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10 novembro 2009

DANO MORAL NA SEPARAÇÃO JUDICIAL, DIVÓRCIO E UNIÃO ESTÁVEL


Parte 2-Final


BELMIRO PEDRO WELTER*
Promotor de Justiça – RS

Concordamos com a corrente minoritária que admite a indenização do dano moral na ação de separação judicial ou união estável litigiosa e com culpa (artigo 5º, cabeço, da Lei nº 6.515/77, por grave infração dos deveres do casamento ou conduta desonrosa), podendo o pedido ser cumulado, ou não, desde que observado o seguinte:

a) o pedido de separação judicial ou dissolução de união estável e/ou indenização por dano moral deve ser ajuizado logo após a ocorrência da conduta culposa, sob pena de incidir o perdão do cônjuge ofendido, que impede o exercício do direito indenizatório, pois, nesse caso, “a inércia temporal conspira contra a invocação da causa da separação e faz com que os resíduos conflituosos não mais transpirem em processos nos quais a fática e já enfadonha ruptura transformou- se em silenciosa resignação”(6);

b) é exclusiva do cônjuge ou convivente inocente a demanda indenizatória de dano moral. Se recíproca a culpa, inviável o pedido, já que ambos terão parcela de culpa;

c) o pedido de indenização por dano moral pode ser examinado tão-só na separação judicial ou união estável litigiosa e com culpa, em que se discute a grave infração aos deveres do casamento ou conduta desonrosa; e

d) a conduta do cônjuge culpado deve ser tipificada como crime, ofensiva à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia, na medida em que somente uma grave ofensa a bem jurídico, que o legislador elevou à categoria criminosa, é que poderá resultar em indenização de dano moral, devendo-se formatar corte vertical nas Resumindo, é admissível a indenização de dano moral no casamento e na união estável, desde que observados os seguintes critérios objetivos e subjetivos:

01) a ação de separação judicial ou dissolução de união estável e/ou indenização por dano moral deve ser ajuizada logo após a ocorrência da conduta culposa, sob pena de incidir o perdão do cônjuge ofendido;

02) o direito ao dano moral é exclusivo do cônjuge inocente;

03) o pedido somente é possível na ação de separação judicial ou dissolução de união estável litigiosa e com culpa;

04) a conduta do cônjuge culpado deve ser tipificada como crime;

05) o comportamento delituoso deve ser ofensivo à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal- estar e angústia.

Com isso, devem ser afastados os argumentos lançados pela dominante corrente jurisprudencial, pelas seguintes razões:

01) o fato de não haver disposição expressa em lei não impede o reconhecimento do dano moral, porque a Justiça não pode aguardar a boa vontade do legislador, cabendo à doutrina e à jurisprudência acompanharem as transformações sociais, como foi feito, por exemplo, com a união estável, em que tribunais pátrios, bem antes das Leis da união estável, nºs 8.971/94 e 9.278/96, portanto sem disposição expressa em lei, outorgavam os direitos dos casados aos conviventes(7);

02) hoje em dia, não se pode mais dizer que “o eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e danos, como nas obrigações, porque dá ensejo à separação judicial e posterior divórcio, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge culpado”, isso porque, segundo tranqüila doutrina e jurisprudência, não vigoram, desde a Constituição Federal de 1988 e das Leis nºs 7.841/89 e 8.408/92, as disposições da Lei do Divórcio quanto à aplicação de sanções patrimoniais, ao invés de indenização por dano moral, pelo seguinte:

02-a) a obrigação de prestar alimentos é controvertida no direito brasileiro, na medida em que respeitável corrente doutrinário- jurisprudencial alberga a teoria objetiva da obrigação alimentar, isto é, não mais se inquire da culpa, e sim apenas da necessidade da pensão alimentícia;

02-b) a partilha do patrimônio é efetivada de acordo com o regime de bens, escolhido antes do casamento, sendo de todo impertinente o exame da culpa pela separação, pois a partilha é “realizada com a adoção de critérios objetivos definidos por lei”(8);

02-c) a culpa não mais interfere na guarda dos filhos, de vez que, há muito tempo, vige o princípio da prevalência dos interesses dos menores, pelo que, em tese, o cônjuge culpado pela separação pode permanecer com a guarda dos filhos;

02-d) a culpa também não tem nenhuma ingerência no nome dos cônjuges, a contar da Lei nº 8.408/92, que alterou o parágrafo único do artigo 25 da Lei do Divórcio, nos seguintes termos:

"A sentença de conversão determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se a alteração prevista neste artigo acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido em decisão judicial", ou, segundo tese que edificamo(9), os separandos ou divorciandos, em qualquer caso, deverão adotar o nome de solteiro.

Na doutrina(10) e na jurisprudênci(11) encontram-se algumas causas de separação judicial litigiosa com culpa e que, entre outras, ensaiam, segundo pensamos, o direito à indenização por dano moral, já que os atos praticados são delituosos, ofensivos à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia:

01) tentativa de homicídio perpetrada por um dos cônjuges contra o outro (artigo 121, c/c artigo 14, II, do CP);

02) estupro praticado pelo marido contra a mulher (artigo 213 do CP);

03) extorsão mediante seqüestro contra o cônjuge (artigo 159 do CP);

04) roubo contra o cônjuge (artigo 157 do CP);

05) extorsão contra o cônjuge (artigo 158 do CP);

06) reduzir o cônjuge a condição análoga à de escravo (artigo 149 do CP);

07) seqüestro e cárcere privado contra o cônjuge (artigo 148, par. 1º, I, do CP);

08) lesão corporal dolosa contra o cônjuge (artigo 129 do CP);

09) calúnia, difamação e injúria, de tal envergadura, que reflita, desastrosamente, na reputação o parceiro, em sua atividade profissional e social;

10) constranger o cônjuge, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda (artigo 146 do CP).

Nesses casos não é pretendido, como quer parte da doutrina e da jurisprudência, que o amor seja indenizado, mas, sim, que seja reparado o dano causado ao cônjuge inocente e vítima de conduta criminosa, ofensiva à sua integridade moral, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia. O crime desonra o agredido, acarretando-lhe, “um dano moral, aliás, muito mais relevante em se tratando de agressão de um cônjuge contra o outro”, porquanto “se o marido empurra a mulher, arranca-lhe os cabelos, esbofeteia-a, derruba-a ao solo, fere- a, terá praticado sevícia. Um homem que bate na mulher, dizia Catão, coloca ímpias mãos sobre o que ele tem de mais sagrado”(12).

No terceiro milênio, não se pode aplicar o princípio da efetividade do Direito com base em Lei laborada há mais de um século, porque mudaram os tempos, transformaram-se os costumes, redefiniram-se novos valores éticos e morais, tendo-se abandonado o tempo em que a mulher absorvia silenciosamente as agressões físicas e morais de seu cônjuge, e tudo em nome do amor e da manutenção da unidade familiar. Por isso, não se pode comungar com o desmatamento do direito ao dano moral, em vista de importar pagamento do amor. Não se está reclamando pecúnia do amor, e sim pagamento contra aquele que se aproveitou da relação jurídica que envolvia o amor para causar graves ofensas delituosas, morais e dor martirizante, justamente contra aquele que jurou amar, mas, ao contrário, com a sua conduta tóxica, confiscou-lhe a honra e a própria dignidade humana, princípio elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, da CF).

Notas do Autor:

6 - Expressão utilizada por ROL MADALENO, art. cit., p.65.
7 - a) RJTJRS 167, p.323, rel. Des. PAULO HEERDT, em 01.06.94; b) RJTJRS 170, p.261, rel. Des. WALDEMAR LUIZ DE FREITAS FILHO, em 21.12.94; c) Decisão da 7ª CCv. do TJRS, em 12.04.95, ap. nº594143604, rel. Des. ALCEU BINATO DE MORAES; d) RJTJRS 165/230, em 18.03.93, rel. Des. LUIZ FELIPE AZEVEDO GOMES; e) RJTJRS 167/392, em 11.08.94, rel. Des.ELISEU GOMES TORRES; f) RJTJRS 170/261, em 21.12.94, rel. Des. WALDEMAR LUIZ DE FREITAS FILHO; g) RJTJRS 170/296, em 10.11.94, rel. Des.ELISEU GOMES TORRES; h) Verbete 382 da súmula do STF: A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato; i) 8ª CCv. do TJRS, relatora Desa. MARIA BERENICE DIAS, citada por NOEMIA ALVES FARDIN, em “Concubinato”, Ed. Livraria do Advogado, 1995, p.135; j) 7ª CCv., em 28.09.94, rel. Des. WALDEMAR L. FREITAS FILHO, RJTJRS 168/238.
8 - Ap 84.994-4/4, 6ª Câm. – j. 05.11.1998 – rel. Des. Antonio Carlos Marcato, RT 761/236.
9 - BELMIRO PEDRO WELTER, em artigo sobre “O nome da mulher no casamento e no divórcio”, na Revista dos Tribunais 766/133.
10 - YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit., 1995, pp.364 a 470; MARIA HELENA DINIZ, em “CC Anotado”, Saraiva, 1995, pp.275 a 280; THEOTONIO NEGRÃO, em “CPC...”, 1999, 30ª ed., Saraiva, em notas de rodapé à Lei do divórcio; SEBASTIÃO AMORIM e EUCLIDES DE OLIVEIRA, em Separação e Divórcio”, Leud, 1997, 4ª ed, pp.163-6; JOÃO ROBERTO PARIZATTO, em “Divórcio e Separação”, Ed. Direito, 1997, pp.22-8; ARNALDO RIZZARDO, em “Direito de Família”, T. II, 1994, Aide,, pp. 432 a 456; ORLANDO GOMES, em “Direito de Família”, Forense, 7ª ed., 1994, pp.227 a 242.
11 - RT nºs 653/98; 594/106; 676/94; 652/68; 656/87; (Ap. nº 596151357, 7ª CCv. do TJRGS, Rel. Des. Paulo Heerdt, j. 11.12.96, un.); (Ap. nº 294090485, 3ª CCr. TARGS, Rel. Sylvio Baptista Neto, 25.04.95); RT 614/68; 609/71; 606/108 e 596/105.
12 - WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, citado por YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit., 1995, 8ª ed., p.395.

*Autor dos livros: 01) FRAUDE DE EXECUÇÃO; 02) ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL; 03) TEMAS POLÊMICOS DO DIREITO MODERNO; 04) ESTATUTO DA UNIÃO ESTÁVEL; 05) INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE (2 Tomos), publicados pela Editora Síntese; 06) DIREITO DE FAMÍLIA: questões controvertidas; 07) SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO, (todos publicados pela Editora Síntese)

Publicado originalmente em juspodvum e reproduzido no site BuscaLegis, de onde foi extraído.

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