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21 setembro 2009

A DISCIPLINA DA GUARDA E A AUTORIDADE PARENTAL NA ORDEM CIVIL-CONSTITUCIONAL - 1


PARTE 1


Gustavo Tepedino
Professor de Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutor em Direito Civil na Università degli studi di Camerino, Itália (1986). Livre-docente (1989) e Professor Titular (1991) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Doutorado em Direito Privado Comparado na Università degli studi del Molise, Itália. Visiting Professor of Law na Universidade de San Francisco, Califórnia, U.S.A. (2002). Professeur Invitée da Faculdade de Direito da Universidade de Poitiers, França (1999). Diretor da Revista Trimestral de Direito Civil.


SUMÁRIO 1. Apresentação do problema: A evolução da família e a necessidade de compatibilização das fontes normativas (especialmente o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente) à luz da Constituição. 2. Princípios constitucionais e dimensão integral da filiação: tutela da identidade genética e do pleno desenvolvimento da personalidade. A questão da guarda: erros de perspectiva e aspectos evolutivos. 3. A guarda como aspecto da autoridade parental. A autoridade parental como situação jurídica existencial e complexa de direito-dever: um múnus privado. 4. Cotejo com as legislações estrangeiras. A peculiaridade da autoridade parental no ordenamento brasileiro: sua intangibilidade após a separação, divórcio ou dissolução da união estável (arts. 21, ECA e 1.632, CCB). 5. Aspectos conclusivos: a funcionalização da guarda e da autoridade parental à formação da personalidade dos filhos, protagonistas do processo educacional.

1. Apresentação do problema: A evolução da família e a necessidade de compatibilização das fontes normativas (especialmente o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente) à luz da Constituição.

A propalada busca da máxima eficácia social do Código Civil de 2002 impõe a harmonização de fontes normativas, indispensável à consecução, no âmbito das relações jurídicas ali contempladas, dos princípios e valores constitucionais (1). Especialmente no que toca ao direito de família, em que a evolução extraordinária dos fatos parece ter surpreendido o legislador da codificação, é de se avaliar cuidadosamente o impacto e a força pregnante da tábua axiológica constitucional sobre a disciplina das relações familiares.(2)


Com efeito, a incidência direta dos princípios constitucionais no direito de família, especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CR), a solidariedade social (art. 3º, I, CR) e a igualdade substancial (art. 3o, III) leva o intérprete, em primeiro lugar, a separar dogmaticamente as situações jurídicas patrimoniais das situações jurídicas existenciais e assim, conseguintemente, a lógica das relações de apropriação e da atividade econômica privada da lógica da vida comunitária familiar, destinada à formação e desenvolvimento da personalidade. Tais objetivos da República e princípios fundantes do ordenamento informam, legitimam e dão maior densidade normativa aos princípios inseridos nos artigos 226 e ss., que integram o Capítulo VII da própria Constituição, em matéria de família.


A família torna-se, assim, por força de tal contexto axiológico, pluralista, lócus privilegiado para a comunhão de afeto e afirmação da dignidade humana, funcionalizada para a atuação dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, integridade psicofísica e liberdade3. O campo para aplicação da principiologia constitucional é amplo, com especial destaque no caso das cláusulas gerais utilizadas pelo legislador, embora a estas não se limita, abrangendo cada uma das regras do direito de família codificado 4.

Cuida-se, pois, de uma reconstrução das categorias do direito de família, renovado pelos valores existenciais, processo hermenêutico cuja importância avulta no exame da filiação. A relação parental, com efeito, e em particular a filiação, põe em evidência uma série de situações jurídicas existenciais incompatíveis com o tratamento dogmático tradicionalmente forjado nas relações patrimoniais. Ou seja, estudam-se com freqüência as relações entre pais e filhos a partir da estrutura do direito subjetivo, categoria típica dos direitos patrimoniais e, por isso mesmo, inapto a servir de paradigma para as situações jurídicas existenciais que medeiam o reconhecimento da filiação e a educação dos filhos como processo destinado à afirmação e ao desenvolvimento da personalidade.(5)


2. Princípios constitucionais e dimensão integral da filiação: tutela da identidade genética e do pleno desenvolvimento da personalidade. A questão da guarda: erros de perspectiva e aspectos evolutivos.


O status de filho atrai duas espécies de situações jurídicas existenciais: as decorrentes da identidade genética e aquelas relativas ao exercício da autoridade parental. A dignidade da pessoa humana se projeta na identidade da origem genética e no processo educacional do filho, restando ao intérprete buscar em tais situações jurídicas a técnica de superação do confronto egoístico de posições de vantagens individuais. (6).


No que tange à identidade genética, vista como forma de manifestação da dignidade, têm-se nas ações de estado a expressão processual dessa proteção, devendo-se utilizar os três critérios de aferição do vínculo filial, quais sejam, o jurídico, o sócio-afetivo e o biológico, para a um só tempo salvaguardar o conhecimento da origem biológica e temperá-lo diante dos vínculos de afeto construídos na posse do estado de filho. (7).


Com relação à guarda, a própria expressão semântica parece ambivalente, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca, na educação e formação da personalidade do filho. (8).


Tradicionalmente, a guarda era tratada como um direito subjetivo a ser atribuído a um dos genitores na separação, em contrapartida ao direito de visita deferido a quem não fosse outorgado esta posição de vantagem, que teria o dever de a ela submeter-se. Dessa forma acabava-se por desvirtuar o instituto da guarda, retirando-lhe a função primordial de salvaguardar o melhor interesse da criança ou do adolescente. Tal perspectiva, contudo, nitidamente inspirada na dogmática do direito subjetivo, própria das relações patrimoniais, torna-se ainda mais inadequada quando a legislação leva em conta a conduta (culpada ou inocente) dos cônjuges antes da separação como critério para a atribuição da guarda. O papel da culpa torna-se assim determinante, associando-se à exigibilidade do pretenso direito subjetivo a ausência de mora, tal qual nas relações patrimoniais.(9).


É bem verdade que a jurisprudência e a doutrina procuraram, brava e intuitivamente, diminuir o papel da culpa, investigar o melhor interesse do filho, embora não se tenha conseguido, satisfatoriamente, afastar por completo os resquícios do direito subjetivo, que acaba por reduzir o papel dos pais na educação dos filhos, uma vez extinta a sociedade conjugal, a um feixe de prerrogativas e poderes a serem ostentados, exigidos e confrontados, a cada controvérsia envolvendo o destino da prole – verdadeiro duelo entre proprietários ciosos de seus confins.


Daí porque se ter procurado, nos últimos anos, tornar ambos os pais coresponsáveis pela educação dos filhos, mesmo após a separação, para além de atribuições (poderes, faculdades, direitos e prerrogativas!) pré-definidas, valendo-se nessa esteira de noções usuais em países estrangeiros, como a guarda alternada e a guarda compartilhada. A construção merece aplauso, produzindo um tratamento mais ético do tema, de molde a romper o viés patrimonialista em que as responsabilidades dos pais estavam inseridas.(10).


3. A guarda como aspecto da autoridade parental. A autoridade parental como situação jurídica existencial e complexa de direito-dever: um múnus privado.


Em que pese a importância dessa tendência, há de se ter cautela, no entanto, na avaliação de seus resultados, seja pela insuficiência do Poder Judiciário a assegurar a efetividade do compartilhamento de responsabilidades com base na mera atribuição da guarda, seja pelo risco de se subestimar o instituto da autoridade parental que, no direito brasileiro, mostra-se muito mais abrangente, apto a vincular os genitores a uma série de deveres que não se extinguem com a separação. Ou seja, de um lado, o enfoque exclusivo da guarda muitas vezes revela-se infrutífero, já que depende de fatores comportamentais dificilmente suscetíveis de controle pelo Direito. De outro, a autoridade parental, mal enquadrada dogmaticamente na figura do direito subjetivo, acaba por receber atenção doutrinária exclusivamente no que concerne às relações patrimoniais – atinentes à administração de bens e à prática de negócios jurídicos –, ou em seu momento patológico – nos casos de extinção ou suspensão –; perde-se assim de vista sua função mais importante, de natureza existencial, a deflagrar a responsabilidade de ambos os genitores no processo educacional dos filhos, independentemente de quem os tenha em sua companhia.(11).

Por outro lado, percebe-se que, no ordenamento brasileiro, a guarda não é fonte de novos deveres jurídicos, nem se mostra especialmente relevante senão no momento da atribuição do dever de reparar os danos causados pelos filhos menores, sendo certo que o art. 932, I, do Código Civil, na esteira do art. 1.521 do Código anterior, considera responsáveis pela reparação civil “os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e companhia”.

Não é por acaso que o instituto da guarda recebe referência legislativa incidental, no âmbito da disciplina da separação e do divórcio, sendo-lhe dedicado o Capítulo XI, do Subtítulo Do Casamento, em seguida ao Capítulo X consagrado à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. Os arts. 1.583 e ss., do referido Capítulo XI, em boa hora apartaram a disciplina da guarda dos critérios relacionados à culpa na separação. E não teve a pretensão de regular, sob a égide da guarda, as relações de filiação propriamente ditas, limitando-se a estabelecer parâmetros normativos mínimos para propiciar o acordo no que tange à visita periódica para o genitor que não tiver os filhos em sua companhia – aspecto diminuto dos cuidados inerentes ao exercício comum da autoridade parental.

Em contrapartida, toda a disciplina das relações de filiação propriamente ditas estão associadas ao poder familiar, no mencionado Capítulo V do Subtítulo, dedicado às relações de parentesco. Cuida o Código Civil de consagrar uma seção específica ao exercício do poder familiar, nos arts. 1.634 e ss., estabelecendo-se, então, aqui sim, na esteira do Código anterior, as normas jurídicas disciplinadoras da convivência sob a autoridade parental.


Não se trata, pois, atente-se bem, de uma mera opção topográfica. Do ponto de vista jurídico, no sistema brasileiro, as regras de conduta relacionadas à autoridade parental, combinando-se a disciplina do Código Civil com as dos arts. 21 e ss. do Estatuto da Criança e do Adolescente, abrangem as relações patrimoniais e existenciais próprias da filiação, sendo as modalidades de guarda um problema menos jurídico e mais psicológico, atinente ao comportamento, à personalidade, ao caráter e ao temperamento de cada genitor após a separação conjugal. Corrobora o entendimento até aqui exposto o art. 1.632 do Código Civil, que em nada difere do art. 381 da antiga codificação:


“Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.”


Surge então a necessidade imperiosa de se examinar, no que concerne às responsabilidades jurídicas dos pais na educação, o instituto da autoridade parental, designado como poder familiar pelos arts. 1.630 e ss. do Código de 2002, que lhe dedica o Capítulo V do Subtítulo Relações de Parentesco, – Do Poder Familiar – em substituição à noção de pátrio poder, prevista nos arts. 379 e ss do Código Civil de 1916.(12).

 
O estudo da disciplina da autoridade parental no Brasil revela, de pronto, duas peculiaridades essenciais. Em primeiro lugar, trata-se de situação jurídica subjetiva existencial, caracterizada pela atribuição aos pais do poder de interferência na esfera jurídica dos filhos menores, no interesse destes últimos e não dos titulares do chamado poder jurídico.(13).

Diferencia-se, assim, o chamado poder parental da noção de direito subjetivo, em que a atribuição de poderes é assegurada para a proteção de interesse ou de posição de vantagem do próprio titular. O direito subjetivo de crédito, por exemplo, reflete interesse patrimonial dotado de exigibilidade específica, consistente em uma pretensão em face de deveres imputados ao centro de interesse do devedor – a todo direito subjetivo corresponde um dever jurídico a ele contraposto. Tal situação jurídica subjetiva não esgota os modelos oferecidos pelo ordenamento para a tutela de interesses.


Ao lado do direito subjetivo tem-se o direito potestativo, uma espécie, portanto, de situação jurídica subjetiva, em que não há direito contraposto a dever, senão a possibilidade de interferência na esfera jurídica alheia para a tutela de interesse próprio, restando ao titular do centro de interesse atingido submeter-se passivamente àquela ingerência. Ao lado de tais situações jurídicas situam-se as chamadas situações de poder, configuradas pelo ordenamento em razão da vulnerabilidade de certas pessoas. Eis a hipótese do poder familiar, ou autoridade parental, em que é assegurado aos pais interferir na esfera jurídica dos filhos não no interesse dos pais, titulares do poder jurídico de educação, mas no interesse dos filhos, as pessoas em cuja esfera jurídica é dado ingerir.


Na concepção contemporânea, a autoridade parental não pode ser reduzida, portanto, nem a uma pretensão juridicamente exigível, em favor dos seus titulares, nem a um instrumento jurídico de sujeição (dos filhos à vontade dos pais). Há de se buscar o conceito da autoridade parental na bilateralidade do diálogo e do processo educacional, tendo como protagonistas os pais e os filhos, informados pela função emancipatória da educação. “A inafastável dialética entre auto-avaliação e heteroavaliação exige posições equilibradas, que não mortifiquem a autoridade parental dos genitores e não anulem a escolha significativa e de cultura representada pela participação do menor no processo educativo”. (14).

A confusão conceitual, gerada pela utilização acrítica da categoria do direito subjetivo, gera conseqüências graves. É que a estrutura do direito subjetivo (que contrapõe posição de vantagens opostas) responde à função de tutela de pretensões do seu titular, oferecendo o ordenamento mecanismos processuais coercitivos, em modo a tornar eficaz a exigibilidade do interesse tutelado em face do sujeito passivo, vinculado ao cumprimento do dever a ele correspondente.



No caso da autoridade parental, a utilização dogmática de uma estrutura caracterizada pelo binômio direito-dever, típica de situações patrimoniais, apresenta-se incompatível com a função promocional do poder conferido aos pais. A interferência na esfera jurídica dos filhos só encontra justificativa funcional na formação e no desenvolvimento da personalidade dos próprios filhos, não caracterizando posição de vantagem juridicamente tutelada em favor dos pais. A função delineada pela ordem jurídica para a autoridade parental, que justifica o espectro de poderes conferidos aos pais – muitas vezes em detrimento da isonomia na relação com os filhos, e em sacrifício da privacidade e das liberdades individuais dos filhos – só merece tutela se exercida como um múnus privado, um complexo de direitos e deveres visando ao melhor interesse dos filhos, sua emancipação como pessoa, na perspectiva de sua futura independência.


Daqui resulta a crítica justamente oposta por parte da doutrina mais atenta à utilização da expressão poder inserida na dicção do Código Civil de 2002, tanto na noção de pátrio poder como na de poder familiar, adotando-se, ao revés a perspectiva da autoridade parental como “um múnus, significado que transcende o interesse pessoal”, numa visão dinâmica e dialética de seu exercício, de modo que “os filhos não são (nem poderiam ser) objeto da autoridade parental”, alvitrando-se ao contrário “uma dupla realização de interesses do filho e dos pais”.(15).


Notas do Autor
1 Sobre o ponto, seja consentido remeter a GUSTAVO TEPEDINO, Crise de Fontes Normativas e Técnica Legislativa na Parte Geral do Código Civil de 2002, in GUSTAVO TEPEDINO (coord), A Parte Geral do Novo Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, 2ª ed., p. XV e ss.
2 O diálogo entre as fontes normativas tem sido objeto de reflexão dos comentaristas mais atentos. Cfr. LUIZ EDSON FACHIN, in SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (coord.), Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XVIII, arts. 1.591 a 1.638, Do Direito de Família. Do Direito Pessoal. Das Relações de Parentesco, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003; PAULO LUIZ NETTO LÔBO, in ALVARO VILLAÇA AZEVEDO (coord.), Código Civil Comentado, Vol. XVI, arts. 1.591 a 1.693, Direito de Família. Relações de Parentesco. Direito Patrimonial, São Paulo, Editora Atlas, 2003; RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, in SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (coord.), Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XX, Arts. 1.723 a 1.783, Da União Estável, Da Tutela e da Curatela, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003.
3 Deve-se MARIA CELINA BODIN DE MORAES, Danos à Pessoa Humana – Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais, Rio de janeiro, Renovar, 2003, passim, a construção doutrinária segundo a qual a dignidade da pessoa humana tem como substrato axiológico e conteúdo normativo os princípios constitucionais da liberdade, isonomia, solidariedade social e integridade psicofísica.
4 Notável tem sido a recente produção doutrinária, indicando a reconstrução dos institutos do direito de família a partir da tábua de valores constitucionais. É ver-se: ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN, Em busca da Família do Novo Milênio – Uma Reflexão Critica sobre as Origens Históricas e as Perspectivas do Direito de Família Brasileiro Contemporâneo, Rio de Janeiro, Renovar, 2001; CRISTINA DE OLIVEIRA ZAMBERLAM, Os Novos Paradigmas da Família Contemporânea – Uma Perspectiva Interdisciplinar, Rio de janeiro, Renovar, 2001; MARIA CHRISTINA DE ALMEIDA, O DNA e Estado de Filiação à Luz da Dignidade Humana, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; SILVANA MARIA CARBONERA, Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada, Porto Alegre, Sergio Fabris, 2000; CARMEM LUCIA SILVEIRA RAMOS, Família sem Casamento: De Relação Existencial de Fato a Realidade Jurídica, Rio de Janeiro, Renovar, 2000; ANA CARLA HARMATIUK MATOS, As Famílias não Fundadas no Casamento e a Condição Feminina, Rio de Janeiro, Renovar, 2000; MARIA CELINA BODIN DE MORAES, A União de Pessoas do mesmo Sexo: uma Análise sob a Perspectiva Civil-Constitucional, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 1, 2000, p. 89 e ss.
5 Corrobora este entendimento a rica produção científica relacionada ao princípio do melhor interesse da criança. Cfr. TÂNIA DA SILVA PEREIRA (coord.), O Melhor interesse da Criança: um debate Interdisciplinar, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, e espec. o texto de HELOÍSA HELENA BARBOZA, O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Disciplina da Filiação no Código Civil, p. 103 e ss., em que se evidencia a necessidade de rever as categorias e institutos codificados a partir da primazia dos interesses da criança e do adolescente: “Razoável, por conseguinte, afirmar-se que a doutrina da proteção integral, de maior abrangência, não só ratificou o princípio do melhor interesse da criança como critério hermenêutico, como também lhe conferiu natureza constitucional, como cláusula genérica que em parte se traduz através dos direitos fundamentais da criança e do adolescente expressos no texto da Constituição Federal” (p. 115).
6 Sobre o tema, veja-se MARIA CHRISTINA DE ALMEIDA, O DNA e Estado de Filiação à Luz da Dignidade Humana, cit, passim, que entrevê na busca da origem genética a projeção direta do princípio da dignidade: “Cada pessoa se vê no mundo em função de sua história, criando uma auto-imagem e identidade pessoal a partir dos dados biológicos inseridos em sua formação, advindos de seus progenitores” (p. 79).
7 Assim, ROSE MELO VENCELAU, O elo perdido da filiação: entre a verdade jurídica, biológica e afetiva no estabelecimento do vínculo paterno-filial, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004. A autora propõe a utilização dos critérios biológico, jurídico e afetivo para o estabelecimento da filiação, de modo a que possa prevalecer sempre o que melhor tutele, no caso concreto, a dignidade humana. Traz à colação, em apoio à sua opinião, recente e atualíssima jurisprudência, em que se destaca a seguinte ementa: “Negatória de paternidade. Adoção à brasileira. Confronto entre a verdade biológica e a sócio-afetiva. Tutela da dignidade da pessoa humana. Procedência. Decisão reformada. 1. Ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada adoção à brasileira (isto é, da situação de um casal ter registrado com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular adoção à brasileira, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado” (TJ/PR, Ap. Civ. n. 108.417-9, Relator Des. Accácio Cambi, j. unânime 12.12.2001, in Boletim IBDFAM, nº 13, jan./fev. 2002).
8 Inúmeras são as acepções de guarda nos dicionários, sobressaindo a impressão de zelo ou amparo em relação uma coisa, objeto da guarda.
9 A reconstrução da guarda na perspectiva do interesse existencial da criança é delineada por SILVANA MARIA CARBONERA, Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada, cit., p. 39 e ss.
10 Em doutrina, destaca-se a obra pioneira de SÉRGIO NICK, Guarda Compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados, in V. BARRETTO (coord.), A Nova Família: problemas e perspectivas, Rio de Janeiro, Renovar, 1977, p. 127 e ss., bem como, para uma sistematização do tema, WALDIR GRISARD FILHO, Guarda Compartilhada: Um Novo Modelo de Responsabilidade Parental, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, passim, com ampla referência doutrinária e jurisprudencial.
11 Na lição do Prof. PIETRO PERLINGIERI, Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 259, a autoridade parental “assume mais uma função educativa que propriamente de gestão patrimonial, e é ofício finalizado à promoção das potencialidades criativas dos filhos”.
12 PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Código Civil Comentado, Vol. XVI, cit., p. 191, critica a disciplina normativa do Código Civil de 2002: “chega-se à surpreendente conclusão de que a estrutura formal do antigo pátrio poder foi mantida intacta, com modificações tópicas de redação”. A mudança de paradigma na evolução legislativa da autoridade parental, sob a ótica civil-constitucional, é passada em revista por MARCOS ALVES DA SILVA, Do Pátrio Poder à Autoridade Parental – Repensando Fundamentos Jurídicos da Relação entre Pais e Filhos, Rio de Janeiro, Renovar, 2002.
13 Como registra PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Código Civil Comentado, Vol. XVI, cit., p. 190, “a evolução gradativa, ao longo dos séculos, deu-se no sentido da transformação de um poder sobre os outros em autoridade natural com relação aos filhos, como pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e da convivência familiar”.
14 PIETRO PERLINGIERI, Perfis do Direito Civil, cit., p. 258, para quem “o esquema do pátrio poder, visto como poder-sujeição, está em crise, porque não há dúvidas de que, em uma concepção de igualdade, participativa e democrática da comunidade familiar, a sujeição, entendida tradicionalmente, não pode continuar a realizar o mesmo papel. A relação educativa não é mais entre um sujeito e um objeto, mas uma correlação de pessoas, onde não é possível conceber um sujeito subjugado a outro”.
15 LUIZ EDSON FACHIN, Direito de Família - Elementos Críticos à luz do novo Código Civil brasileiro, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, 2ª ed., p. 244-246.


O presente trabalho foi publicado em Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, vol. 17, ano 5, jan./mar. 2004, Ed. Padma, pp. 33-49.


Extraído de Buscalegis.ufsc.br

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