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17 setembro 2009

AS “DIABRURAS” DO CNJ

Antes do início da sessão plenária do STF que iniciou o julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti, em 9/9 – uma das mais concorridas do ano - o ministro Marco Aurélio Mello, pediu a palavra para fazer um veemente protesto contra o CNJ, nos seguintes termos:


“– Fui alertado para algo inimaginável inserido no site do CNJ, e faço o registro para que fique nos anais do Supremo.

– Cogita-se da meta de julgamentos como se fosse algo passível de tarifação. Chegou-se, pasmem, a lançar no rol dos tribunais que devem cumpri-la o próprio STF. O CNJ está se tornando um super-órgão, acima do que prevê a Constituição. Esta Corte jamais se submeterá a diabruras deste ou daquele órgão.” (Negritado do blog).

Surpreso, o presidente do STF e CNJ, ministro Gilmar Mendes tentou explicar, mas o ministro Marco Aurélio insistiu, levando o Presidente a dizer que ia tomar providências com relação a matérias sobre a Meta 2 publicadas no site do CNJ.

Essas informações foram colhidas em matéria assinada pelo jornalista Luiz Orlando Car neiro na versão on-line do Jornal do Brasil sob o título STF: Marco Aurélio protesta contra "diabruras" do CNJ

Pois bem. Agora, informa a Agência de Notícias do CNJ que:

O pleno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu na terça-feira (15/09) por unanimidade abrir Processo Administrativo Disciplinar para analisar a conduta do juiz de Sete Lagoas (MG), Edílson Rumbelsperger Rodrigues, que, em 2007, se negou a aplicar a Lei Maria da Penha. Em um despacho, o magistrado considerou a lei inconstitucional e afirmou que "a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher" e que a lei “é, uma heresia manifesta”, entre outras declarações contrárias à lei. Para a abertura do processo, o relator, conselheiro Marcelo Neves, justificou que o juiz teria utilizado termos que revelariam preconceito e discriminação de gênero. Segundo ele “trata-se de uma denúncia grave de discriminação à mulher”. O caso começou a ser analisado no CNJ em 2008 por iniciativa da Corregedoria Nacional de Justiça por meio de uma Revisão Disciplinar aberta devido ao arquivamento, pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, de representação da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, contra a posição do juiz de Sete Lagoas.

O juiz proferiu uma decisão segundo seu convencimento. No processo brasileiro, o juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei até incidentalmente em qualquer processo e afastar sua aplicação. Todo jejuno em direito sabe disso. Não usou palavras chulas. Pode-se concordar ou discordar de sua decisão, mas não processá-lo como se tivesse cometido um crime de opinião. A DECISÃO DO JUIZ É SEMPRE RECORRÍVEL, e os tribunais saberão corrigir o que tiver de ser corrigido.

O blog não concorda com as convicções exposta pelo juiz, mas discorda, absoluta e frontalmente, que um juiz possa ser processado pelo pecado da linguagem. O juiz deveria gozar, no ofício de julgar, da mesma imunidade que é conferida a qualquer parlamentar.

Mas o judiciário brasileiro é tão conservador, opressor e anti-democrático que é a única instituição a submeter seus integrantes a uma lei imposta pela ditadura! Sim, é sempre bom recordar que a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Lei Complementar no. 35 - foi publicada no dia 14 de março de 1979, portanto, há mais de 30 anos e ainda prevalece, mesmo decorridos quase 21 anos depois da dita Constituição-cidadã, de 1988. Precisa dizer mais alguma coisa?

Pelos mesmos fatos o juiz já foi criticado pública e nacionalmente, respondeu a procedimento perante seu órgão correicional, inclusive prestou suas declarações expondo seu posicionamento através de nota pública, reproduzida no Conjur. Vide: Juiz que criticou Maria da Penha diz que foi mal interpretado

Entretanto, por unanimidade, o CNJ vai processá-lo novamente. PELOS MESMOS FATOS, através da Revisão Disciplinar 2008.10.00.000355-9, provocada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais que, ao que parece, ao invés de recorrer da decisão da Corregedoria para o Tribunal de Justiça, ingressou diretamente no CNJ.

Ao noticiar o fato hoje, o Conjur afirma que os conselheiros do CNJ chegaram a discutir a possibilidade afastar o juiz preventivamente e que tal afastamento será discutido no julgamento do mérito.

Interessante que na mesma sessão o CNJ decidiu, por maioria, afastar duas juízas da Bahia por supostos envolvimento em venda de sentenças e, por unanimidade, resolveu abrir novo processo contra o juiz. Dá a impressão de que para o CNJ é mais grave se envolver com a lei Maria da Penha do que com suposta venda de sentenças.

Ademais, se se vive em pleno estado democrático de direito, onde fica o direito de livre manifestação do pensamento? O CNJ não pode controlar a decisão proferida pelo juiz (ou será que já pode?), mas pode responsabilizá-lo pelas convicções expressas no processo, mesmo que infelizes, sob o ponto de vista de quem as lê?

O CNJ é o “super-órgão” julgador a que se refere o ministro Marco Aurélio? É uma brigada postada diuturnamente contra a magistratura, como um “caça-mosquitos”? É essa sua missão institucional? Punir o juiz que deixou de aplicar uma lei porque a julga inconstitucional não é atentar contra a jurisdição? Atentando contra a jurisdição não é atentar contra a própria democracia?

O anteprojeto do novo Código de Processo Penal foi escrito por uma plêiade de consagrados juristas e tramita no Congresso Nacional. Há diversos artigos publicados criticando o texto, especialmente porque, ao que parece, confesso que ainda não li o anteprojeto, acaba com a Lei Maria da Penha. Passando ou não, sendo ou não modificada, cabe na cabeça de alguém processar quem teria feito ou proposto tal alteração?

A AMB deveria verificar uma situação como essa que envolve o juiz-investigado. É uma ameaça a um juiz, por enquanto, depois, quem sabe...

Sabiamente o legislador criou um Conselho com prazo marcado. O juiz é vitalício, o Conselheiro, não.

CNJ, mais devagar com o andor.

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