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08 setembro 2009

SAP - O LADO SOMBRIO DA SEPARAÇÃO


Denise Maria Perissini da Silva*
Psicóloga clínica e jurídica em São Paulo (SP).

Nos processos judiciais de separação/divórcio envolvendo questões de guarda de filhos é comum que o genitor não-guardião (geralmente o pai) se queixe de que o genitor guardião (a mãe) dificulte ou impeça as visitas dele aos filhos, sob as mais variadas alegações. A partir daí, o comportamento do(s) filho(s) se altera passando do amor, saudade, carinho e companheirismo para a aversão total sem que tenha havido algum acontecimento real que motivasse tal mudança. Quando isso acontece, instaura-se um fenômeno cujo nome é novo, mas a situação é mais comum do que se possa pensar: a síndrome de alienação parental (SAP).

Segundo o psiquiatra norte-americano Richard Gardner (1998), a alienação parental é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um de seus genitores (o genitor não-guardião) sem justificativa, por influência do outro genitor (o genitor guardião), com quem a criança mantém um vínculo de dependência afetiva e estabelece um pacto de lealdade inconsciente. Quando essa síndrome se instala, o vínculo da criança com o genitor alienado (não-guardião) torna-se irremediavelmente destruído. Porém, para que se configure efetivamente esse quadro, é preciso estar seguro de que o genitor alienado não mereça, de forma alguma, ser rejeitado e odiado pela criança, através de comportamentos tão depreciáveis.

A SAP se opera pela mãe, pelo pai ou, no pior dos casos, pelos dois. Geralmente é a mãe quem fica mais tempo com as crianças, o que permite com que exerça influência e “programe” os filhos para evitar contatos com o pai. O afastamento físico do homem para prover o sustento da família, e mais tarde a pensão alimentícia, também contribui para o afastamento emocional – terreno fértil para a instauração da síndrome. Mas a SAP também pode ser instaurada pelo genitor não-guardião, que manipula afetivamente a criança nos momentos das visitas para influenciá-las a pedir para ir morar com ele – dando, portanto, o subsídio para que o alienador requeira a reversão judicial da guarda como forma de vingança contra o ex-cônjuge e/ou afirmar-se socialmente como “bonzinho”.

“A síndrome age sobre duas frentes: por um lado, demonstra a psicopatologia gravíssima do genitor alienador que, como será visto adiante, utiliza-se de todos os meios, até mesmo ilícitos e inescrupulosos, para atingir seu intento; por outro, o ciclo se fecha quando essa influência emocional começa a fazer com que a criança modifique seu comportamento, sentimentos e opiniões acerca do outro pai (alienado). Nesse processo, ocorrem graus de ambivalência de sentimentos; a criança sente que precisa afastar-se do pai porque a mãe tem opiniões ruins a respeito dele, mas também se sente culpada por isso. Aos poucos, porém, essa ambivalência vai diminuindo, e a própria criança contribui para o afastamento. Ela também é responsável por estabelecer os diferentes graus de intensidade da SAP, necessitando, portanto, de diferentes recursos de intervenção profissional para deter sua ação e reverter seus efeitos.

O genitor alienador é, muitas vezes, uma figura superprotetora. Pode ficar cego de raiva ou animar-se por um espírito de vingança provocado pela inveja ou pela cólera. Geralmente coloca-se como vítima de um tratamento injusto e cruel por parte do outro genitor, e do qual tenta vingar-se fazendo crer aos filhos que aquele não é merecedor de nenhum afeto. Em certas circunstâncias, pode tomar atitudes dissimuladas de “fazer esforço” para que haja contato entre os filhos e o genitor alienado, ou “surpreender-se” pela atitude destes quando manifestam oposição ao genitor ausente.

O genitor alienador possui uma dificuldade muito grande em individualizar, isto é, de reconhecer em seus filhos seres humanos separados de si. O resultado disso é que seu objetivo consiste em deter o controle total sobre eles, e destruir a relação deles com o genitor ausente.

O genitor alienador confidencia ao filho, com riqueza de detalhes, seus sentimentos negativos e as más experiências vividas com o genitor alienado, e o filho absorve essa negatividade do genitor, sentindo-se no “dever” de protegê-lo. Com isso, estabelece um pacto de lealdade com o genitor alienador, em função da dependência emocional e material, demonstrando inclusive um medo em desagradar ou opor-se a ele. Se o filho desobedece a essa diretiva, especialmente expressando aprovação ao genitor ausente, pode sofrer ameaças, por parte do genitor alienador, de abandoná-lo ou de mandá-lo viver com o genitor alienado. O filho é, então, constrangido a ter que escolher entre seus genitores, o que está em total oposição ao desenvolvimento harmonioso de seu bem-estar emocional.

A SAP se torna um sério entrave às vinculações parentais justamente porque condiciona a criança/adolescente a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o(a) outro(a) genitor(a) diferentes dos que havia antes – tudo por influência de quem tenha interesse direto na destruição do vínculo parental. Para isso, não há critérios éticos e morais para induzir a criança a relatar episódios de agressão física/sexual que não ocorreram, confundindo-a na noção de realidade/fantasia, forçando-a a encenar sentimentos e simular reações.

Em curto prazo, para sobreviver, a criança aprende a manipular, tornando-se prematuramente esperta para decifrar o ambiente emocional, falar apenas uma parte da verdade e, por fim, enredar-se em mentiras, discursos e comportamentos repetitivos, exprimindo emoções falsas. Em médio e longo prazo, os efeitos podem ser: depressão crônica, incapacidade de se adaptar aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização, consumo de álcool e/ou drogas e, algumas vezes, suicídios ou outros transtornos psiquiátricos. Podem ocorrer também sentimentos incontroláveis de culpa quando a pessoa, já adulta, constata que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça ao genitor alienado.

Nas famílias que apresentam graves disfunções, a síndrome pode perpetuar-se por várias gerações. O genitor alienador é apoiado por seus familiares, o que reforça o sentimento de estar com a verdade; por outro lado, os familiares do genitor alienador se sentem constrangidos em se opor aos seus objetivos e atitudes, com medo de uma possível represália, e serem eles também alvos de sua raiva. Em contrapartida, o comportamento hostil da criança em relação ao genitor alienado também pode ser extensivo aos familiares e amigos deste. Em geral, a mensagem dirigida aos filhos é a de que o genitor alienado não pertence à família, está relegado a uma situação deplorável, e é desagradável ir vê-lo. O objetivo é excluí-lo da vida dos filhos, colocando-se erroneamente como protetor destes, e violando o princípio de que cada genitor deve contribuir positivamente para o desenvolvimento da relação.

Denegrir a imagem moral do genitor alienado perante os filhos é uma forma de abuso psicológico - sutil, subjetivo e difícil de mensurar objetivamente -, mas que poderá trazer sérias conseqüências psicológicas e provocar problemas psiquiátricos pelo resto da vida. Em contrapartida, a principal acusação formulada contra o genitor alienado é a de abuso sexual, especialmente se os filhos são pequenos e facilmente manipuláveis. As acusações de outras formas de abuso (as que deixam marcas, como a física) são menos freqüentes.

Em geral, para evitar esses efeitos, a família deve procurar um profissional que conheça profundamente a síndrome, suas origens e conseqüências, e o modo como combatê-la, e intervir o mais rapidamente possível para que seus efeitos não sejam irreversíveis. É possível recorrer à mediação familiar se o psicólogo constatar, por meio de avaliação individual, que nenhum dos genitores representa perigo para os filhos; porém, se houver alguma ameaça de risco, é preciso adotar medidas mais rígidas (multas, ameaça da perda da guarda ou encarceramento) e recorrer ao sistema judicial.

Cinco atitudes impróprias
Gardner (1998) declara que a SAP é mais que uma lavagem cerebral ou uma programação, porque a criança tem que, efetivamente, participar na depreciação do pai que é alienado. Isso é feito seguindo-se os cinco passos:

1) A criança denigre o pai alienado com linguajar impróprio e severo comportamento opositor, muitas vezes utilizando-se de argumentos do(a) genitor(a) alienador(a) e não dela própria; para isso, dá motivos fracos, absurdos ou frívolos para sua raiva.
2) Declara que ela mesma teve a idéia de denegrir o pai alienado. O fenômeno do “pensador independente” acontece quando a criança garante que ninguém disse aquilo a ela.
3) O filho apóia e sente a necessidade de proteger o pai alienante. Com isso, estabelece um pacto de lealdade com o genitor alienador em função da dependência emocional e material, demonstrando medo em desagradar ou opor-se a ele.
4) Menciona locais onde nunca esteve, que não esteve na data em que é relatado um acontecimento de suposta agressão física/sexual ou descreve situações vividamente que nunca poderia ter experimentado – implantação de “falsas memórias”.
5) A animosidade é espalhada para também incluir amigos e/ou outros membros da família do pai alienado (voltar-se contra avós paternos, primos, tios, companheira).
Roteiro das falsas denúncias de abuso sexual
Diante do aumento de falsas denúncias de abuso sexual, contra o genitor não convivente (na sua maioria homens), dentro de litígios de casais separados e com conflito em relação ao vínculo com os filhos, consideramos importante dar a conhecer ao público o risco que corre genitor e filhos.

A adoção desta estratégia demolidora ocorre sempre no sentido de desvincular os genitores não conviventes e possivelmente lograr uma condenação que elimine definitivamente o contato com seus filhos.

Diante das evidências cada vez maiores da importância da convivência dos filhos com ambos os genitores após a separação, a justiça tem adotado uma postura que permite e até estimula este vínculo, ao contrário de tempos anteriores quando bastava apenas a vontade do genitor convivente para impedir o vínculo dos filhos com o outro.

Em vista desta postura tem surgido como uma epidemia, nos mais diversos países, uma onda de falsas denúncias de abuso sexual como forma de obstruir o vínculo com o genitor não convivente.
As falsas denúncias geralmente obedecem a um padrão que passamos a descrever.

1. O genitor convivente (pai ou mãe – falso denunciante) utilizou anteriormente outras formas para tentar a obstrução.
2. Geralmente, mas nem sempre, utilizam filhos menores (com menor capacidade de expressão).
3. As avaliações psico-sociais geralmente se baseiam em argumentos do genitor obstrutor (geralmente a mãe), e com sua presença durante as sessões de avaliação com as crianças, com a ausência do denunciado e sem os peritos da parte denunciada (contra o princípio da ampla defesa em juízo).
4. As crianças nas avaliações se manifestam com termos cuja origem somente pode atribuir-se a pessoas adultas (vocabulário incompatível para a idade).
5. As avaliações tendem a dar como certo o abuso, sem prova alguma, e com técnicas que já tem sido severamente questionada.
6. Mesmo em casos em que não são encontradas “suficientes evidências” de abuso, os relatórios costumam deixar dúvidas, desaconselham o restabelecimento do vínculo, atrasam o resultado para o juiz, recomendam menor tempo de convivência (tempo este utilizado pelo genitor convivente para inculcar nas crianças idéias contra o outro genitor e reforçar a idéia de que foram abusados).
7. O genitor que faz a falsa denúncia não recebe sanção legal a todo o mau trato físico e psicológico a que expôs as crianças.
8. Os advogados, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e outros peritos atuam com impunidade, não importando o prejuízo causado por laudos daninhos.
9. Em alguns casos têm sido utilizados no estudo de abuso sexual bonecos anatomicamente corretos (se assemelham a pessoas, com órgãos genitais, mamas, pelos pubianos, etc.), mesmo quando já foi comprovado nos EUA que tal método é por si só um trauma para crianças que não sofreram abuso até então, refletindo-se como experiência traumática para sua idade e não resultando certeza a coisa alguma.
10. As crianças, vítimas destas falsas denúncias passam a sofrer uma experiência de real abuso nas perícias psicológicas e físicas (na busca de evidências físicas são examinadas profundamente em sua anatomia gerando forte ação psicológica).
11. Os tratamentos a que são submetidas estas crianças vítimas de falsas denúncias são os mesmos empregados para vítimas verdadeiras. Por esta razão assumem um estado de “falsa memória” que como um estigma vai lhes acompanhar pelo resto da vida.
12. Nas situações em que ocorre uma falsa denúncia, mas com elementos considerados “suficientes” para gerar um laudo positivo, o genitor denunciado acaba sendo condenado, inclusive a cadeia.
13. Mesmo nos casos em que não é comprovado o abuso, um processo acaba prosperando por longo tempo, tempo este em que pais e filhos são submetidos ao vexatório como se o abuso fosse real. Possivelmente a cicatriz não desapareça jamais.
14. O filho é induzido a assumir a “falsa memória” de que o genitor realmente abusou dele e ambos conduzirão esta condição pelo resto de suas vidas.
15. As estatísticas mostram que o maior número de abusos sexuais ocorre com padrastos ou madrastas, ou ainda parentes próximos onde a convivência é habitual (pai ou mãe convivente).
Nos casos de pais separados se esquece este detalhe e existe uma forte pressão para que se condene o genitor não convivente.

Pais que estejam recentemente separados, ou com risco de separação conflituosa, especialmente com filhos menores, devem ficar atentos à estratégia de Falsas Denúncias de Abuso Sexual, bem como aos seus posteriores desdobramentos.Em casos que ocorram a denúncia devem se informar cuidadosamente quem são os peritos nomeados para a avaliação e impugnar aos profissionais ou instituições que já tenham antecedentes por condução duvidosa de perícias. Sempre indicar perito para acompanhamento.

A falta de escrúpulos dos genitores denunciantes que obstruem o vínculo, de alguns profissionais de direito e de assistentes sociais e outros peritos aliada a pequena capacidade profissional coloca os filhos e por conseqüência ao genitor não convivente em risco de sofrer uma falsa denúncia de abuso e na borda de um abismo, no qual não poderá se defender e onde ficará impossibilitado de defender os filhos.

As crianças que passam por uma falsa denúncia, pelas experiências a que são submetidas, acabam abusadas pelos procedimentos a que são submetidas (corretamente para comprovar ou incorretamente para comprovar o que nunca aconteceu). Nos cabe ressaltar que certamente ocorrem casos de abusos reais, e que no entanto acabarão prejudicados pela ação desleal daqueles que fazem falsas denúncias.Também nos cabe comunicar que existem juízes preocupados pela enxurrada de falsas denúncias, e que vêem dificultado seu trabalho pela pressão daqueles a quem convém sustentar as mentiras.

Consideramos, por fim, que o abusador real, seja pai ou mãe, não merece nenhum tipo de consideração e qualquer pena é pouca para condenar tal aberração, mas de igual forma age quem denuncia falsamente um abuso e deve ser castigado com a mesma contundência.

Nota do autor: Excertos extraídos da obra (em andamento): SILVA, Denise M. P. da. Síndrome de Alienação Parental – o lado sombrio da separação, a ser publicado em 2007/2008 pela Editora Casa do Psicólogo Livraria Ltda.

Fonte: APADESHI – Asociación de Padres Alejados de Sus HijosBuenos Aires - Argentina http://www.apadeshi.org.arTradução e adaptação: J. Nestor Cardoso

Referências
APADESHI – Asociación de Padres Alejados de Sus Hijos - Buenos Aires - Argentina http://www.apadeshi.org.ar/
CALÇADA, A.; CAVAGGIONI, A.; NERI, L. Falsas acusações de abuso sexual – o outro lado da história. Rio de Janeiro: Produtor Editorial Independente, 2001.
GARDNER, R.A. The Parental Alienation Syndrome. Segunda Edição, Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, Inc. Disponível em
KODJOE, U. Conferência em Eupen em 21/11/2003. SOS-Papai e Mamãe! União Nacional. Disponível em .
SILVA, D. M.P. da. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo Livraria Ltda, 1a. edição revisada e atualizada, 2006.
SILVA, D. M.P. da. Mediação e Guarda Compartilhada: conquistas para a família. São Paulo: a ser publicado pela Editora Casa do Psicólogo Livraria Ltda., 2007.

*Ministra cursos, palestras e pesquisas acerca deste tema e de aspectos da interação da Psicologia com o Direito de Família. Membro da diretoria e consultora em Psicologia para a ONG SOS - Papai e Mamãe! União Nacional e sites de associações de pais separados. Autora de obras (mencionadas nas referências) e artigos publicados em periódicos especializados; diretora científica e representante brasileira da Asociación Latinoamericana de Psicología Juridica y Forense (ALPJF), de Bogotá, Colômbia.

Extraído do blog CBESAUDE (blog.cbesaude.com.br)

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