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12 agosto 2009

TEORIA NEO-CONSTITUCIONALISTA EM FACE DA INSTRUMENTALISTA


Teoria Neo-Institucionalista em Face da Instrumentalista: a Efetividade do Processo e a Celeridade do Procedimento* (Parte 1)

Magno Federici Gomes
Advogado, Mestre em Educação pela PUC Minas; Mestre em Direito Processual Civil, Doutor em Direito pela Univerdad de Deusto-Espanha e Professor em diversas instituições de ensino superior.
e
Isabella Saldanha de Sousa
Advogada, pós-graduada em Direito Processual pelo IEC da PUC Minas, Professora Assistente da PUC Minas.

RESUMO: A efetividade do processo e a celeridade do procedimento são preocupações constantes dos juristas e especialmente do legislador infraconstitucional reformista, desde as modificações normativas instituídas pela Lei nº 8.592/94 até as atuais. Todavia, em função da aplicação indiscriminada de tais institutos, os escassos estudos científicos demonstram que os princípios autocrítico-discursivos do processo podem vir a ser substituídos por uma efetividade e celeridade ditadas pelo Estado-Juiz, por meio de uma jurisdição protetora e garantista da aplicação dos conteúdos da lei, à margem dos destinatários da norma. Dessa forma, para desmistificar essa idéia de que a denominada "efetividade do processo com celeridade em sua tramitação" está vinculada a uma urgencialidade na prestação jurisdicional, busca-se ressemantizar os institutos jurídicos do processo, da jurisdição, da efetividade (como um princípio característico da jurisdição), da legitimidade das decisões judiciais e do princípio do devido processo legal, indispensáveis à compreensão do Estado de Direito Democrático na pós-modernidade. Conclui-se que, em uma cognição plenária, a integral aplicação dos princípios autocrítico-discursivos da processualidade democrática, isto é, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, é a única técnica jurídico-processual capaz de permitir que as questões de fato e de direito controvertidas em Juízo sejam efetivamente definidas, porquanto é impossível afastar a estrutura normativa procedimental do modelo constitucional de processo que lhe deve ser inerente, evitando, ainda, a prática viciada que produz lentidão na prestação jurisdicional.

Palavras-chave: Teoria Neo-Institucionalista do Processo; Efetividade do Processo; Celeridade do Procedimento; Compatibilizacão; Princípios Auto-Críticos Discursivos do Processo.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A Importância dos Princípios Constitucionais-Institutivos do Processo na Aplicação do Direito como Requisitos da Procedimentalidade Democrática; 2 Análise das Teorias Acerca da Efetividade do Processo: Identificação de Aportes para a Reconstrução desse Princípio no Paradigma Democrático. 3 A Efetividade do Processo e a Celeridade do Procedimento no Estado Democrático de Direito. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução

O dilema da "inefetividade" da Justiça, ou mais tecnicamente da jurisdição, há muito vem assolando o Estado-Juiz no exercício de sua função (aplicação cogente do ordenamento jurídico), bem como os jurisdicionados que estão ávidos por uma "prestação jurisdicional" justa e célere, em nome da tão aclamada pacificação social. Por vezes, coloca-se a culpa pelas mazelas e pelo descrédito decorrentes da prestação jurisdicional na instituição jurídica do processo. Tal instituto jurídico deveria ser visto sob a ótica de garantia de implementação de direitos fundamentais aos cidadãos e não como simples instrumento de resolução dos conflitos, com aplicação de justiça pelo "Poder Judiciário" (1). De forma que o processo não é o único responsável pela satisfação dos direitos materiais e instrumentais controvertidos em Juízo.

A idéia de que o processo seja moroso em virtude da lei e de que não propicia, no tempo (cronológico) devido, uma eficaz fruição do bem da vida pretendido pelos litigantes em Juízo levou o legislador reformista a aprovar a EC 45/04 e diversas leis infraconstitucionais (2), visando constitucionalizar a necessidade de razoabilidade na duração do processo com celeridade em sua tramitação.

A fórmula mítica encontrada para maquiar a solução desse problema foi dotar o representante do Estado-"Poder Judiciário" (o magistrado) de poderes na aplicação do Direito. Desse modo, o seu livre convencimento motivado é suficiente para fundamentar e legitimar as suas decisões à margem dos destinatários normativos, que simplesmente com ela aquiescem, sem que lhes seja ofertada a oportunidade de influir de forma dialógica, isonômica e irrestrita na sua construção, ou seja, de forma compartilhada com o primeiro.

Para desmistificar essa idéia de que a denominada "efetividade do processo com celeridade em sua tramitação" está vinculada a uma urgencialidade na prestação jurisdicional (3), busca-se ressemantizar os institutos jurídicos do processo, da jurisdição, da efetividade (como um princípio característico da jurisdição), da legitimidade das decisões judiciais e do princípio do devido processo legal, indispensáveis à compreensão do Estado de Direito Democrático na pós-modernidade.

Como marco teórico adotou-se a teoria neo-institucionalista do processo criada pelo Prof. Dr. Rosemiro Pereira Leal, em que o processo é "uma instituição constitucionalizada" (4), asseguradora de um "espaço jurídico procedimental de reconstrução da legalidade posta em balizamentos constitucionais democráticos que propicia ao povo a fiscalização incessante e irrestrita dos processos de criação e aplicação da normatividade" (5). Trata-se de um trabalho dogmático, isto é, teórico documental, em que são analisadas as teorias e os conceitos doutrinários da matéria abordada, mais precisamente jurídico-propositivo, pois questiona a legislação vigente e aponta as suas falhas.

Neste enfoque, questiona se a efetividade e a celeridade podem ser aplicadas de forma indistinta ao processo, sem compatibilizá-las com os demais direito-garantias fundamentais que consubstanciam o princípio do devido processo legal, constante na CR/88, em seu art. 5º, LIV.

1 A Importância dos Princípios Constitucionais-Institutivos do Processo na Aplicação do Direito como Requisitos da Procedimentalidade Democrática

O processo, na pós-modernidade (6), se estrutura pela principiologia constitucionalmente instituída do contraditório (7), da ampla defesa (8) e da isonomia (9), que atuam como direito-garantias às partes de que a judicação (10) será exercida de forma legítima e válida. A produção da lei, pelo devido processo legislativo, não é capaz, por si só, de lhe conferir legitimidade, que somente será alcançada pelo povo por meio da "formalização de um discurso procedimentalizado dos argumentos numa condição ideal de fala, com vistas à obtenção de uma decisão compartilhada e legítima" (11). Daí a importância de se aplicar à procedimentalidade democrática os princípios institutivos do processo, a partir da necessária distinção entre o processo (12) e o procedimento (13), institutos jurídicos cuja distinção não é feita pela escola paulista de processo, em que o procedimento é "o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica" (14).

Assim, não é qualquer procedimento (considerado como uma mera seqüência ordenada de atos procedimentais) que se encaminha pelo processo, para que seja alcançado o provimento final (sentença), mas somente aquele procedimento democrático que permite aos destinatários normativos a fiscalização ampla e irrestrita, através de uma participação dialógica na preparação dos provimentos (todas as decisões exaradas no curso do procedimento até a sentença).

Decerto, "pode-se dizer que a atividade cognitivo-processual (análise dos instrumentos de prova e argumentos) não pode sofrer nenhuma restrição quanto aos princípios institutivos do processo" (15), sob conseqüência de "anulação do provimento exarado, porquanto ilegítimo e inconstitucional" (16).

2 Análise das Teorias Acerca da Efetividade do Processo: Identificação de Aportes para a Reconstrução desse Princípio no Paradigma Democrático

Para se esclarecer o conceito de efetividade do processo na pós-modernidade, faz-se necessário um estudo prévio e crítico das teorias sobre ela, até então formuladas, para a ressemantização desse princípio no paradigma democrático (17).

Dinamarco (2003) foi um dos responsáveis pela criação da teoria da instrumentalidade e assevera que ela é o caminho para o "aprimoramento do sistema processual e premissa indispensável nos estudos e propostas pela efetividade do processo" (18). Nessa concepção, o processo é visto como o instrumento de realização do direito material, para a resolução dos conflitos entre os litigantes, por meio da tutela da pretensão da parte pela jurisdição. Aplicou-se a teleologia (19) ao processo e à jurisdição, como mecanismo de atingir os escopos metajurídicos desses institutos. Aferiu-se, então, o grau de utilidade do sistema processual e combateu-se o positivismo jurídico, que se preocupava apenas com o resultado do processo, ou seja, a atuação da vontade do direito substancial que regulamenta o caso concreto.

No plano social, a jurisdição tem a missão de pacificação de conflitos pelo critério de justiça das decisões, de modo que os jurisdicionados aquiesçam com aquelas que lhes forem favoráveis ou não, sem o oferecimento de qualquer resistência. Trata-se do resgate da teoria da legitimidade do direito de Niklas Luhmann, em que "o provimento é ato estatal unilateral, cujos efeitos jurídicos operam sem a necessidade da aquiescência de outra pessoa pública ou daquele a quem se dirige o ato" (20). A decisão judicial, nessa hipótese, somente se reputaria justa e legítima e, portanto, democrática, diante da aceitação geral do exercício de poder pelo julgador sobre o jurisdicionado.

Adepto a essa teoria, Dinamarco (2003) preleciona que basta educar os cidadãos acerca de seus direitos e obrigações para que o "Poder Judiciário" (21), no plano político, como órgão de positivação do poder estatal, torne-se o depositário da confiança plena de que a massa de conflituosidade será resolvida pelo processo, com rapidez (22) e eficiência (23). Sobre a "efetividade do processo" (24), assevera Dinamarco (2003):

"Por sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade." (25)

A seu turno, Zavascki (2005) menciona que:

"O direito fundamental à efetividade do processo - que se denomina também genericamente, de acesso à justiça, o direito à ordem jurídica justa - compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos." (26)

A finalidade da jurisdição (27), tão aclamada pelos adeptos da escola paulista de processo (28), foi inspirada nos modelos de Estado Liberal e Social (Walfare State) (29), antigos paradigmas jurídicos do Estado de Direito Democrático, que não se amoldam à pós-modernidade.

Marinoni (2007), apesar de também ser filiado à escola paulista de processo, avançou em seu pensamento ao admitir, em recente obra, que "a participação social não pode caracterizar a atividade jurisdicional porque é preciso verificar a legitimidade do poder de resolução dos conflitos e das decisões destinadas a regulá-los" (30). Do contrário, "estaríamos aceitando que qualquer poder instituído, mesmo que atuando de forma ilegítima e de modo contrário aos princípios materiais de justiça, exerce jurisdição" (31).

Apesar de continuar colocando a justiça na resolução dos conflitos como uma "conseqüência da existência de um poder do Estado-Juiz exercido sobre os seus subordinados" (32), reconhece que é indispensável esclarecer qual é a origem ou o fundamento dessa legitimidade do "Estado-Juiz", em exercer a função jurisdicional, sob conseqüência de se estar legitimando, de forma velada, a tirania e o abuso de poder, o que, dito de outro modo, significa instituir um modelo de "Estado pseudo-democrático" (33). Nessa concepção de democracia às avessas, o equívoco é supor que "ao se atribuir ao Poder Judiciário a qualidade racional-instrumental de assegurar o primado da Lei e do Direito para preservar a sociedade, o juiz seria o dador de justiça e liberdade" (34).

Dessa forma, o magistrado, na aplicação do direito, vale-se de "ideários axiológicos (bom senso, prudente arbítrio, relação adequada, boa-fé, justa causa, dentre outros)" (35), para definir, segundo os seus juízos de convicção, quais serão as aspirações sociais tuteladas e reveladas pelas decisões judiciais, sem garantir aos seus destinatários qualquer forma de participação na preparação das decisões para a resolução do conflito.

Daí, conclui-se que os escopos metajurídicos ou pré-jurídicos foram agregados ao processo e à jurisdição, cuja finalidade é veicular ideologias, na medida em que seus objetivos foram erigidos à margem do ordenamento jurídico, conforme adverte Gonçalves (1992):

"Os fins metajurídicos do processo não possuem critérios objetivos de aferição no Direito Processual Civil. Se o exercício da função jurisdicional se manifesta sob a disciplina do ordenamento jurídico, e nos limites por ele definidos, qualquer fim do processo só pode ser jurídico." (36)

No mesmo sentido, Leal (2002):

"A ideologia, como linguagem estratégica da preservação do estado Liberal e do Estado do bem-estar social, reclama uma técnica de conjectura tópico-retórica (baseada em pontos de vista, opiniões correntes, costumes, lugares comuns), em que se utiliza de uma linguagem estratégica pela preservação de uma racionalidade conforme fins em critérios de uma verdade consensual (jurisprudencializada) entre intérpretes especialistas interessados em salvar suas decisões de um possível desagrado social." (37)

Em 1994, com a vigência da Lei nº 8.952 (38), introduziram-se as cognominadas tutelas de urgência (39), sob os fundamentos de dano iminente e perigo de demora, somados à idéia latente de conferir agilidade à exaração das decisões no curso do procedimento. Diante do velho dilema do qual já falava Carnelutti (40), entre a segurança jurídica propiciada por uma cognição plena e exauriente, característica da cognição pautada em um direito democrático, e a celeridade "do processo", se optou por essa última, sob o argumento de que: "a segurança sem dúvida é indispensável, mas em benefício da rapidez das decisões, da prioridade que deve ser dada à celeridade dos processos, nada impede que algumas garantias sejam arranhadas" (41).

Com efeito, percebe-se que essa interpretação do instituto jurídico da celeridade dos procedimentos é tópico-retórica, porque visa garantir a atuação de uma razão instrumental, fundada na adequação dos meios (técnica jurídico-processual dos procedimentos) aos fins (escopos jurídicos e metajurídicos da jurisdição e do processo). Em crítica veemente à interpretação dada por essa corrente doutrinária sobre a relação do processo com o tempo, destaca Tavares (2006), mencionando Dinamarco (2003):

"Para quem o tempo seria um fator de corrosão de direitos e um dos males do retardamento do reconhecimento e da satisfação desses mesmos direitos. Mas o tempo não pode ser responsabilizado pela demora na fruição do direito pelos litigantes em Juízo porque ele é um fenômeno da natureza, que simplesmente flui." (42)

Mas essa idéia de redução do tempo da "prestação da tutela dos direitos", em nome de uma jurisdição efetiva, continuou sendo difundida, tanto que, em 31.12.04, introduziu-se, com a EC 45, o inciso LXXVIII ao art. 5º, CR/88, que assegura a todos os litigantes, no âmbito judicial ou administrativo, a garantia da razoável duração do "processo" e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Os juristas filiados à escola paulista de processo conferem a tal princípio uma interpretação canhestra, influenciados pelas ondas renovatórias para melhorar o acesso à justiça de Cappelletti (43) e pela instrumentalidade do processo de Dinamarco (2003), ao continuarem reafirmando que o processo deve estar a serviço da jurisdição, para que se possa alcançar a pretensa celeridade na prestação da tutela do direito, a saber:

"Já se destacou que a garantia apenas formal não assegura acesso à justiça e, desde o início do século XX, em especial, foi acrescida a preocupação com o acesso efetivo. De nada adianta ir a Juízo, se não há uma resposta do Poder Judiciário em tempo hábil e capaz de realizar os objetivos da jurisdição. Há obstáculos que devem ser rompidos e um deles é o da demora da prestação jurisdicional." (44)

Até admitem que as demais garantias decorrentes do devido processo legal (a ampla defesa, o contraditório e a isonomia) devem ser asseguradas aos litigantes em Juízo, mas a aplicação daquele princípio deve ser realizada de forma imperativa, ou seja, deve-se primar pela agilidade no exercício da função jurisdicional a todo custo, porque o objetivo em foco é a satisfação do direito material tutelado pela lei, com a sumarização da cognição, que deve ser realizada com o menor dispêndio econômico para as partes e em curto espaço de tempo. Essa seria a fórmula mágica para que a justiça e a pacificação social sejam alcançadas na resolução dos litígios.

Com essa finalidade, também foram introduzidas no ordenamento jurídico as Leis ns. 9.099/95 (45) e 10.259/01 (46), que instituíram os Juizados Especiais Estaduais e Federais. Tais Juízos foram criados para "aproximar e distribuir a justiça às camadas menos favorecidas, que por receio, ignorância, descrédito, ou simplesmente falta de orientação, estavam à mercê da atividade jurisdicional do Estado em seus moldes tradicionais" (47). Para se atingir essa democratização no "livre acesso ao Judiciário", os referidos diplomas legais instituíram os princípios informativos da oralidade, da simplicidade, da economia processual e da celeridade, dispensando a participação do advogado em alguns dos procedimentos regulamentados pelas referidas leis federais (48) e cerceando parcialmente o direito de acesso ao duplo grau de jurisdição. A última afirmativa se deve ao óbice criado ao jurisdicionado na interposição dos recursos de agravos, retidos ou de instrumentos contra as decisões interlocutórias (49), e dos recursos especiais.

A dispensa do advogado por meio da permissibilidade do jus postulandi nesses verdadeiros "ritos" (e não procedimentos processualizados, na concepção democrática), constitui uma afronta às partes, que terão alijados os direitos à ampla defesa, à isonomia e ao contraditório, o que as impede de participar de forma compartilhada na construção das decisões judiciais. Essa questão também é nítida no sistema recursal prescrito pelas citadas legislações, que em nome da agilização dos procedimentos suprime a garantia de acesso ao duplo grau de jurisdição em alguns casos, como salientado anteriormente.

Sintetiza-se, então, que o ponto vulnerável de todas essas propostas em torno da sumarização da cognição para se chegar ao provimento final (sentença ou acórdão) é que elas estão voltadas para uma celeridade do procedimento e uma efetividade do processo, como únicos requisitos para se alcançar uma decisão justa. Percebe-se, assim, que há uma troca falaciosa e mítica dos princípios institutivos do processo (que, por sua vez, informam um princípio maior, o do devido processo legal), pelos princípios informativos (do processo e dos Juizados Especiais), tese que definitivamente não coaduna com um Direito que se pretende democrático. Nesse sentido também afirmou Canotilho, citado por Sousa (2007), a saber:

"(...) a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente 'justiça acelerada'. A 'aceleração' da proteção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva), pode conduzir a uma justiça pronta, mas materialmente injusta (...)." (50)

Notas dos autores:

1 A utilização dessa expressão vem sendo criticada porque o poder emana do povo e só em seu nome poderá ser exercido, sendo que a denominação mais correta (porque isenta de subjetivismo) seria função ou atividade jurisdicional, cuja finalidade é a aplicação imperativa do ordenamento jurídico na reação contra o ilícito.
2 Desde 1994, com a introdução no ordenamento jurídico da Lei nº 8.952, passando pela EC 45/04, especialmente com as últimas reformas processuais introduzidas no ordenamento jurídico pelas Leis ns. 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06, 11.341/06 e 11.382/06, dentre outras.
3 A urgencialidade é revelada pelo incremento dos poderes de atuação do Juízo, numa concepção salvadora e justiceira de que esse seria o método mais eficiente para solucionar os litígios na comunidade jurídica.
4 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 181.
5 Ibidem.
6 A pós-modernidade caracteriza-se, em substituição à modernidade fundada numa razão prescritiva/instrumental, "por um direito que não se contenta com pretensões de validade em bases meramente estratégicas de preservação de uma paz sistêmica, em que os destinatários das normas não são clientes passivos da legalidade produzida, é que se realizaria a legitimidade do direito mediante a estruturação procedimental criadora de situações jurídicas pelo devido processo legislativo", também sujeitas à fiscalização pelo devido processo legal (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 28).
7 "O princípio do contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado, traduzindo em seus conteúdos, pela dialeticidade necessária entre interlocutores que se postam em defesa ou disputa de direitos alegados, podendo até mesmo exercerem a liberdade de nada dizerem (silêncio), embora tendo o direito garantia de se manifestarem". Nesse enfoque, é inadmissível o contraditório postecipado ou postergado, segundo Rosemiro Pereira Leal (Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 110).
8 "O princípio da ampla defesa é coextenso ao do contraditório e da isonomia, porque a amplitude de defesa se faz nos limites temporais do procedimento em contraditório, pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado na lei." (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 111)
9 "O princípio da isonomia é referente lógico-jurídico indispensável do procedimento em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no processo equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre partes, da estrutura procedimental." (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 111)
10 Entenda-se como ato de decisão egresso do conteúdo da lei.
11 MADEIRA, Dhenis Cruz. Da impossibilidade de supressão dos princípios institutivos do processo. In: TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Constituição, direito e processo. Curitiba: Juruá, 2007. p. 123-143, p. 128.
12 O processo na teoria neo-institucionalista deve ser compreendido como uma instituição constitucionalizada, apta a reger o procedimento em contraditório, em isonomia e em ampla defesa.
13 O procedimento "é uma estrutura técnica de atos jurídicos praticados por sujeitos de direitos, que se configura pela seqüência obediente à conexão de normas preexistentes no ordenamento jurídico indicativos do modelo de procedimento" (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 107).
14 LEAL, Rosemiro. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 106.
15 MADEIRA, Dhenis Cruz. Da impossibilidade de supressão dos princípios institutivos do processo. In: TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Constituição, direito e processo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 123-143, p. 134.
16 Ibidem.
17 "O conceito paradigmático de Estado Democrático de Direito é o de instituição jurídico-espacial condicionante de permanente legitimação processual de validade do ordenamento jurídico por um povo ativo na realização da integração social" (MOREIRA, Luiz. A fundamentação do direito em Habermas. 3. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, prefácio da 2. ed.). E isso somente seria possível através da adoção da teoria neo-institucionalista do processo, em que este seja visto como uma "instituição constitucionalizada de controle e regência popular soberana e legitimante dos procedimentos como estruturas técnicas de argumentos jurídicos assegurados, numa progressiva relação espácio-temporal, de criação, recriação (transformação), extinção, fiscalização, aplicação (decisão) e realização (execução) de direitos, segundo os princípios do contraditório, isonomia e ampla defesa" (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 179).
18 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25.
19 A teleologia está ligada à idéia de finalidade, ou seja, não importa o meio pelo qual se chegue a um resultado, pois o meio se torna legítimo na medida do alcance da finalidade para a qual se destina. Assim, "o raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 149).
20 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 161.
21 Destaca-se a observação apresentada anteriormente.
22 Rápida ou célere, na escola paulista de processo, é a decisão judicial que tem por finalidade a composição do litígio no menor tempo (cronológico) possível, em nome da pacificação com justiça social.
23 "Para que o processo cumpra com eficácia o fim social para o qual foi concebido (satisfação do interesse das partes com pacificação social), propiciando não só a satisfação jurídica, mas também efetividade, é preciso que se desenvolva em um período razoável." (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipado da lide. Revista de Processo, São Paulo, v. 31, n. 141, p. 103-136, nov. 2006, p. 108)
24 Ao longo desta parte, a expressão foi colocada entre aspas porque o processo entendido como uma instituição constitucionalizada e garantidora da implementação de direitos fundamentais, tal como preleciona a teoria neo-institucionalista do processo, aqui adotada como marco teórico, nunca poderia ser célere ou efetivo, nos moldes em que menciona Dinamarco (2003).
25 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 332.
26 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 65.
27 Isto é, a de eliminação do litígio com justiça nas decisões judiciais, de modo a se atingir a paz social.
28 A escola paulista de processo inspirou-se na teoria da relação jurídica criada por Oscar Von Bülow (1968), segundo a qual a relação jurídica de direito processual é triangular, formada pelo juiz no ápice do triângulo, ditando a relação jurídica a ser estabelecida entre as partes (autor e réu) que, por sua vez, estão conectadas por meio de vínculos de subordinação, em que o autor tem o direito de exigir do réu, que é tratado como o delinqüente do processo, alguma conduta prescrita no ordenamento jurídico.
29 Este modelo de Estado surgiu no século XX, no qual se adotava uma visão nitidamente clientelista do jurisdicionado, que cobrava, pelo exercício da jurisdição, do Estado-Juiz (paternalista) a prestação jurisdicional (proteção) do direito material, em curto espaço de tempo (cronológico), até o final do procedimento, com a prolação do ato final (sentença), para se obter uma justiça com pacificação social do conflito. A forma deveria ser célere, posto que uma justiça tardia equivaleria à denegação de justiça.
30 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 113.
31 Ibidem.
32 Ibidem.
33 O conceito de democracia, em Dinamarco (2003), ainda é o de democracia representativa, em que "a participação do povo no processo legislativo se dá através de representantes e a legitimidade desse processo (não jurisdicional) se dá pela norma positivada". No processo jurisdicional, "o processo é o microcosmos democrático do Estado-de-direito, com as conotações da igualdade, liberdade e participação (contraditório)", mas a partir de uma conotação axiológica do valor justiça (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 85 e 26).
34 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 112.
35 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 113.
36 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 195.
37 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 52-53.
38 BRASIL. Lei nº 8.952, de 13 dez. 1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial, Brasília, 14 dez. 1995.
39 Mais especificamente em relação à antecipação da tutela legal, que foi concebida para que os efeitos da sentença pudessem ser antecipados, mas sem conceder a oitiva da parte contrária, que também vai sofrer os efeitos da decisão e não pôde participar de sua construção. Fala-se do contraditório exercido de forma postecipada (posterior à prolação da decisão judicial), em que apenas com a interposição do recurso cabível contra a decisão que antecipou os efeitos da tutela legal é que se poderá dizer que os destinatários normativos influenciaram na tentativa de reforma da decisão prolatada.
40 CARNELUTTI apud GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipado da lide. Revista de Processo, São Paulo, v. 31, nº 141, p. 103-136, nov. 2006, p. 106.
41 Essa idéia ainda está sendo disseminada no meio acadêmico, especialmente pela magistratura paulista, conforme assevera Fernando da Fonseca Gajardoni (O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipado da lide. Revista de Processo, São Paulo, v. 31, nº 141, p. 103-136, nov. 2006, p. 108).
42 TAVARES, Fernando Horta. Tempo e processo. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Org.). O Brasil que queremos: reflexões sobre o Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2006, p. 217.
43 CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31-73.
44 MAGALHÃES, Ana Luíza de Carvalho; CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Efetividade da prestação jurisdicional: o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal inserido pela EC 45/2004. Revista de Processo, São Paulo, v. 31, nº 138, p. 79-111, ago. 2006, p. 85.
45 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 set. 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 27 set. 1995.
46 BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 jul. 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Diário Oficial, Brasília, 13 jul. 2001.
47 SALOMÃO, Rafael Silveira. Juizados Especiais. Boletim Jurídico, ano V, nº 261, abr. 2005. Disponível em: . Acesso em: 14 mar. 2008.
48 A participação do advogado pode ser dispensada na primeira instância dos Juizados Especiais Federais, em qualquer causa, e nos Estaduais, quando o valor da demanda não ultrapassar a quantia de 20 salários mínimos. Destaca-se que em grau de recurso os advogados sempre deverão intervir como mandatários das partes.
49 Ressalva ao recurso previsto no art. 5º, da Lei nº 10.259/01.
50 CANOTILHO apud SOUSA, Michele Faria de. O procedimento dos juizados especiais cíveis e efetividade do processo. In: TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Urgências de tutela. Curitiba: Juruá, 2007, p. 155-166, p. 164.

*Artigo publicado originalmente na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 25 - Jul/Ago de 2008 e no CD Magister 25 – Fev-Mar de 2009, de onde foi extraído.

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