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24 setembro 2009

ASPECTOS SUCESSÓRIOS DO DANO MORTE - 1



Parte 1

Douglas Phillips Freitas

Advogado; Doutorando em Direito e Especialista em Psicopedagogia; Professor. Coordenador das Comissões do IBDFAM/SC.


SUMÁRIO: 1 Dano Moral: Stricto e Lato Sensu; 2 Dano Morte. 3 Diferença do Dano Moral (Lato Sensu) e Dano Morte. 4 Tratamento Sucessório da Indenização por Dano Morte. 5 Considerações Finais.


Em 2005, o instituto do Dano Morte teve um dos primeiros, senão o primeiro, trabalho acadêmico publicado no Brasil por Cláudio Scarpeta Borges e, sob sua orientação, Keila Comelli Alberton, no livro Código Civil: comentado por artigos de juristas (1), em que protagonizei como organizador da obra.


No referido texto, os autores informaram que:


"Se uma vítima tem direito à reparação em razão de violação de sua integridade física fruto de ato culposo, não se pode admitir, até mesmo em respeito ao princípio da reparação integral, ausência deste direito quando a agressão se assoma mais violenta, decorrente da retirada do seu bem maior, que é a vida." (2)


Em diversos países como Argentina, Uruguai, Itália, França, Japão, Líbano, China e Portugal, o Dano Morte é extremamente difundido.


"Descritores: Acidente de viação. Direito à indenização. Direito à vida. Danos morais. Sucessão. Nº do documento: SJ200506160016127. Sumário: 1. 'O direito à indenização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em conseqüência de acidente de viação, cabe, em conjunto'. (...) os danos não patrimoniais sofridos pela vítima '(incluindo o dano morte) se transmitem por via hereditária' aos respectivos herdeiros, legítimos, conforme as disposições das leis sucessórias." (3)


Embora não haja expresso tratamento jurídico no ordenamento pátrio, como se verá a seguir, não possui qualquer óbice em sua aplicação. Em recentes artigos publicados em livros e revistas especializados (4), tratei sobre a aplicação do Dano Morte em nossa realidade jurídica.


1 Dano Moral: Stricto e Lato Sensu


A responsabilidade civil teve o grande momento na Constituição Cidadã de 1988 que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro o Dano Moral, instituto que anteriormente só via guarida na doutrina e noutros países.


A evolução deste dano extrapatrimonial indenizável por força do casuísmo chegou num ponto que exigiu a necessidade de individualização do direito da personalidade, a qual se compensaria pecuniariamente, pois em tempos idos não se sabia qual valor era outorgado ao Dano Moral (incolumidade psíquica: dor, sofrimento, etc.) e o Dano Estético (incolumidade física: afeamento, aleijão, etc.).


A jurisprudência há muito pacificou o entendimento, informando a possibilidade de cumular ambos os institutos que gozam de autonomia. A questão é que o texto de lei nomeia todo dano extrapatrimonial como sendo de cunho moral.


"Art. 186 (CC). Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."


Aguiar Dias (5) leciona que "o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada" (6), esta terá a nomenclatura respectiva ao direito furtado.


Sabendo que o Dano Estético é um dano extrapatrimonial e que todo o dano extrapatrimonial é Dano Moral, se conclui que este é Dano Moral lato sensu que abarca todas as espécies de danos extrapatrimoniais (Danos Morais stricto sensu), nominados de acordo com o direito da personalidade que tutelam: Dano Estético, prejuízo à incolumidade física; Dano Afetivo, decorrente da relação de filiação e matrimonial (e da união estável); Dano Morte, perda do direito à vida; Dano Existencial (assédio moral ou mobbing), causado pelas injustas opressões no âmbito laboral; entre tantos outros classificados na doutrina e jurisprudência, além do próprio Dano Moral "stricto sensu", utilizado para o restante dos direitos da personalidade de cunho psíquico, como dor, sofrimento, angústia, etc. Trata-se de danos morais, mas por questões didático-jurídicas são diferentemente identificadas, pois, na prática processual, pode haver a necessidade de identificar o quantum indenizatório respectivo a cada tipo de dano moral stricto sensu.


Esta necessidade de identificar e classificar os tipos de danos morais supera a mera atividade acadêmica, tem profundo sentido prático-profissional. Clayton Reis leciona que:


"(...) a importância da proteção, no caso dos danos extrapatrimoniais, reside essencialmente no reconhecimento de que, na medida em que o julgador assegura a indenização em face dos danos morais, está ao mesmo tempo valorando os bens subjetivos que integram a personalidade da vítima." (7)


Antigamente, quando não havia a consideração autônoma do Dano Estético e do Dano Moral (stricto sensu), numa apelação em que se provava que o aleijão ou desfiguramento não existia, os julgadores ad quem não sabiam o quanto reduzir da sentença condenatória ad quo, pois não havia sido valorado quanto fora destinado para compensação do dano estético e do dano moral.


É jurisprudência pacífica a cumulação destes danos morais stricto sensu:


"É cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, são passíveis de identificação em separado." (8)


2 Dano Morte


O Dano Morte é o dano extrapatrimonial, indenizável, decorrente da perda da vida do ser humano, reclamado e pago ao seu espólio (9).


A lei não expressa Dano Morte, como também não faz menção ao Dano Estético, entretanto permite a existência de ambos nas expressões "sem excluir outras reparações" ou "além de algum outro prejuízo" trazidas nos textos concernentes à morte e lesão (ou ofensa) à saúde.


"Art. 948 (CC). No caso de homicídio, a indenização consiste, 'sem excluir outras reparações':

I - no pagamento das despesas com tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.


Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido."


Nota-se que os róis são meramente exemplificativos (numerus apertus), pois não esgotam em todo seu texto os tipos compensações aos danos sofridos. Não há óbice legal tanto para o Dano Estético quanto ao Dano Morte.


3 Diferença do Dano Moral (Lato Sensu) e Dano Morte


O Dano Morte encontra-se arrolado como um dos tipos de Dano Moral. Partindo-se da premissa de que o sofrimento e a dor pela perda do ente querido configuram Dano Moral stricto sensu, em que "o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, que não pode ser valorado por terceiro, a fim de quantificá-lo economicamente" (10), o Dano Morte tem seu "fundamento teleológico na perda da vida e não na dor" (11).


O objeto do Dano Morte é a perda da vida; trata-se de indenizar aquele que morreu por meio de seu espólio, pois perdeu seu bem mais precioso. O sofrimento pela perda do ente querido e conseqüente indenização aos seus familiares é o objeto do Dano Moral (stricto sensu), conforme regra do inciso I do art. 948 da lei civil (12).


No Tribunal português, o entendimento manifestado nos julgados, acerca da cumulação do Dano Moral dos familiares da vítima (visando compensar a dor pela perda do ente querido) com o Dano Morte (que tem por fim indenizar o espólio, por ter o de cujus perdido a chance de viver), está consolidado na doutrina e jurisprudência lusitana:


"2957/03-1. Relator: Sénio Alves. Descritores: Homicídio por negligência. Danos morais. Danos não patrimoniais. Direito à vida. Indenização. Montante da indenização. Data do acórdão: 23.03.04. Votação: unanimidade. Decisão: provido parcialmente. Sumário: É adequado fixar em € 60.000 o montante indenizatório pela 'perda do direito à vida'. Quanto aos montantes fixados na sentença recorrida a título de reparação pelos 'danos morais sofridos pelos demandantes com a morte do seu filho': Neste campo, salvo o devido respeito por melhor opinião, não é legítimo nem sensato procurar um montante-padrão: cada pai sente, de modo e intensidade diversos, a morte de um filho (e casos há em que, ao arrepio das leis da natureza, nem sequer a sente). (...) Verdadeiramente, nada há de mais injusto e cruel que um pai perder um filho, em tudo o que isso significa de inversão de uma lei natural. (...). Presente o sofrimento profundo dos demandantes cíveis, que o tribunal recorrido deu como provado, nada temos a apontar aos montantes indenizatórios fixados (esc. 10.000.000,00, isto é, € 49.879,79, para 'cada um') a título de ressarcimento por esse dano, sendo de manter a decisão impugnada, nessa parte. São termos em que, por tudo quanto exposto fica e ao abrigo das disposições legais citadas, acordam os juízes desta Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso, reduzindo para € 60.000 (sessenta mil euros) o montante indenizatório pela perda do direito à vida de C., mantendo - em tudo o mais - a douta decisão recorrida. Custas cíveis por recorrente e recorridos, na proporção de 4/5 para aquela e 1/5 para estes. Évora, 23 de março de 2004. Sénio Alves Pires da Graça." (13)


Notas do Autor:

1 FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Código Civil: Comentado por Juristas. Florianópolis: Voxlegem, 2004.
2 BORGES, Claudio; FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Op. cit., p. 121
3 Processo: 05B1612. Nº Convencional: JSTJ000. Relator: Neves Ribeiro. Data do Acórdão: 16.06.05. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/bb53f94f5f0438638025704200282e1a?OpenDocument.
4 FREITAS, Douglas Phillips. Dano Morte no Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: ABREU, Pedro Manoel (Org.). Direito e Processo: Estudos em Homenagem ao Des. Norberto Ungaretti. Florianópolis: TJSC/Conceito, 2007. -----. Revista Consulex. Brasília: Consulex, out. 2007. -----. Revista da OAB. Florianópolis: OAB, fev. 2008.
5 O jurista Aguiar Dias é homenageado em excelente obra coordenada pelo também jurista Eduardo de Oliveira Leite (Forense, 2006), por ocasião do seu centenário. Além do ilustre coordenador, outros grandes nomes integram a obra por meio de artigos, como Clayton Reis e Rui Stoco.
6 Apud REIS, Clayton; FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Op. cit., p. 105.
7 REIS, Clayton; FREITAS, Douglas Phillips (Org.). O Novo Código Civil: Comentado por Artigos. Florianópolis: Voxlegem, 2003, p. 106.
8 REsp 717425/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 31.03.08.
9 FREITAS, Douglas Phillips. Dano Morte no Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: ABREU, Pedro Manoel (Org.). Direito e Processo: Estudos em Homenagem ao Des. Norberto Ungaretti. Florianópolis: TJSC/Conceito, 2007, p. 93.
10 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 39-41.
11 Sérgio Severo citado por BORGES, Claudio. Dano Morte. In: FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Op. cit., p. 121.
12 Art. 948, CC: "No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família (...)".
13 Portugal. Processo 2957/03-1. Relator: Sénio Alves. Data do acórdão 23.03.04




*Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 24 - Maio/Jun de 2008 e republicado no do CD Magister 25 – Fev-Mar de 2009, de onde foi extraído.

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