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25 setembro 2009

ASPECTOS SUCESSÓRIOS DO DANO MORTE - 2


Parte 2 - Final



Douglas Phillips Freitas
Advogado; Doutorando em Direito e Especialista em Psicopedagogia; Professor. Coordenador das Comissões do IBDFAM/SC.

4 Tratamento Sucessório da Indenização por Dano Morte

O espólio é ente despersonalizado que recebe proteção jurídica conferindo-lhe direito e "legitimidade ad causam", representando-se ativa e passivamente por intermédio do administrador provisório (14), ou, depois de instaurado o inventário, por pessoa do inventariante.

Entende-se por herança o conjunto dos bens deixados pelo falecido. Não confundir com espólio, que é a herança do ponto de vista processual ou formal (15). Até o término do inventário e partilha, "os bens formam um espólio, que é a massa, ou a universalidade dos bens" (16), seus direitos e deveres.

A ação por Dano Morte será proposta por aquele que administrar o espólio ou seu inventariante, sendo a indenização incorporada ao espólio. Pagas as dívidas do de cujus e ainda sobrando valor desta indenização, haverá sua partilha nos moldes da lei.

Para alguns estudiosos do Direito, a possibilidade jurídica de se cumular o Dano Moral da família e o Dano Morte da vítima pode parecer uma forma de enriquecimento sem causa aos herdeiros. Entretanto, nem sempre os familiares que perceberão indenizações pela perda do ente querido também se beneficiarão pela herança majorada por conta do valor pago ao espólio, afinal:

a) o valor da indenização poderá ser transmitido (total ou parcialmente) aos credores do de cujus nos casos em que este não deixara bens suficientes para purgar tais débitos e dependerá da indenização por Dano Morte para solvê-la;

b) os pais, cônjuges/companheiros e colaterais, que têm direito aos danos morais pela perda do ente querido, terão que respeitar a ordem sucessória para perceber o valor pago ao espólio a título de Dano Morte. Os filhos (e talvez o cônjuge pelo regime patrimonial) irão perceber o montante pago ao espólio, enquanto aqueles outros parentes nada receberão desta indenização, somente daquela.

Destarte estas questões, o STJ já decidiu que:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE SOFRIDO PELO DE CUJUS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. 1. Dotado o espólio de capacidade processual, tem legitimidade ativa para postular em juízo a reparação de dano sofrido pelo 'de cujus', direito que se transmite com a herança. 2. Recurso especial conhecido e provido." (17)

Embora a nomenclatura utilizada no decisum tenha sido Dano Moral (lato sensu), trata-se, a toda evidência, de Dano Morte. É importante ressaltar que o julgado acima não se versa sobre instituto da substituição processual (em que, depois de ingressada ação, vindo o autor a falecer, esse é substituído por seu espólio). O texto é o reconhecimento jurisprudencial da capacidade do espólio em ser pólo ativo nas ações indenizatórias que o de cujus não pôde promover em vida.

Anteriormente ficava no campo doutrinário tal capacidade do espólio. Com o advento da nova lei civil, houve regramento expresso neste sentido:

"Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau."

Embora a dicção do texto legal acima transcrito outorgue a capacidade ativa para intento da ação aos parentes passíveis de herança por força do art. 1.829 da mesma lei, tecnicamente tal capacidade deve ser feita pelo espólio através de seu representante provisório ou inventariante. A transmissibilidade do direito indenizatório também encontra guarida no direito sucessório:

"Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança."

Léon Mazeaud, citado por Yussef Cahali, declara que:

"O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se estendesse ao herdeiro e este, fazendo seu o sofrimento do morto, acionasse o responsável a fim de indenizar-se a dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando vivo ainda, tinha contra o autor do dano.

Se o sofrimento é algo pessoal, a ação de indenização é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos herdeiros. Sem dúvida, a indenização paga ao herdeiro não apaga nem elimina o sofrimento que afligiu a vítima. Mas também é certo que, se a vítima, ela mesma, houvesse recebido uma indenização, não eliminaria igualmente a dor que houvesse padecido. O direito a uma indenização simplesmente ampliou o seu patrimônio. A indenização cumpre a sua finalidade compensatória, antes como depois do falecimento da vítima, com as mesmas dificuldades que resultam da reparação de um prejuízo moral por uma indenização pecuniária, o Dano Moral, por ser de natureza extrapatrimonial, não comunica essa particularidade à ação de indenização." (18)

No mesmo diapasão, há outras decisões do STJ sobre a matéria:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO.

Na linha da jurisprudência desta Corte, o espólio detém legitimidade para suceder o autor ação de indenização por danos morais. Precedentes." (19)

"RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE SOFRIDO PELO DE CUJUS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO.

Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do CPC), tem legitimidade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo de cujus, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil)." (20)

"LEGITIMIDADE ATIVA DA SUCESSÃO DE PESSOA FÍSICA FALECIDA PARA BUSCAR JUDICIALMENTE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS PELO DE CUJUS.

A Sucessão (os herdeiros), e até mesmo o espólio, possuem legitimidade ativa para pleitear indenização por danos morais sofridos pelo de cujus. Precedentes inclusive do STJ." (21)

5 Considerações Finais

Num mundo de valores e práticas perversas, hipoteticamente, adotando uma ótica monetarizada e cruel, o causador do dano, se houvesse como saber que o ato ilícito praticado viria inequivocamente a fatalizar a vítima, jamais a deixaria sair viva do acidente.

Raciocine, se o causador do dano vai ter que pagar inevitavelmente indenizações aos familiares pela perda do ente querido, não permitiria a possibilidade deste, durante seus momentos agonizantes, constituir procurador para propor ação indenizatória, pois correria o risco de majorar a indenização. Teria que pagar X aos familiares, mais Y ao espólio por conta da substituição processual. Neste raciocínio, o prejuízo é menor com a vítima morrendo no ato do sinistro.

O Dano Morte é indenizar o morto, independentemente de ter ou não proposto ação em vida. É compensar aquele que perdeu seu maior bem, a vida.

Não se trata de estender o direito da personalidade após seu término, que é a morte, mas buscar a reparação da lesão causada a este direito, que por ter sido tão grave ensejou o seu fim, ou seja, acreditar que não é possível buscar o Dano Morte pelo espólio é incentivar o locupletamento do causador do dano. Parece descabido à luz do sentido de eqüidade que deve proporcionar o Direito não reconhecer o direito à indenização pela perda da chance de viver, quando se reconhece tal direito nos casos de propositura de ação judicial em vida com posterior falecimento pelo ato danoso. Trata-se do que leciona o filósofo Albert Camus, de um crime de lógica, quando o raciocínio serve para justificar tudo, até para transformar assassinos em juízes.

Compensar pela perda da vida é tutelar a dignidade da pessoa humana "in totum". Giorgio Filibeck, neste sentido, é radical: a dignidade da pessoa humana ou é integral ou não é.

Sem dúvida, muito há o que se discutir sobre o tema. Neste cotidiano jurídico burocratizado que necessita da produção legislativa de forma expressa a tudo e todos, cabe ao ator jurídico interpretar as normas aqui trazidas para consolidar o Dano Morte em nosso ordenamento jurídico que em momento algum o impede de aplicá-lo ao caso concreto, resguardando os direitos individuais e promovendo maior justiça principalmente quando o objeto tutelado é a vida.

Notas do Autor:

14 "Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente: I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; III - ao testamenteiro; IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz."
15 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de Herança: Sucessão Legítima e Testamentária. Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/07a11-04-03/4euclides-oliveira1.htm.
16 Idem. Sucessão em geral: Disposições Gerais. In: FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. Florianópolis: Voxlegem, 2007, p. 18.
17 REsp 343654-SP (2001/0101096-8), Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 06.05.02, DJ 01.07.02. (In: DVD Magister, versão 18, Ementa 11038994, Porto Alegre: Magister)
18 CAHALI, Yussef. Dano moral. 3. ed. São Paulo: RT, p. 806-807.
19 REsp 648191, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 06.12.04. (In: DVD Magister, versão 18, Ementa 11203205, Porto Alegre: Magister)
20 REsp 343654, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 01.07.02. (In: DVD Magister, versão 18, Ementa 11038994, Porto Alegre: Magister)
21 TRF 4ª Região, AG 200771020001525, Desª Fed. Vânia Hack de Almeida, j. 08.05.07. (In: DVD Magister, versão 18, Ementa 16137414, Porto Alegre: Magister)
 
*Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 24 - Maio/Jun de 2008 e republicado no do CD Magister 25 – Fev-Mar de 2009, de onde foi extraído.

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