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19 novembro 2009

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERDADE E A POLÍTICA


Parte 1/2


Michelle Sanches Barbosa

Advogada; Assistente Técnica da Defensoria Pública-Geral do Estado de SP; Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos.

Sumário: 1 - Introdução. 2 – Verdade e Política. 3 - A verdade como matéria prima da mentira. 4 – O Sentido da Política. 5 – Fatos e Verdade. 6 – Liberdade de pensamento. 7 – Conclusão.

1. Introdução

Diariamente recebemos informações acerca da seara política através de diversos meios de comunicação, todavia, devemos questionar a qualidade e veracidade do que nos é transmitido. Temos direito à verdade dos fatos, assim como a garantia da aplicação da Democracia, no sentido pelo qual foi criada, ou seja, estabelecer um regime governamental onde o poder de decisões relevantes está concentrado nos cidadãos, através dos representantes por eles eleitos.

Todavia, não é exatamente isto que temos vivenciado. A proteção dos direitos da minoria não tem se mostrado prioridade por parte daqueles que deveriam garantir a igualdade através do poder que lhes foi conferido pelo povo, titular do direito ao voto e, portanto, da Democracia. Infelizmente, parece-nos que os valores se mostram invertidos. A organização do Estado Ocidental contemporâneo trouxe a idéia de aproximação de pessoas e governantes. Desse modo, a Democracia ainda está em processo de construção e assim deve ser concreta e real, não apenas parecer uma Democracia, para que o meio social não termine sendo palco de um jogo de interesses. "O Poder político real deve ser estudado, compreendido e, muitas vezes, combatido, pois ele pode ser obstáculo à implementação do Direito das pessoas".

A Democracia não pode ser uma ficção. Faz-se necessário que a sociedade tenha real e efetiva participação no cenário político, exercendo seus direitos e manifestando opiniões, para que não fique à margem da esfera política, à mercê daqueles que colocaram no poder, atuando como meros expectadores da atividade política, como se não fossem diretamente afetados pelos atos oriundos dos representantes da Democracia.

Questão relevante se apresenta ao questionarmos o porquê da sociedade se afastar do sistema político, a maioria informando a si próprios de que não possuem interesse ou alegando desconhecimento acerca do assunto. Desse modo, é preciso que as pessoas se interessem pelo poder que deram aos governantes, que manifestem atitude política e busquem conhecê-la, sair da zona de conforto ou do lugar comum proferindo frases vazias de desinteresse ou falta de conhecimento. Nas palavras de Lippman – a "horda perplexa", a "teoria democrática" moderna, o papel do público, é o de espectador, não de participante.

Talvez por isso muitas pessoas busquem solidificar suas crenças em outros setores, que acabam por aliená-las ainda mais.

A sociedade que não participa da atividade pública, devotando-se a atividades alheias, colabora para que os detentores do poder tenham mais liberdade para levarem as coisas como desejam. "O ponto de partida é a afirmação de que o sistema político se afastou de nós, e só pede nossa presença de vez em quando, para deixar o nosso voto e depois voltar para casa".

A grande questão é até que ponto as pessoas suportarão serem reprimidas, enganadas e oprimidas. "A democracia produz pessoas autênticas. Esta é a principal conseqüência de uma sociedade democrática – pessoas autênticas".

E pessoas autênticas são também questionadoras, transformadoras e revolucionárias. Quanto mais estudam, descobrem, participam e fiscalizam, mais questionadoras se tornam e não aceitam qualquer idéia que lhe queria ser imposta.

Desta maneira, menor será a chance de serem enganadas, iludidas e assim transferirem o seu poder para as mãos de outrem, e mesmo se isso ocorrer, como no caso do voto, elas aprendem a cobrar o que lhes foi prometido, não aceitar verdades impostas, mas sim começar a mostrar ao mundo o poder que possui aquele que conhece a sua própria verdade.

2. Verdade e Política

A busca da verdade está presente em todos os setores da vida do ser humano.

É uma realidade. Verdade e política também se confundem em 1984, fundidas em um único ideal de manipulação, a obra teve como base o regime totalitário para controlar a vida das pessoas, assim como sentimentos, atos, pensamentos e sensações.

Todos querem a verdade, em muitos sentidos, mas nem todos estão dispostos a sustentar esta busca e nem preparados para encará-la de frente.

Há situações em que não se podemos atuar de acordo com nossas crenças e ideais, quando isso ocorre, mesmo que contra nossa vontade, acabamos por depositar nossas verdades nas mãos de pessoas que, acreditamos, tenham verdades parecidas ou iguais às nossas, como acontece na seara da política.

3. A verdade como matéria prima da mentira

Nesta esteira, a verdade fabricada se torna a matéria prima da mentira que será utilizada por aqueles que estão no poder, talvez esqueçam que o poder não é eterno, mas lutam por ele como se fossem imortais. Através da verdade mal conduzida é possível a organização da mentira como base de sustentação de verdades ocultas.

Mentira organizada nunca foi incluída entre as virtudes políticas. A sociedade que aderiu à mentira organizada nada contribui para a mudança do mundo, todavia, quando uma pessoa que conta a verdade resolve agir, embora possa não sobreviver, será um primeiro passo rumo à transformação do mundo.

Desse modo, mesmo que toda a sociedade esteja mergulhada no sono profundo da crença, é necessário que surja alguém com novas verdades, que a faça despertar, questionar, transformar, pois uma sociedade que aceita passivamente idéias alheias torna-se deficiente, estagnada e não evolui. Mesmo que a princípio o despertar ocorra através de pensamentos de outrem, se o homem conseguir descobrir em si a semente do conhecimento, já será um grande passo rumo à sua liberdade, evolução e descoberta da verdade.

4. O Sentido da Política

O sentido da política não ocupa o mesmo espaço no pensamento dos homens como seus desejos de poder. Para eles o que importa é o produto final, que significa estar revestido de poder, não há relevância no fato de que a política foi criada para o bem comum, sendo exercida por homens que honrarão tal finalidade.

Todavia, há uma resposta simples, que torna qualquer outra desnecessária, porém, atualmente não é muito clara, já que não é questionada. O sentido da política é a liberdade. "Se a política traz um desastre e não se pode eliminá-la, então só resta o desespero, ou, conforme o caso, a esperança de que nada será comido em temperatura superior àquela em que foi cozido – uma esperança um tanto insensata em nosso século, uma vez que, desde a Primeira Guerra Mundial, cada um dos pratos que nos foram servidos pela política teve de ser comido em temperatura consideravelmente mais quente do que aquela em que seus cozinheiros tiveram idéia de prepará-los". "Se é verdade que a política não é nada além do que é infelizmente necessário para a preservação da vida da humanidade, então com efeito ela começou a ser liquidada, ou seja, seu sentido transformou-se em falta de sentido".

A política perdeu seus ideais ao se perdeu na imposição de verdades e interesses individuais, o que acabou por formar homens poderosos, dotados de amnésia democrática, que não mais possuem a sensibilidade de olhar para outros homens a ponto de sentir compaixão, não conseguem enxergar o sentido da política na sociedade como um todo, o social é o seu próprio bem, sua realidade. "O que acontece com a política? Ela desaparece do argumento depois dos primeiros comentários a respeito de sua insignificância".

E por mais que os homens "comuns" tentem realizar mudanças, estas são interrompidas, a igualdade política é conhecida entre os que se consideram iguais em poder e manipulação.

Processo histórico de iniciativas humanas tem demonstrado que ele é continuamente rompido por novas iniciativas. Os homens que transferem seu poder a outrem não ficam vazios, resta-lhes ainda o poder de sonhar e de ter esperança e é justamente nesta força que eles se apóiam para aguardar milagres alheios que podem transformar sua existência. "O milagre da liberdade está inserido nesse poder iniciar, que, por sua vez, está inserido no fato (Faktum) de que todo homem, ao nascer, ao aparecer em um mundo que estava aí antes dele e que continuará a ser depois dele, é, ele mesmo, um novo início". "Se o sentido da política é a liberdade, então isso significa que nós, nesse espaço, e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter a expectativa de milagres". "A questão de se a política ainda tem de algum modo um sentido remete-nos necessariamente de volta à questão do sentido da política; e isso ocorre exatamente quando ela termina em uma crença nos milagres – e em que outro lugar poderia terminar?"

Extraído de Newsletter Magister 985.

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