Translate

25 novembro 2009

AS ORIGENS DA CONDENAÇÃO DO PROCESSO CIVIL ROMANO


Parte 2/4


Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado associado de TozziniFreire Advogados.

3 –A condenação pecuniária das fórmulas

As considerações introdutórias deste trabalho já haviam antecipado: seu intento principal é verificar de que maneira a damnatio arcaica passou à condemnatio dos tempos clássicos. Seu fim imediato é abordar a evolução da palavra e o engendramento da condenação formular, interessando-se precisamente pela fração de transição que se posta no entremeio dos períodos históricos, e que revela – sem sombra de dúvida – a verdadeira feição jurídica (prática e teórica) que o instituto possuía para os romanos. A análise dessa evolução, porém – e por questões de método –, pressupõe que se tenha em mente a situação da palavra em ambos os períodos: a damnatio na fase das ações da lei e a condemnatio na época das fórmulas. Visto o arcaísmo, cabe agora empurrar os portões dos tempos clássicos de Roma e adentrar na era do bem acabado processo per formulas, e dele extrair a configuração da condenação enquanto elemento da fórmula e da sentença.

Esse duplo sentido que o vocábulo condemnatio assumia está presente em certa passagem das Institutiones gaianas (IV, 43): Condemnatio est ea pars formulae, qua iudici condemnandi absolvendive potestas permittitur ("a condenação é a parte da fórmula com a qual se atribui ao juiz o poder de condenar ou absolver"). Não que seja petição de princípio, mas a condemnatio era indissociável tanto da arte do praetor (enquanto parte da fórmula) quanto do ofício do iudex (enquanto sentença antagônica à absolutória); ela era pars formulae e sententia ao mesmo tempo, e por isso utilizada em sentidos e para fins diversos. É isso que será visto individualmente a partir de agora.

3.1 – A condemnatio enquanto elemento da fórmula e o ofício do pretor

O texto gaiano menciona a condemnatio enquanto sendo a parcela formular responsável por outorgar ao juiz o poder de proferir uma sentença. Acabou que à fração da fórmula, por evolução do direito e pela tendência crescente a abstrações, foi dado o mesmo nome da própria sentença de condenação. E tanto é assim que a parte da fórmula denominada condemnatio é a parte em que está presente a previsão da sentença de condemnatio, como se vê dos seguintes exemplos deixados por Gaio (IV, 43): (…) velut haec pars formulae: IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO DUMTAXAT X MILIA CONDEMNA, SI NON PARET, ABSOLVITO; idem haec: IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO CONDEMNATO et reliqua, ut non adiciatur DVMTAXAT X MILIA ("como a seguinte parte da fórmula: tu, juiz, condena Numerio Negidio a pagar dez mil sestércios a Aulo Agerio, e se assim não parecer, absolve-o; ou também: tu, juiz, condena Numerio Negidio a pagar a Aulo Agerio até a quantidade de dez mil sestércios, e se assim não parecer, absolve-o; ou também: tu, juiz, condenarás Numerio Negidio a pagar a Aulo Agerio, etc., sem adicionar: até a quantidade de dez mil sestércios"). Como se vê, todas as citações que o jurista romano efetuou não plasmam fórmulas inteiras, mas apenas suas parcelas conclusivas, em que o núcleo é a expressa alusão à sentença condenatória ou absolutória que o iudex devia proferir 39.

Se a definição de condemnatio enquanto pars formulae por um lado não chega a revelar a completa aplicação da palavra na época formular, por outro fornece indicações de que é a sentença de condemnatio que deve constituir o objeto da investigação mais detida. Ainda assim, o conceito que Gaio traz à tona contém alguns elementos que merecem breves explanações, seja para dissecar a que contingência processual o jurista se referia, seja para colher o ensejo e desde já suscitar alguns pontos que terão de estar frescos à mente em momentos posteriores deste trabalho. Quando ele escreveu que "a condenação é a parte da fórmula com a qual se atribui ao juiz o poder de condenar ou absolver" (IV, 43), tinha enquanto pressuposições o conceito de fórmula, o sujeito do qual partia a atribuição de poder e a própria consistência desse poder que era repassado ao juiz. E é exatamente sobre essas pressuposições que falar-se-á a partir de agora, vendo-as da maneira entrelaçada com que se apresentavam nos idos formulares do processo romano.

O nascimento do pretor e da fórmula foi resultado de um período histórico em que nítida laicização era operada nas instituições de Roma. Direito e religião se divorciavam; influxos helenizantes incutiam idéias de sistematicidade e racionalidade de forma a modificar sobremaneira a maior parcela dos institutos jurídicos romanos 40. A própria criação do pretor no ano de 367 a.C. (leges Licinniae Sextae) é mostra nítida desses tempos de renovação: as ações da lei mais e mais se tornavam insuficientes à resolução de conflitos cada vez mais complexos e variados, e ficaram como que um "insuportável casaco apertado" cuja libertação só viria com a outorga de amplos poderes à novel magistratura 41.

Conforme indicação da romanística, o antigo processo das legis actiones apresentava duas gravíssimas insuficiências e por isso clamava por mudanças: (a) nenhuma das ações possibilitava a tutela de um incertum, isto é, dos novos contratos que brotavam das relações comerciais desenvolvidas; e (b) das ações da lei só podiam participar os cidadãos romanos 42.

Nesse sentido, o aparecimento do pretor casa bem com os anseios da época em preservar as antigas instituições (as ações da lei), mas por outro lado em estendê-las de modo que pudessem se readequar à nova realidade. É interessante notar que através das mesmas leges Licinniae Sextae foi introduzida a legis actio per iudicis arbitrive postulationem, instrumento que possibilitava a quantificação pecuniária de um incertum e que – como se verá no decorrer deste trabalho – teve magna importância para a engendração da condemnatio clássica e para o próprio aparecimento das fórmulas 43.

Já a segunda insuficiência das legis actiones foi suprida com a criação do praetor qui inter peregrinus ius dicit 44, em 242 a.C., conforme revela trecho do Digesto (D. 1.2.2.28). Acudindo a inacessibilidade dos estrangeiros ao antigo procedimento, essa nova magistratura revestia-se de um todo novo modus agendi, muitíssimo mais livre, adaptável à mentalidade e aos costumes de povos diversos (já que seus destinatários eram estrangeiros), desatrelado do rígido ius civile que dava sustento às ações da lei 45. Nele parece ter brotado o primeiro ramo efetivo do que mais tarde seria o processo formular: a atuação do pretor peregrino era livre de leis e formas pré-determinadas, baseada tão-somente no caso concreto que as partes lhe apresentavam.

"É natural que sob as influências do novo modus agendi", afirma Serrao, "com o qual litigavam os estrangeiros excluídos dos institutos civilísticos, o formalismo do lege agere começasse a parecer inadequado à regulação das relações entre os membros de uma sociedade mais evoluída" 46. Assim, não tardou muito e ambas as magistraturas – pretor urbano e pretor peregrino – se fundiram numa só, principalmente depois de possibilitada a intercessio entre elas (Cícero, In Verrem, II, 1, 46, 119; Júlio César, De bello civile, III, 20). A irreversível decadência das legis actiones culminou com a publicação da lex Aebutia (entre 149 e 126 a.C.) e das leges Iuliae iudiciorum (17 a.C.), a uniformizarem os procedimentos, revogarem ações da lei e reconhecerem enquanto universalizado o modus agendi do pretor peregrino 47.

Observados alguns traços de sua evolução, é hora de verificar em que consistia propriamente o ofício do pretor no processo formular. Parecia estar ele embasado em dois imprescindíveis fatores: no imperium outorgado pelo povo e na auctoritas partilhada pelos jurisconsultos 48. Pela circunstância de ser eleito por assembléia popular (Comitium Centuriatum), o magistrado não exercitava um poder próprio, mas o poder recebido pelo povo, e para o povo devia atuá-lo 49. Era o chamado ‘imperium’, do qual participava com especialização na iurisdictio (ou mixtum imperium, conforme D. 2.1.3), e que historicamente brotou do reinado etrusco sobre Roma e fracionou-se nas diversas magistraturas que com a República tiveram advento. Pela circunstância de ser auxiliado por um consilium de jurisconsultos, o pretor adquiria embasamento técnico para o exercício de suas funções: revestia-se de auctoritas, princípio gerador de obediência, ordem e disciplina dentre os destinatários de seus provimentos 50.

O exercício pelo pretor do nicho jurisdicional aglutinava três deveres sucessivos: (i) detectar a tutelabilidade das pretensões expostas pelo autor, (ii) prestar orientações na redação da fórmula e (iii) autorizar a instauração de um juízo posterior. Cada um desses deveres receberá apreciação pontual nos parágrafos que seguem.

Num primeiro momento, o pretor tinha de verificar se os relatos do autor eram tuteláveis, tomando-os como se fossem absolutamente verdadeiros e verificando se um juízo imparcial era necessário e harmônico ao direito reconhecido. Não sendo digna de proteção processual, a actio era denegada pelo magistrado (denegare actionem) 51. Fica claro, portanto, que ao pretor não interessava se o autor tinha ou não razão nas alegações que expunha; seu ofício era observar, apenas, se as pretensões cumpriam com alguns requisitos formais, bem como se não estavam em desacordo com o direito reconhecido.

Superada a admissibilidade, passava-se à redação da fórmula, da qual participavam os disputantes – futuros autor e réu – e principalmente o magistrado, aqueles apresentando e modificando a narrativa fática, e este introduzindo correções e adaptações de cunho técnico – por força do auxílio dos jurisconsultos – ao bom norteamento do procedimento apud iudicem 52. A fórmula, como se vê, era fixada para o caso concreto: redigida a partir da narrativa fática das partes e orientada à resolução do conflito específico. O escopo disso tudo não era a elaboração de noções jurídico-abstratas, mas simplesmente a justa pacificação das relações supostamente em turbulência. Sobre isso, as seguintes palavras de Filippo Gallo configuram ótima suma: "o direito romano, em virtude da iurisdictio pretória, não corresponde nem a um sistema de estirpe normativista, nem a um sistema de estirpe casuísta; ele oferece um terceiro modelo (…), no qual a base normativa se conjuga à criação do direito no caso concreto (quando isso for resultado da própria finalidade do direito, consistente na atuação, em nível concreto, do bonum et aequum)" 53. Exsurge a atividade pretória enquanto indicativa do justo abstrato, modelo orientador do juiz à realização concreta do bom e do eqüitativo 54.

Ao pretor, portanto, não interessava qual das partes estava com a razão, pois a perquirição dos fatos fazia parte do procedimento apud iudicem. Seu ofício era de índole legislativa concreta: ouvia a narrativa das partes e com elas compunha a fórmula, indicando o justo abstrato que serviria de modelo ao juiz quando no conhecimento do conflito e na lapidação da sentença 55, tanto quanto apontando para os instrumentos pelos quais esse conflito deveria receber pacificação. Destarte, ao contrário da situação hodierna em que há prévia e reconhecida separação teórica entre direito material e processo, no direito romano ambos eram manifestados concomitantemente pela fórmula, pois o escopo da atividade pretória não era científico, mas prático. Porém, ainda assim, sob a ótica atual, pode-se identificar (como recém feito) os campos em que se manifestavam o substancial e o instrumental no direito romano, pois enquanto componentes da natureza das relações humanas pertencem à parcela invariável do jurídico.

Esse "formalismo funcional" 56 do processo per formulas estava todo centrado no papel da intentio, isto é, na parte da fórmula que exprimia a pretensão do autor (Gaio, Institutiones, IV, 41), a causa ex quo agebatur. Era pretensão enquanto descrevia a situação ideal que o autor perseguia caso a iniqüidade concreta restasse comprovada; mas também era causa de agir enquanto norteava todo o procedimento posterior, a fazê-lo convergir para a confirmação ou à negação do que nela vinha descrito. Por isso diz-se que a intentio era o único fragmento do qual não se podia prescindir na redação de uma fórmula; por isso que sua confirmação gerava uma sentença de condemnatio, e sua negação, uma absolutio.

Redigida a fórmula, era hora de se pensar na fase julgadora, e daí brotava a necessidade de escolher-se um iudex para a condução do procedimento conseguinte 57. Parece que a seleção incumbia às partes, desde que referendada pelo pretor. Se houvesse concórdia, ela recaía ou sobre uma pessoa pré-eleita pelos disputantes, ou sobre um dos nomes constantes do album iudicum, fazendo-se indispensável sua presença já no ato de litis contestatio. Daí porque o procedimento in iure já pudesse ser encerrado se o iudex estivesse presente, mas o corriqueiro era que o pretor, depois da indicação de um dos nomes constantes no album, deferisse três dias de intervalo (intertium) para que fosse verificada a disponibilidade do futuro juiz 58. Comprometidas por promessas (vadimonia), as partes retornavam no dia marcado para a nomeação magistratural do iudex (por meio de addicere, que simbolizava a transferência de imperium judicativo), realizavam a litis contestatio, davam por encerrado o procedimento in iure e adentravam no julgamento propriamente dito.

Caso não houvesse concórdia entre as partes acerca do nome do juiz, era necessário que se observasse um procedimento através do qual chegava-se à conclusão por exclusões e rejeições (por isso o nome de reiectio). Porém, se alguma das partes se recusasse a seguir dito procedimento, a indicação do iudex passava ao arbítrio do pretor, que o fazia a partir do album iudicum 59. Por força da lógica, também aqui o deferimento de intertium fazia-se necessário. E, enfim, depois da litis contestatio, ao julgamento se passava.

Em poucas palavras, parece ter sido esse o ofício do pretor na época formular de Roma. Seguindo um movimento natural, sua liberdade criadora foi paulatinamente substituída por generalizações e abstrações, ante a repetição dos conflitos e de suas soluções: primeiro se lhe impuseram os editos anuais (lex Cornelia, 67 a.C.); depois, adveio um Edictum Perpetuum que petrificou seus provimentos (elaborado pelo jurisconsulto Sálvio Juliano, em 117 d.C., às ordens do imperador Adriano) 60; e por fim, Constâncio e Constante, por meio de suas constituições (342 d.C.), proibiram expressamente o uso das fórmulas processuais, reconhecendo com atraso a morte de um magistrado que há tempos já figurava apenas como relíquia dos velhos tempos. Pois fórmula e pretor nasceram e pereceram juntos 61.

3.2 – A condemnatio enquanto espécie de sentença

À instauração do procedimento apud iudicem, com a celebração da litis contestatio e com a escolha de um iudex, sucediam-se os atos de julgamento, nestes inclusos a exposição ao juiz da causa ex quo agebatur (causae coniectio), a produção de provas e o efetivo sentenciamento. Todos esses passos estavam centrados na intentio formular, já que pars formulae expressiva da situação examinanda, ou seja, da obrigação que supostamente existia em benefício do autor e que fora descumprida pelo réu. Se fosse manifesta sua existência, o juiz tinha de condenar o requerido; caso contrário, absolvê-lo (si paret, condemnato; si non paret, absolvito). Por isso, era mister das partes tornar manifesta ou improvável a existência de uma obrigação descumprida (aludida na intentio), e isso era feito por meio da produção de provas perante o iudex. O procedimento apud iudicem era todo embasado na verificação da correspondência entre intentio e fatos.

Para alcançar um convencimento suficientemente seguro, o juiz não se municiava apenas das alegações e das provas, mas também do auxílio de um consilium de jurisperitos e de seus próprios conhecimentos técnicos que com o passar dos séculos iam se aprimorando 62. Todos esses compostos formavam a solução final do litígio: uma condemnatio, uma absolutio ou a declaração de que rem sibi non liquere 63. Ao presente trabalho interessa eminentemente o primeiro desses desdobramentos: a sentença de condemnatio.

Antes de tudo, é importante observar que a sentença do iudex romano era talhada enquanto documento escrito, apesar de a escritura não ser um de seus requisitos formais, e depois de pronta era pronunciada oralmente na presença das partes 64. Era motivada, não obstante a motivação não ser exigência dos tempos de ordo iudiciorum, mas impulsionada pelo medo que tinham os juízes de contra si ser processada uma actio si iudex litem suam fecerit 65.

Como aponta Max Kaser já na análise interna da sentença, ela possuía ‘força jurídica formal’ (pois definitiva, inalterável, irrecorrível) e ‘eficácia jurídica material’ (pois influía na seara jurídico-material, colocando termo ao conflito e realizando concretamente o justo abstrato descrito na fórmula) 66. Nada mais era do que o resultado da cognição do juiz: se positiva (a intentio de fato procedia, havia uma obrigação descumprida), lapidava-se uma condenação; se negativa (o dever não existia ou, então, ele fora corretamente cumprido), uma absolvição. Mas não consistia em mero silogismo, como acreditavam noutros tempos alguns romanistas alemães: mormente porque existia uma variedade considerável de escolas jurídicas, o ofício do juiz não tinha como ficar adstrito a atuações robóticas, já que, diante de conflitantes interpretações, ele tinha de optar pela que lhe parecia oportunizar de maneira mais adequada a realização do justo concreto 67. Como aponta Ernest Metzger, as falhas da romanística alemã nessa matéria resumem-se na crença de que o juiz só decidia fatos e nunca matéria jurídica, e que era ele absolutamente ignorante em questões técnicas 68. Felizmente, descobertas posteriores da arqueologia andaram cada vez mais em sentido diverso 69.

Essa sentença, portanto, que não resultava de um silogismo, mas do cotejo balanceado de intentio, alegações, material de prova, pareceres de jurisconsultos e conhecimento técnico prévio, e que decorria da detecção do descumprimento de uma obrigação, era denominada condemnatio, e é ela que interessa especialmente a este trabalho e compõe seu núcleo central. Por ora o importante é analisar o que causava seu proferimento e as conseqüências mediatas que era capaz de engendrar na esfera processual. Sua natureza obrigacional, porém (e portanto sua substância), será objeto de apontamentos nos últimos capítulos deste trabalho.

Sendo a condemnatio a culminação positiva da cognição do iudex, apresentava não apenas a confirmação de que existia um dever, mas principalmente de que de fato ele fora descumprido pelo réu, e que assim merecia ajustes forçados. Configurava a conseqüência inequívoca da manifesta correspondência entre causa (intentio) e realidade (injusto concreto). Enquanto estivesse previsto na fórmula, por exemplo, que N.N. devesse ser condenado caso fosse manifesto o inadimplemento de um aluguel (uma formulação condicional), na sentença de condemnatio dizia-se que N.N. era devedor e por isso estava condenado ao pagamento da quantia faltante (uma formulação imperativa) – se por acaso a instrução do processo pendesse nesse sentido, por óbvio.

Sobre seu aspecto externo (porque o interno, tocante à sua obrigacionalidade, será visto em ponto posterior), é pertinente lembrar que nos idos formulários toda sentença condenatória trajava vestimenta pecuniária. Isso porque o nível de abstração jurídica desses idos – conseqüência de uma sociedade mercantil e urbanizada, tendente a transformar todo valor em moeda – admitia como idônea a compensação em dinheiro da lesão sofrida, e por isso é possível dizer que o escopo da condenação no processo civil da época era "restabelecer o equilíbrio econômico entre as partes, interrompido por abuso anterior", como fez Angela Romano 70. A pecuniariedade da sentença assumia alguns aspectos relevantes conforme se delineasse o caso concreto, e é isso que agora será visto em breves comentários.

A regra era a condemnatio certae pecuniae, decorrente obviamente de uma intentio também certae pecuniae. De uma intentio incertae pecuniae (dirigida a uma res ou a um facere) nunca poderia decorrer uma condemnatio incertae pecuniae; era pressuposição que antes de sua prolação se fizesse a transformação da coisa ou do fazer em dinheiro (Gaio, Institutiones, IV, 48), e isso era feito por meio dos expedientes de estimação da lide (antigo arbitrium liti aestimandae, que com o tempo transformou-se em incumbência do próprio julgador, sobretudo depois da legis actio per iudicis atrbitrive postulationem e da conseqüente fusão entre iudex e arbiter). O momento dessa transformação, portanto, postava-se depois da cognição judicial completa e antes da exaração da sentença de condemnatio, e tinha por limitações as seguintes circunstâncias: (a) havia fórmulas que previam um máximo do qual o julgador não podia ultrapassar na estimação da lide (taxatio), sob pena de litem suam facere; (b) noutros casos, o iudex estava investido de ampla liberdade para quantificar o objeto da demanda, e devia fazê-lo com fundamento na boa-fé (ex fide bona) e na eqüidade (bonum et aequum) 71; (c) e, enfim, havia hipótese em que a estimação e a conseqüente condenação deviam ser feitas in id quod facere potest, isto é, limitada naquilo que fosse a concreta possibilidade do réu em prestar com efetividade o que devia para o autor, sem onerá-lo para além de suas capacidades 72.

O procedimento de estimação da lide poderia ser evitado se na fórmula constasse a expressão nisi restituetur ou neque restituetur, que ensejava ao réu que restituísse a própria coisa antes da quantificação pecuniária e da exaração da condemnatio. Diante de dita cláusula (também denominada arbitraria), o juiz podia exarar uma ordem (pronuntiatio) para a entrega específica da res; somente se desobedecida é que a sentença era prolatada (I, 4.6.31). Operada a restituição, a sentença era de absolutio, excetuadas custas e penas processuais, que corriam por conta do réu 73.

Verificada a causa do proferimento de uma condemnatio e também seu revestimento exterior, cabe ainda neste ponto inquirir sobre as conseqüências mediatas que na esfera processual seu descumprimento era capaz de gerar, e aqui assoma apropriado tecer algumas rápidas considerações sobre a execução de sentença da época formular. Em idos remotos, já a regra decemviral (Lei das XII Tábuas, III, 1-3) estabelecia que, passados trinta dias da sentença sem seu cumprimento voluntário, o autor poderia comparecer em juízo e requerer o início da execução. A disposição – que tratava da manus iniectio – parece ter perdurado imune ao tempo: a actio iudicati (execução da época formular) também pressupunha a passagem dos mesmos trinta dias.

Perante o pedido do autor, o executado podia assumir alguma das seguintes condutas: (a) ceder voluntariamente seu patrimônio ao credor (cessio bonorum), usufruindo dos benefícios da condemnatio in id quod facere potest 74; (b) submeter-se passivamente à execução, que era coordenada pelo pretor e se baseava na bonorum venditio 75; (c) ou contestar a existência do título executivo, determinando a inauguração de um novo iudicium cognitório que poderia resultar ou na acolhida de seus argumentos, ou numa nova condemnatio, mas desta vez dobrada (litiscrescência, in duplum) pela negação falsa de uma dívida de fato existente 76.

É pertinente aludir que a radicalidade da bonorum venditio foi se amainando com o passar dos anos. Conta-se que por volta do ano 100 d.C., um senatusconsultum de Nerácio introduziu o procedimento da distractio bonorum, consistente na venda de bens singulares até que satisfeitos os créditos existentes. O então novel procedimento era centrado na figura do curator bonorum (administrador interino dos bens) e excluía de pronto a venda universal do patrimônio do executado 77.

Notas do Autor:

39 Para que se perceba o enquadramento da condemnatio na universalidade da fórmula, basta citar passagem de Arthur Engelmann em que há exemplificação e classificação de todas as partes formulares (de acordo com as definições gaianas): "Octavius judex esto. Quod Ao. Ao. Cum Nº Nº fundus Titianus communis est, quo nomine A. A. Num. Num. communi dividundo provocavit, qua de re agitur (demonstratio), quantum paret ob eam rem alteri ab altero adjudicari alterumve alteri condemnari oportere ex fide bona (intentio), tantum, judex, alteri ab altero adjudicato (adjudicatio) tantique alterum alteri condemnato, si non paret absolve (condemnatio)" (ENGELMANN, Arthur, History of continental civil procedure, cit., p. 294).
40 Trata-se do período dito 'helenístico', durante o qual houve verdadeiro movimento intelectual em prol das idéias de proveniência grega. No sentido racionalizante, parece ter tido a dialética cabal importância às distinções e sínteses que paulatim sistematizavam o direito romano e lhe incutiam cada vez mais uma tez científica (SCHULZ, Fritz. History of roman legal science. Oxford: Clarendon Press, 1967, pp. 62-69).
41 A divertida metáfora é de Arthur Engelmann (History of continental civil procedure, cit., p. 386). Não é errado, mas enriquecedor, atribuir a criação do pretor também ao afastamento cada vez mais seguido dos cônsules, que tinham de batalhar no front e não mais possuíam tempo para permanecer em Roma exercendo a iurisdictio (D. 1.2.2.27). Somam-se a isso os movimentos populares da época, que mais e mais clamavam por espaço na política citadina. De fato, a criação da pretura parece ter sido pertinente ao patriciado romano, uma breve amenização aos anseios da plebe em acessar o consulado. Sobre isso, veja-se Tito-Livio, Ab urbe condita, V, 42, 10, com interpretações de Vittorio Scialoja (Procedimiento civil romano: ejercicio y defensa de los derechos, cit., p. 108) e Mario Talamanca et alii (Lineamenti di storia del diritto romano. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1989, p. 131).
42 CANNATA, Carlo Augusto. Profilo istituzionale del processo civile romano: il processo formulare. Torino: Giappichelli, 1982, pp. 50-51.
43 É bastante ilustrativo apontar que nesses mesmos tempos um romano de nome Cneus Flavius, secretário do jurisconsulto Appius Claudius Caecus, publicou o calendário pontifical e um livro com as fórmulas processuais detidas pelos sacerdotes (D. 1.2.2.7), circunstância que é considerada um marco na secularização das instituições jurídicas de Roma. Por isso, pode-se dizer com Greenidge: "Procedure is always a symbolic manifestation of right. (...) When the initial difficulties have been overcome - when the religion has been relegated to its proper place, when fas has a sphere distinct from ius, when the exclusive privileges of the legal guild or other interpreter have been broken down, and writing can be used for documentary evidence and for instruction - then the development of procedure is one of the surest signs of the development of law" (GREENIDGE, Abel H.J. The legal procedure of Cicero's time. Oxford: Clarendon Press, 1901, pp. 3-5).
44 A conhecida denominação 'praetor peregrinus' só apareceu nos primeiros anos do Principado, conforme indicações de Feliciano Serrao (SERRAO, Feliciano. La iurisdictio del pretore peregrino. Milano: Giuffrè, 1954, p. 19).
45 SERRAO, Feliciano, La iurisdictio del pretore peregrino, cit., p. 37. Aqui ressaltam as diferenças entre iudicium legitimum (processo instaurado em Roma, com juiz singular na fase apud iudicem e tendo cidadãos romanos como partes) e iudicium quod imperio continetur (ante a falta de qualquer dos elementos que lapidavam o iudicium legitimum). O pretor peregrino, logicamente, exercia seu ofício dentro dos lindes do iudicium quod imperio continetur (SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., p.17).
46 SERRAO, Feliciano, La iurisdictio del pretore peregrino, cit., p. 51.
47 Por óbvio que não se deve imputar a ditas leis as modificações que outrora se acreditava terem delas derivado. Os romanos não legislavam para modificar o estado de coisas, mas para reconhecer e oficializar costumes desde muito em voga. Nesse sentido, "il processo formulare è preso in considerazione come entità già esistente, di consistenza tale da poter concorrere con le legis actiones, imponendo, a poco a poco (paulatim) le sue migliore qualità, la sua idoneità ad una tutela dei diritti "commodius et plenius"; le leggi ebuzia e giulia sono leggi che abrogarono legis actiones, non que introdussero o sanzionarono azioni formulari" (CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano: il processo formulare, cit., pp. 51-52). Cf. também Gaio, Institutiones, IV, 30.
48 Disso fazem prova duas passagens de Cícero: a primeira (De legibus, III, 1, 2), abordando a natureza essencial do imperium, bem como descrevendo o magistrado enquanto legem loquentem ("a lei que fala") e a lei enquanto mutum magistratum ("o magistrado silencioso"); a segunda (De legibus, III, 2, 5), indicando aos cidadãos que não devem apenas obedecer aos magistrados, mas amá-los e respeitá-los como às próprias leis.
49 GALLO, Filippo. L'officium del pretore nella produzione e applicazione del diritto. Torino: P. Giappichelli, 1997, p. 28. Uma bela passagem de Isidoro relaciona com primor os elementos que fundamentavam o imperium: ex innocentia nascitur dignitas, ex dignitate honor, ex honore imperium, ex imperio libertas (Isidorus Hispalensis, E libris originum s. etymologiarum, II, 21, 4). "Here personal virtue (innocentia), once recognized (dignitas), leads, by in the state by way of the magistracy voted to the individual by the people (honor), to the acquisition of power in the state by the individual (imperium); and thus to the culmination of the list with the freedom which guarantees not only the position of the state with regard to other states, but also the position of the individual within it. The crucial link in the ascending sequence is that between the individual and the state, and that is represented by honor and imperium, magistracy and power" (RICHARDSON, J. S. Imperium Romanum: empire and the language of power. The Journal of Roman Studies, 1991, v. 81, p. 4).
50 SCHULZ, Fritz. Principles of roman law (trad. Marguerite Wolff). Oxford: Clarendon Press, 1956, p. 164. Conforme bem resume Levy-Bruhl, "rien ne permet de supposer que le Préteur, conscient de son infériorité technique, n'ait suivi docilement les conseils du Prudent consulté" (LEVY-BRUHL, Henri. Prudent et préteur. Revue historique du droit français et étranger. Paris: Recueil Sirey, 1926, ano 5, p. 36).
51 Max Kaser indica uma série de circunstâncias que poderiam redundar numa denegatio. São elas: (i) não previsão no Edito e impertinência de se deferir uma actio in factum; (ii) exposição defeituosa dos fatos; (iii) requerimento de uma actio inadequada; (iv) ilegitimidade de partes; (v) falta de um dos requisitos processuais, quais sejam, pertinência legal do processo (a pretensão do autor devia pertencer ao campo próprio do processo formular, e não à seara penal ou administrativa), competência do magistrado por razão da matéria, competência do magistrado por razão do lugar e capacidade das partes (KASER, Max. Derecho romano privado (trad. José Santa Cruz Teijeiro). 5. ed. Madrid: Réus, 1968, pp. 363-364). Sobre actio, este trabalho adota as percepções de Fritz Schulz (SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., pp. 23-24), e presta ainda homenagens à ótima crítica que faz ao conceito celsino (D. 44.7.51), que assoma hoje como espúrio e desconexo da realidade clássica (SCHULZ, Fritz, Principles of roman law, cit., pp. 44-45).
52 Cf. SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., p. 18. Na esteira, o romanista tece ótimas críticas ao falido modelo arbitral de Moriz Wlassak, do qual decorria a visão da fórmula e da litis contestatio enquanto um contrato ou um quase-contrato (pp. 15-16).
53 GALLO, Filippo, L'officium del pretore nella produzione e applicazione del diritto, cit., p. 55, nota n.º 6.
54 Novamente, são as brilhantes afirmações de Filippo Gallo que complementam o tópico: "L'aspetto o elemento essenziale del diritto non è ravvisato nella norma, nel comando imperativo munito di sanzione, bensì nell'ars, nell'insieme delle conoscenze e tecniche ocorrenti per realizzare, nei rapporti umani, il bonum et aequum. L'ars mette in luce il ruolo dell'uomo nella produzione, come nell'applicazione, del diritto, che non viene visto, in contrasto con la realtà, come un fenomeno statico, bensì, in aderenza ad essa, come un fenomeno in divenire. La posizione delle norme e la iurisdictio, entrambe rientranti nel ius, mirano congiuntamente all'indicata realizzazione" (GALLO, Filippo, L'officium del pretore nella produzione e applicazione del diritto, cit., p. 55). O elogiável trecho vai na esteira de conhecida disposição de Celso (D. 1.1.1): (...) nam, ut eleganter Celsus definit, ius est ars boni et aequi ("...porque, como define elegantemente Celso, o direito é a arte do bom e do eqüitativo"). O pretor dizia o direito, isto é, indicava a arte (conjunto de técnicas) de realizar concretamente o bom e o eqüitativo.
55 Tanto que das fórmulas constava a expressão 'si paret' ('se é manifesto') antecedendo a enunciação da causa segundo a qual se agia - causa ex quo agebatur (CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano: il processo formulare, cit., p. 74).
56 A expressão é de Dario Mantovani, que afirma ser o formalismo formular eminentemente "funzionale a conservare il punto di equilibrio fra le istanze di adattamento dell'ordinamento, cui dava voce il pretore (e, più in generale, i magistrati giusdicenti), e l'esigenza, consapevole o meno, di certezza del diritto" (MANTOVANI, Dario. Le formule del processo privato romano. 2. ed. Padova: CEDAM, 1999, p. 22).
57 Sobre o ponto, vale indicar que diversos romanistas divergem sobre a necessidade em anotar-se expressamente na fórmula o nome do juiz que julgaria o feito. As recentes descobertas arqueológicas pouco contribuíram à solução do problema. Para resumo dessas discussões sob a luz da lex Irnitana, veja-se METZGER, Ernest. A new outline of the roman civil trial. Oxford: Clarendon Press, 1997, pp. 71-75.
58 É dessa maneira que relata Ernest Metzger, baseado principalmente no capítulo 90 da lex Irnitana. Segundo o autor, "the interruption is made necessary by the inherent awkwardness in selecting judges: unless the parties have agreed on a person to serve and he is amenable to selection as a judge, that person cannot be appointed as judge on the spot. The person whom the parties might wish to select, or the person whom the reiectio procedure produces, could be dead, ill, absent from the town, or have suffered a loss of status. An interruption before litis contestatio gave an opportunity to consider his availability to serve as a judge" (METZGER, Ernest. Interrupting proceedings in iure: vadimonium and intertium. Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, n.º 120, 1998, p. 217).
59 Para esses apontamentos, veja-se METZGER, Ernest, A new outline of the roman civil trial, cit., p. 62.
60 Abel H. J. Greenidge consegue explicitar ainda melhor o início dessas abstrações, afirmando que o pretor, no aperfeiçoamento de seu ius honorarium, procedia do particular para o geral. Quando alcançado o estágio de editos, não remanescia qualquer dúvida acerca de sua preponderância sobre a simples fórmula (GREENIDGE, Abel H. J., The legal procedure of Cicero's time, cit., p. 89).
61 As seguintes observações de Arthur Engelmann são bastantes apropriadas ao ponto: "The day finally came when the magistrate was no longer in position to command by his formula that the judge apply a principle not already known to him. The judge now would not only have known the principle but would have been independently bound to apply it, because it was part of the statutory law. The formula thus lost its significance as an expression of the law willed by the State for application to the case in hand I regulation of the transaction there involved. (...) it was inevitable that the formula should be looked upon as an antiquated and superfluous institution and the separation of the proceeding into jus and judicium" (ENGELMANN, Arthur, History of continental civil procedure, cit., p. 318).
62 É o que confirma Aulo-Gélio em trecho das Noctes Atticae (XIV, 2).
63 O non liquet se dava quando, para o juiz, a causa não estava suficientemente esclarecida a ponto de assegurar uma sentença justa. Por isso, ele jurava não estar apto para decidir definitivamente o feito (Aulo-Gélio, Noctes Atticae, XIV, 2).
64 Conforme apontamentos e fontes citadas por VILLAR, Alfonso Murillo. La motivación de sentencia en el proceso civil romano. Cuadernos de historia del derecho. Madrid: Complutense, 1995, n.º 2, p. 13.
65 VILLAR, Alfonso Murillo, La motivación de sentencia en el proceso civil romano, cit., p. 19.
66 KASER, Max, Derecho romano privado, cit., p. 378.
67 Dois dos mais importantes representantes da Escola Histórica do Direito, Savigny e Puchta, se opunham à participação dos juízes na construção e no desenvolvimento jurídico de Roma, posicionamento imantado de carga ideológica, como demonstra James Q. Whitman (WHITMAN, James Q. The legacy of Roman Law in the German Romantic Era: historical vision and legal change. Princeton: Princeton University Press, 1990, pp. 130-131).
68 METZGER, Ernest. Roman judges, case law, and principles of procedure. Law and history review (separata), 2004, n.º 22/2, pp. 17-18.
69 Faz-se aqui alusão aos papiros descobertos no Egito durante o século XX, na área que fazia parte da antiga cidade de Oxyrhynchus. Como noticia H. F. Jolowicz, eles denunciam a prática de citar precedentes adotada por diversos iudices romanos (JOLOWICZ, H. F. Case law in roman Egypt. The journal of the Society of Public Teachers of Law. [s.l.]: [s.n.], 1937, n. 14, p. 2). Mas quando se fala em precedentes, não se está querendo dizer que as sentenças exaradas faziam direito às futuras decisões. Nesse ponto, a doutrina tradicional parece estar correta, já que a criação do direito não era ofício dos iudices, e tanto por isso qualquer manifestação comparativa ao case law anglo-saxônico é no mínimo absurda. Porém, como assevera Ernest Metzger, não é impossível a existência de juízes que, após a laicização do direito e com a crescente liberdade interpretativa, pudessem optar por posicionamentos jurisprudenciais diversos, escolher para sua sententia uma dentre as tantas opiniões dos jurisperitos à época existentes (METZGER, Ernest, Roman judges, case law, and principles of procedure, cit., p. 11).
70 ROMANO, Angela, Condanna "in ipsam rem" e condanna pecuniaria nella storia del processo romano, cit., p. 145.
71 É o que consta nas Institutas de Justiniano (4.6.30): In bonae fidei autem iudiciis libera potestas permitti videtur iudici ex bono et aequo aestimandi, quantum actori restitui debeat. In quo et illud continetur, ut, si quid invicem praestare actore oporteat, eo compensato, in reliquum is, cum quo actum est, debeat condemnati ("mas nas ações de boa-fé se entende que se atribui ao juiz a livre faculdade para estimar, segundo o bom e o eqüitativo, quanto se deva restituir ao autor. No que se compreende também que se a sua vez deve o autor pagar alguma coisa, feita a compensação, deva ser ordenado pelo resto contra quem se reclamou").
72 Assim noticia GUARINO, Antonio. La condanna nei limiti del possibile. 2. ed. Napoli: Jovene, 1978, p. 8.
73 Essa a opinião dos sabinianos, baseada no brocardo omnia iudicia absolutoria esse (Gaio, Institutiones, IV, 114), que garantiu sucesso frente ao entendimento dos proculeianos.
74 O devedor só teria seus bens constritos nos limites que pudesse suportar, sem que seus mínimos meios de sobrevivência fossem prejudicados (D'ORS, Álvaro, Derecho privado romano, cit., p. 164).
75 No processamento da bonorum venditio, o pretor expedia quatro diferentes ordens: em primeiro lugar, outorgava ao credor o poder de se apossar dos bens do devedor (decreto de missio in bona, mas com posse meramente conservadora e administradora dos bens, rei servandae causa); depois, determinava que os credores se reunissem e elegessem quem procederia à venda do patrimônio (o magister bonorum venderorum); a seguir, autorizava a venda; e, por fim, ordenava que a universalidade fosse transferida ao comprador depois que sua venda houvesse sido feita (Gaio, Institutiones, III, 79). Entre a primeira e a segunda ordens pretorianas, incumbia ao credor dar publicidade da tomada da posse e de sua futura alienação (ato chamado de proscriptio), para que a universalidade de credores do mesmo devedor se habilitasse ao recebimento da parcela que lhes incumbisse. De se assinalar, ainda, que o dinheiro da venda era repassado ao magister, que o dividia eqüitativamente entre os credores, de acordo com a quota de cada.
76 A possibilidade de oposição à execução (infitiatio) desdobrou-se historicamente da figura do vindex arcaico, que adentrava na relação processual enquanto garante, excluía o réu do feito e tomava seu lugar, já naquela época sujeito a uma sentença com duplum de condemnatio. Extirpado o vindex e universalizada a possibilidade de defesa própria do réu (com o desenvolvimento da chamada manus iniectio pura, onde o réu se colocava como vindex de si mesmo, manum sibi depellere et pro se lege agere), especialmente depois do advento de uma lex Vallia (Gaio, Institutiones, IV, 25), remanesceu a oportunidade de o executado se opor diretamente ao título executivo (ALBANESE, Bernardo, Il processo privato romano delle legis actiones, cit., pp. 43-44).
77 ENGELMANN, Arthur, History of continental civil procedure, cit., p. 380.

Extraído do CD Magister 28, ago/set 2009

Nenhum comentário: