeare, Otelo, Ato III, na fala do lago: "Meu senhor, livrai-nos do ciúme. É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto de que se alimenta”. Somente o monstro de olhos verdes poderia alimentar esta demanda. Mesmo que, "ad argumentandum", se reconhecesse a existência de união estável, tenho que a quebra de um dos deveres inerentes a ela - a fidelidade - não gera o dever de indenizar. Nem a quem o quebra - um dos conviventes - e menos ainda a um terceiro, que não integra o contrato existente, que é, em relação a este, parte alheia”.

b) TJRJ (5): “Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações”.

Ao longo do corpo do venerando acórdão foi lecionado o seguinte: “Faz-se indispensável deixar claro, inicialmente, que a possibilidade de ressarcimento de danos não-patrimoniais em razão da dissolução do casamento pelo divórcio, como se pretende, não é questão nova e nem pacífica, seja na doutrina, seja na jurisprudência. Além daqueles que admitem tal possibilidade apenas quando há disposição expressa em lei, como acontece na França e em Portugal, existem aqueles que, considerando o casamento um simples contrato, há semelhança dos contratos patrimoniais, a admitem com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil. Não se pode, no exame da questão, por isso, deixar de considerar a discussão interminável que se trava em torno da natureza jurídica do casamento, especialmente as teorias institucionalistas, para as quais o casamento não é um mero contrato, mas uma instituição. Fundamentalmente, uma situação jurídica, cujas regras ou quadros estão previamente fixados pelo legislador. O casamento seria, assim, uma instituição. Os nubentes seriam livres de se submeter, ou não, à instituição, mas, uma vez a ela submetidos, teriam de aceitá-la tal qual ela é, sem possibilidade de modificar as regras que a regem" (Eduardo dos Santos, Professor da Universidade de Direito de Lisboa, in Direito de Família).

“Vendo a questão por este ângulo, a conclusão inarredável a que se chega é a da inadmissibilidade da pretensão indenizatória: a uma, porque, entre nós, não há disposição expressa a respeito; a duas, porque as sanções pelas infringências às regras da instituição do casamento esgotam-se nas normas previstas que o regem, não se admitindo a aplicação de regras empresta das de outros campos do Direito Civil, como se procura fazer na espécie. Mesmo boa parte dos defensores das teorias contratualistas não discrepam do que se afirmou acima. Para JOSSERAND, COLIN e CAPITANT, entre outros: “o casamento é o contrato que se não assemelha ao contrato de direito patrimonial. O casamento está subtraído à livre vontade das partes: estas não podem estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Só pode haver liberdade contratual no domínio dos interesses patrimoniais e, mesmo aí, em medida muito limitada" (EDUARDO SANTOS, in Direito de Família).

“O eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e danos, como nas obrigações, porque dá ensejo à separação judicial e posterior divórcio, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge declarado culpado, tais como: a mesma declaração de culpa, a obrigação ou a exoneração de prestar alimentos, a obrigação de partilhar os bens, conforme o regime de casamento, a perda da guarda dos filhos, a perda do direito de usar o nome do cônjuge varão. Sanções estas que, a não ser para os espíritos essencialmente materialistas, são mais eficazes para reparar os danos imateriais do cônjuge inocente do que a compensação do dano moral, que se pretende fazer com uma certa soma em dinheiro em outras situações. Se assim não se entender, se reconhecido o direito à indenização de danos morais, nos termos em que foi postulada, o que se admite apenas por amor ao debate e para não ser acusado de dele ter fugido, tem-se que, ainda assim, no caso, não haveria como ou por que dela se cogitar. Porque esse tipo de ressarcimento, mesmo nos países que o admitem expressamente, só pode ser deferido ao cônjuge inocente, como acentua o Catedrático de Direito Civil de Coimbra, o festejado ANTUNES VARELLA.

“Na espécie, entretanto, temos uma ação de “divórcio direto”, anteriormente denominada de “divórcio excepcional ou extraordinário”, fundado na simples separação de fato por mais de dois anos, na qual não foi e nem poderia ser considerada circunstância de culpa, que é própria do “divórcio-sanção”, requerido por um dos cônjuges, imputando ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento, daí resultando insuportável a vida em comum. Dessa forma, porque, na espécie, não se fez – e não se poderia fazer – a consideração de culpa e de inocência, não há como deferir o ressarcimento dos alegados danos morais, até porque estes pressupõem um culpado”.

Notas do Autor:

1 - YUSSEF SAID CAHALI, em “Divórcio e Separação”, RT, 8ª ed., 1995, p.953.
2 - ROLF MADALENO, em artigo sobre “Divórcio e Dano Moral”, em Revista do Direito de Família 01, nº02, p.60-5.
3 - Ap. nº 98.013231-2, Rel. Des. Newton Trisotto, 1ª CCv. do TJSC.
4 - Ap. 597.155.167 – 7ª CCv. - j. 11.02.1998, unânime, rel. Des. Eliseu Gomes Torres, RT 752/344.
5 - Ap. 14.156/98, da 14ª CCv. do TJRJ, unânime, Rel. Des. MARLAN DE MORAES MARINHO, em 13.05.99, em Revista do Direito de Família nº02, de 07 a 09/99, Editora Síntese, p.59.

*Autor dos livros: 01) FRAUDE DE EXECUÇÃO; 02) ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL; 03) TEMAS POLÊMICOS DO DIREITO MODERNO; 04) ESTATUTO DA UNIÃO ESTÁVEL; 05) INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE (2 Tomos), publicados pela Editora Síntese; 06) DIREITO DE FAMÍLIA: questões controvertidas; 07) SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO, (todos publicados pela Editora Síntese)

Publicado originalmente em juspodvum e reproduzido no site BuscaLegis, de onde foi extraído.

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