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11 setembro 2009

VERACIDADE DOS FATOS: O ÔNUS DA RÉPLICA PARA O AUTOR



Clito Fornaciari Júnior
Mestre em Direito; Advogado.

O ônus é instituto fundamental para o andamento do processo, de vez que impõe, objetivando persuadir a parte a agir, consequências desfavoráveis aos que não cumprem as faculdades que lhe são asseguradas pela lei processual. É um imperativo do interesse próprio, como diz COUTURE (Fundamentos de Direito Processual Civil, Saraiva, 1946, página 120), na linha de quem FERNANDO HELLMEISTER CLITO FORNACIARI (Ônus da prova no processo civil, dissertação de Mestrado, USP, 2005, página 46) conclui que o não atuar também representa manifestação válida, mas que repercute sobre a parte que possui o ônus desfavoravelmente, associando, pois, a ele a ideia de risco.

A concepção de ônus permeia diversos institutos de processo, realçando-se diante daqueles para os quais o sistema reserva o contraditório, chamando a parte adversa para se manifestar acerca do quanto apresentou seu litigante. Básica sua presença na contestação, cuja falta importa veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 319); no dever de exibição de documento, cuja ausência faz com que se repute verdadeiro aquilo que com o documento se pretendia provar (art. 359); na ausência para prestar depoimento pessoal, hipótese à qual se associa a confissão ficta (art. 343, § 2º). Nesses exemplos, o efeito negativo está previsto expressamente na lei, mas também para outras situações, que não tenham igual regra, não se pode negar a ocorrência do malefício.

Decisão da 14ª Câmara de Direito Privado do TJSP foi chamada a apreciar esta matéria, de vez que alegação de fato extintivo do direito do autor (pagamento), associada à demonstração de impossibilidade da prova material da quitação, dada a fraterna ligação entre as partes (art. 402, II, do CPC), ficou sem impugnação do autor. Sobreveio, contudo, decisão, relatada por VIRGÍLIO DE OLIVEIRA JÚNIOR (AC 1.308.533-3, julgado em 15.10.2008 – Fonte: DVD Magister, volume 25, ementa 65336328, Editora Magister, Porto Alegre, RS), que procurou explicar que petição inicial é petição inicial e contestação é contestação, de modo que a veracidade do não impugnado "não ocorre com relação ao autor por não ter ele na réplica se manifestado sobre os fatos narrados na contestação, até porque a defesa não substitui, de forma alguma, a petição inicial". A questão exigia uma abordagem mais profunda.

A defesa do réu, na contestação, não está gizada para ser restrita à negação do quanto afirmado pelo autor. Pode trazer ocorrências novas, que, por não terem sido consideradas até então, desafiam um necessário contraditório, ensejando oportunidade de manifestação para o autor, ao qual se impõe, como decorrência da faculdade que se lhe confere, um ônus, cujas consequências sobre ele recairão, na medida em que não se desincumbir a contento do quanto afirmado pelo adversário.

Não fora a imprescindibilidade do contraditório imposta pelo CPC, haveria de se considerar, na linha sustentada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, a potencialidade de fato dessa ordem afetar de modo negativo o direito do autor, comprometendo a eficácia do fato constitutivo: "o réu faz uma defesa substancial indireta, quando opõe à pretensão do autor a alegação de um fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que este alega ter. Esses fatos atuam negativamente sobre o direito e, cada um deles a seu modo, todos comprometem a eficácia do fato constitutivo alegado pelo autor – sendo todos eles, portanto, dotados de eficácia favorável ao réu" (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, 3º vol., 2ª edição, 2002, n. 1.068, página 466).

Essa "eficácia favorável ao réu" impõe que se assegure, como estabelecido pelo art. 326 do CPC, oportunidade para a manifestação do autor, com direito até à produção de prova, referindo-se a lei apenas à documental, pois esta, em tese, como teria que ser contemporânea à inicial, já estaria preclusa.

A atuação do autor é fundamental para que restaure a higidez de sua postulação, pois, se a alegação guarda eficácia favorável ao réu, evidente que a derrubada dessa reclama atuação do autor, contrapondo-se ao afirmado, sob pena de gerar alguma consequência processual, que, no caso, seria a aceitação do afirmado como verdade. É nessa linha também a posição de JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, quando ensina, sob o prisma dos fatos a provar: "Deixando o autor fluir em branco o prazo decendial, fica o réu dispensado de fazer prova a respeito dos fatos novos alegados e que foram opostos na contestação, posto que desnecessária a produção probatória acerca de questões incontroversas" (Comentários ao Código de Processo Civil, RT, 4º vol., II tomo, 2ª edição, 2006, página 457).

Evidente que o reconhecimento da veracidade do fato novo, com força extintiva do direito do autor, alegado sem oposição da parte contrária, é decorrência do sistema, que reputa verdade o não impugnado, não se restringindo ao quanto afirmado na inicial, mas também àquilo que tenha sido trazido na contestação pelo réu e acerca do qual se dava ao autor o direito de manifestar-se. À sua omissão há de se associar alguma consequência, que caminha, salvo em se cuidando de direito indisponível, de fato que exige prova indisponível ou de alegação que fuja da verossimilhança, à veracidade do não impugnado.

O ônus da prova dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor é do réu (art. 333, II, do CPC). Todavia, o silêncio do autor sobre o fato extintivo deduzido pelo réu implica o mesmo efeito que se tem a partir do silêncio do réu acerca do fato constitutivo do direito do autor. O fato torna-se incontroverso e não precisa ser provado. A previsão de direito de manifestação ao autor sobre o fato novo, não fora para lhe trazer efeito negativo diante do silêncio, seria inócua e até quebraria o princípio da igualdade, isso porque, até esse instante, as partes falaram nos autos igual número de vezes, de modo que a nova oportunidade conferida ao autor não é de ser vista como uma simples homenagem, mas um ônus processual, que carrega efeitos, se não for atendido.

Portanto, não é, como equivocadamente lançou o acórdão, que a questão transforma o autor em réu e o réu em autor. O que se dá é apenas a vazão para que o réu se safe do quanto se lhe exige com uma alegação nova, que há de lhe ser permitida, por existirem ocorrências com o condão de nublar o direito do autor, mesmo que tudo quanto tenha sido por ele afirmado seja verdadeiro. As partes não se transmudam, simplesmente porque o sentido da presença e da alegação do réu ainda é somente confinada a buscar a improcedência da ação, não havendo possibilidade de se lhe dar nada, além disso.

Extraído de Newsletter Magister no. 958

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