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09 novembro 2009

STF CARNAVALIZA RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

O Supremo Tribunal Federal vem transformando a decisão de recebimento da denúncia num julgamento antecipado do inquérito policial. A patética sessão que rejeitou a denúncia contra o deputado federal Antonio Palloci Filho foi uma clara demonstração dessa inusitada postura do STF. Absolver sumariamente o maior responsável e único interessado pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa foi um dos episódios mais tristes da história do Supremo.

Como disse o ministro Marco Aurélio, tratava-se de um caso que “qualquer juiz receberia a denúncia com os pés nas costas”. Mas em se tratando de um ex-ministro, deputado federal reeleito, apesar dos inúmeros processos em que se envolveu, era preciso “valorizar” a decisão.

Agora, no caso do caixa 2 mineiro, o ministro Joaquim Barbosa levou duas sessões inteiras - dois dias - para relatar e apresentar seu voto. Ora, o voto já havia sido distribuído para os demais integrantes da Corte, mas parece que ninguém lê. Ademais, as luzes da TV e da mídia exigem exposição prolongada ao menos para satisfazer vaidades pessoais. A densa, interminável e repetitiva leitura era absolutamente desnecessária para tal tipo de decisão que, aliás, foi procrastinada pelo pedido de vista do novel ministro Dias Toffoli. No mínimo, mais uma sessão será necessária para os supremos ministros decidirem se recebem ou não a denúncia. Por essas e outras o STF não consegue julgar as ações criminais originárias. Geralmente vão à prescrição. Daí a razão porque os que detêm foro privilegiado dele não abrem mão.


A propósito, o ministro Marco Aurélio concedeu entrevista à jornalista Marcela Rocha, do Terra Magazine, na última sexta-feria (6/11) em que chama a atenção para esse desperdício de tempo e dinheiro público. Suas críticas são pertinentes, mas, ele próprio também não está isento delas. Este ano o ilustre ministro protagonizou dois episódios em que altera deliberadamente o andamento dos processos. O primeiro, no caso da disputa do menino norte-americano Sean, em que concedeu uma medida liminar em ADPF para atender a família brasileira enquanto os interessados providenciavam outra liminar no TRF-2 (RJ). Era tão insustentável tal proceder que ele próprio retornou com o processo ao plenário revogando sua própria liminar e extinguindo o processo por absoluta inadequação do pedido. O segundo é o caso da extradição do italiano Cesare Battisti. Sendo o último a votar naquela sessão (dado o impedimento declarado do ministro Celso de Mello de funcionar naqueles autos e por isso nem lá compareceu), pediu vista, interrompendo o julgamento. Alegou que precisava “abrir o embrulho”, quando na verdade o que queria era ganhar tempo para esperar o novo ministro a ser indicado por Lula e que em Brasília já sabiam àquela altura que seria o Toffoli, tanto que este, estranhamente, ainda na AGU, não compareceu para fazer sustentação oral, mandando uma outra advogada da União em seu lugar. Jamais faria isso se não já tivesse sido convidado pelo Lula. Naquela sessão a votação estava 4x3 pela extradição. Pelos apartes, era evidente que o ministro Marco Aurélio votaria, como ao que tudo indica votará contra a extradição. E o presidente Gilmar Mendes decidiria a questão votando pela extradição. A votação seria 5x4 pela extradição. Agora, só Deus sabe o que poderá acontecer. Entretanto, se o ministro Toffoli se achar “isento” poderá votar e se votar, tudo indica que votará contra a extradição. Haverá empate e isso beneficiará a defesa. Essa votação deixará o STF numa verdadeira saia justa. E não haverá qualquer expulsão por causa disso, como a UNIBAN fez com a moça do vestido curto...


Leia abaixo a entrevista do ministro Marco Aurélio:

Foto José Cruz/Agência Brasil



Terra Magazine - Como o senhor avalia o andamento da denúncia feita contra o ex-governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Azeredo (MG)?


Marco Aurélio Mello - Tinha várias pessoas envolvidas, cerca de 14, ou 15, diferente do que ocorreu com o mensalão. O caso atual foi desmembrado e, os que não têm prerrogativa de foro foram enviados aos tribunais regionais. Ficou no STF apenas o inquérito contra Azeredo.

Por ter foro privilegiado.
É prerrogativa de foro, não sei se é privilegiado, eu, por exemplo, não gostaria de ser julgado em tacada única. (Risos) Começamos a apreciar. A fase, em que pese a extensão do voto, é embrionária.

Por quê?
Porque só vamos decidir se vamos receber ou não a denúncia para darmos início à ação penal. Nesta fase, a legislação se contenta com a materialidade do crime, a historinha contada na denúncia, se há crime e se há indícios. Atentai, se há indícios e não provas de autoria. Por exemplo, quando questionaram esse recibo ontem e o ministro Toffoli pediu vistas, o recibo poderia ser muito importante para uma eventual condenação.

Mas a defesa levanta a possibilidade de falsificação da assinatura do senador neste recibo...
Mas isso não tem, no contexto, um significado maior, porque se existirem outros indícios, a denúncia é recebida. Ou seja, em última análise, não será a conclusão sobre a falsidade ou não desse recibo que levará o Tribunal a não receber ou a receber a denúncia. Isto não cabe porque, pelo voto, nós ficamos dois dias e isso é algo que não entra na minha cabeça. No mensalão ficamos quatro dias, no mensalinho, dois.

É pouco?
Não, é muito. É muito. Porque na primeira instância recebemos a denúncia em meia dúzia de linhas. É uma fase muito, muito embrionária. Não tem que mergulhar fundo para receber ou não receber a denúncia, basta que aponte: Se a história contada pelo Ministèrio Público (MP) configura crime, se não há prescrição, se a petição permite a defesa, se a denúncia não é inepta e se há indícios do envolvimento, não só daqueles que estão só na primeira instância e o principal, no caso, é apontar se há indícios ou não contra o senador.

Sobre o tempo...
Eu acho que o tempo que tomou deixou a sessão prejudicada, os demais jurisdicionados que estão na fila aguardando o pregão dos processos. Nós não fizemos outra coisa, eu me senti um inútil ali, sentado. O meu tempo é tão escasso, eu tenho tanta coisa de envergadura maior para cuidar. Não dá para ficarmos dois dias nesse processo para chegarmos à conclusão de se recebe ou não a denúncia. Agora, quanto ao pedido de vista pelo ministro Dias Toffoli, é tradição na Corte não se questionar pedido de vista de colega.

O senhor teria pedido vista?
Não. Eu estava pronto para votar.

Ah é?
É, e mais não posso falar. Se chegasse a minha vez eu estaria pronto para votar. Agora, ele (Toffoli), mais novo, sem canja, fica complicado mesmo. Inclusive eu propus que não houvesse essa ordem de votos, do mais novo para o mais velho, e sim começar pelo que segue o relator em questão de antiguidade. É preciso alternância e o pobre do mais novo não pode ser a bucha de canhão. Se a ordem fosse diferente, talvez Toffoli não teria pedido vista.

O ministro Joaquim Barbosa disse que cogita julgar os dois mensalões juntos. O senhor tem acordo?
Quem comanda o processo de início é o relator. Se ele declarar que ambos são, de início, aparelhados para julgamento, ele colocará os dois casos na mesma sessão e teremos uma sessão quilométrica.

Sim, dez dias...
(Risos) Olha, não é fácil. Para quem tem o espírito irrequieto como o meu, ficar sentado ouvindo, ouvindo, ouvindo... não é fácil. Eu levo muita coisa para fazer na bancada.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), disse (aqui) que o tratamento dado ao mensalão é diferente do tratamento dado ao mensalão tucano, não por parte do STF.
De início eu excluo esse enquadramento. Ontem, por exemplo, o ministro Joaquim disse: "Nós temos que ser rigorosos". Eu disse que rigorosa é a lei, nós temos que ser equidistantes e aplicar a lei. Um juiz não é um justiceiro, ele aplica a lei. Processos para mim não têm capa, têm conteúdo. Então, eu não destínguo se é PT, PDT, PSDB, PMDB, PTB. Se eu o fizer, estarei menosprezando o princípio maior da magistratura que é equidistância e independência. É bom ressaltar isto.

Por quê?
Porque a turma fica pensando que nós estamos julgando o senador. Não estamos julgando o senador, só estamos definindo se, em prol da sociedade, o MP tem o direito, ou não, de comprovar a procedência do que ele veiculou na denúncia. Ou seja, vamos dar início ao jogo, vamos dar o ponta-pé inicial e se a situação é ambígua, a decisão, segundo a jurisprudência, é no sentido de apurar. Mas, quando não há indício algum, não se recebe. Ou seja, em cem casos, deixa-se de receber 2% das denúncias, essa é a regra em primeira instância.

O STF vai acabar aceitando, então?
Olha, não sei. Vamos ver. Isso depende da concepção de cada qual. Como de cabeça de juiz, pata de cavalo e barriga de mulher, podemos esperar qualquer coisa, temos que aguardar que cada qual se manifeste.

Tanto o Azeredo quanto o Berzoini reclamaram do termo "mensalão". É legítimo?
Não é o caso de se falar em mensalinho para este caso do Azeredo, pois não havia parcelas para orientar as votações. No caso do mensalão, não há suspeitas de que havia. Realmente é impróprio falar-se em mensalinho. É o tal do diabo do financiamento misto. Por isso é que eu sempre digo que sairá muito mais barato para a sociedade brasileira se o funcionamento for estritamente público e com proibições categóricas e sérias. Chamar de mensalinho é dar um título para leigos, como se faz com as operações da Polícia Federal. Isto não tem o menor significado quanto à decisão a ser proferida. Nesse caso do Azeredo, não há a satisfação mensal ou periódica de valores a parlamentares. No caso do mensalão, houve essa verba, aí o termo seria mais adequado na visão leiga e não na nomenclatura jurídica.

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