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19 novembro 2009

ENTREVISTA DO PRESIDENTE DO STF SOBRE O JULGAMENTO DA EXTRADIÇÃO DE BATTISTI

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, afirmou, nesta quarta-feira (18), em entrevista a jornalistas, que o caso da extradição do italiano Cesare Battisti, julgado em Plenário pela Corte, é um caso complexo, atípico, que deve envolver outros desdobramentos. Para o ministro, ao contrário do que se vem afirmando, não havia precedentes na Corte sobre a questão. Confira a íntegra da entrevista:

Como fica a situação de Battisti se o Presidente da República decidir não extraditá-lo?

Ministro Gilmar Mendes - Vamos avaliar agora. Os senhores viram que o Tribunal deferiu a extradição e depois, examinando questão de ordem a partir do voto da ministra Carmen Lúcia, entendeu que haveria um caráter discricionário, que cabe ao Presidente [da República] fazer a avaliação. Isto também foi decidido por cinco a quatro. Vamos agora avaliar a situação, esperar os próximos dias. Está deferida a extradição e cabe agora ao Executivo fazer a devida avaliação e depois nós vamos estudar. É a primeira vez que essa questão se coloca, ao contrário do que vem se afirmando, não havia precedentes sobre essa questão, e o Tribunal decidiu nesse sentido, com esse quórum específico. Vocês sabem que estavam ausentes dois juízes que compõem a Corte, portanto, isto não significa que seja a posição definitiva da Corte sobre o assunto.

Não era melhor o Tribunal ter tratado essa questão como uma preliminar, porque ficou muito confuso: determina a extradição, depois determina que essa Corte não tem como determinar o que determinou?

Ministro Gilmar Mendes - Não é exatamente bem isso. Cuida-se a rigor de deferir a extradição e veio o debate sobre a entrega obrigatória ou não, porque neste caso tinha havido o refúgio, que também foi anulado. Subsiste a decisão do Tribunal de que o refúgio foi dado de maneira indevida, injurídica. Essa também é a decisão tomada pelo Tribunal. Foi por isso que essa questão se colocou. Em geral esse tema não se coloca. Às vezes tem se colocado incidentalmente. Nós até temos uma linguagem específica para dizer “esses casos” ou “aquele tal precedente da ministra Carmen Lúcia”. A rigor não era um precedente, era aquilo que nós chamamos obter dictum, “coisa dita de passagem”. Nunca houve no Brasil hipótese em que o presidente não cumprisse uma decisão do Supremo em matéria de extradição, esse incidente nunca se colocou.

Caso o presidente Lula não cumpra a decisão, de onde virá a revogação dessa prisão?

Ministro Gilmar Mendes - Certamente vamos ter aí outros desenvolvimentos, embargos declaratórios, essa questão eu coloquei inclusive no meu voto e depois isso foi ressaltado também pelo ministro Peluso. Portanto, temos aí aquilo que na linguagem jurídica se chama “aporia”, questões que não estão resolvidas e que certamente virão para que o Tribunal sobre ela se pronuncie.

Mas ele ficará preso?

Ministro Gilmar Mendes - Em princípio sim, a extradição está deferida, portanto está confirmada a prisão para extradição.

Qual a situação jurídica hoje do Battisti, já que o refúgio foi cancelado pelo Supremo?

Ministro Gilmar Mendes - Ele é um extraditando com extradição deferida.

Se o presidente da República decidir não extraditá-lo, o governo pode dar ao Battisti a condição de asilado?

Ministro Gilmar Mendes - Acho muito difícil diante dos pressupostos, mas essa é uma questão que não vou examinar no momento.

Mas ele continua preso?

Ministro Gilmar Mendes - Sim. Ele tem hoje o status de extraditando com extradição deferida.

O processo só se inicia com a publicação do acórdão, quando isso deve acontecer?

Ministro Gilmar Mendes - Deve ser o mais rápido possível.

O que deve acontecer se o presidente decidir que não vai extraditá-lo? Qual a situação jurídica?

Ministro Gilmar Mendes - É toda uma situação nova que se criou, embora tenha se dito que havia precedentes, e que eu imagino nem seja definitiva, diante da precariedade da maioria e da ausência de ministros, portanto isso não significa em princípio que essa decisão vai se repetir em outros casos, mas vamos examinar porque as perplexidades que os senhores têm, certamente, a comunidade jurídica tem.

Semanalmente, o STF decide vários pedidos de extradição. Por que nesse caso específico teve que definir se o Presidente tem a obrigação ou não de seguir a decisão do Supremo?

Ministro Gilmar Mendes - Exatamente, toda semana há vários processos de extradição e o Tribunal simplesmente julga procedente a extradição e manda fazer a comunicação. Neste caso específico, é claro que tem toda a conotação política envolvida. Este é um processo singular, como nós sabemos. Primeiro, houve o pedido de extradição, houve o decreto de prisão, depois houve o pedido de refúgio, prática que vem se tornando mais ou menos comum, como já era de se adivinhar, desde o caso Glória Trevi. Neste caso, o Conare, o órgão competente, técnico, negou o refúgio, entendendo que não havia os pressupostos legais. Houve um recurso para o ministro da Justiça. Este recurso está previsto na lei e foi provido, deferido. A partir daí surgiu essa discussão porque o Executivo, pelo Ministério da Justiça, já havia se manifestado no sentido de conceder o refúgio, portanto a partir daí é que veio esse debate. É uma questão séria porque o processo de extradição só se instaura aqui a partir do decreto de prisão. Quer dizer, se não se observar isto com rigor, nós podemos ter uma situação de grande instabilidade. Pessoas ficarão presas e depois poderemos ter casos de recusa. Estou certo que isto não vai se banalizar, mas é uma situação realmente preocupante do ponto de vista de segurança jurídica.

Quer dizer que o caso Cesare Battisti não acabou ainda?

Ministro Gilmar Mendes - Sem dúvida nenhuma nós vamos ter inúmeros desdobramentos, muito provavelmente. Este caso é heterodoxo, é atípico, a partir da própria concessão do refúgio e todos esses desdobramentos.

Fonte: STF

Nota do blog:

O blog já havia observado em post anterior que o STF não deveria abordar a questão do cumprimento da extradição porque se tratava, como se trata, de situação futura e inusitada. Infelizmente o STF caiu na esparrela da defesa e resolveu colocar o tema o que causou uma quase interminável discussão. A pressão sobre o ministro Ayres Britto parece que vingou mesmo porquanto ele, que havia acompanhado integralmente o relator, mudou sua posição no que respeita ao cumprimento da decisão da Corte pelo Presidente da República, invertendo o placar que havia sido obtido quando da decisão sobre a extradição. O imbróglio está formado. Haverá desdobramentos sobre os quais ninguém mais pode prever o que vai acontecer. A decisão do Supremo acabou comprometida, sem necessidade alguma disso. Resta aguardar o desenrolar dos fatos.

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