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13 agosto 2009

STF DEFERE LIMINAR A DESEMBARGADOR PARA NÃO DECLARAR AS RAZÕES DE FORO ÍNTIMO

Foto STF/BancodeImagem

O desembargador João de Assis Mariosi, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, impetrou Mandado de Segurança (MS 28089) contra a Resolução 82/09 do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os magistrados a justificar as razões pelas quais eles se negam a julgar um processo por motivo de foro íntimo.

O impetrante alegou que sendo o motivo “íntimo“ não poderia ser obrigado a motivar a suspeição, tendo em vista o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa a não ser com previsão legal.

A decisão que obriga os magistrados a expor os motivos que os levam a enviar os processos para uma redistribuição foi tomada pelo CNJ para impedir que o mesmo processo seja rejeitado sem análise por vários juízes, sempre sob declaração de suspeição. Ao prestar esclarecimentos no processo, o CNJ disse que “a declaração de suspeição revelou-se um mecanismo utilizado por alguns magistrados para evitar o aumento dos processos a eles distribuídos, ou mesmo direcionar a distribuição, ferindo o princípio do juiz natural”.

O ministro Joaquim Barbosa deferiu o pedido liminarmente acentuando que o Código de Processo Civil, no artigo 135, estabelece um núcleo de intimidade que não pode ser atingido ou devassado, sob pena de mitigar a independência do julgador. Ele, inclusive, citou uma decisão semelhante da Corte, no Mandado de Injunção 642, na qual o relator, ministro Celso de Mello, entendeu que a declaração de suspeição, pelo juiz, desde que fundada em razões de foro íntimo, não comporta a possibilidade jurídica de qualquer medida processual destinada a compelir o magistrado a revelá-las.

A intenção do CNJ pode ter sido boa, mas não tem amparo legal. Ademais, os casos revelados nas informações constituem conluio ficando sujeito a punição aqueles que assim agiram e não se pode admitir que isso seja uma prática tão constante. A preservação da intimidade do juiz é uma prerrogativa que não pode ser desnudada, inclusive porque dependendo da revelação poderia comprometer até mesmo o direito de uma das partes em litígio, quebrando o princípio da igualdade processual.

A decisão referida pelo ministro Joaquim Barbosa é natureza monocrática e foi proferida em 2001pelo Ministro Celso de Mello em mandado de injunção, conforme segue abaixo na íntegra. A parte principal da controvérsia está destacada pelo blog em itálico negritado.

MI 642 / DF - DISTRITO FEDERALMANDADO DE INJUNÇÃO
Relator(a) Min. CELSO DE MELLO
Partes:

IMPTE. : CELSO MARQUES ARAÚJO
IMPDO. : CONGRESSO NACIONAL
Julgamento : 01/08/2001
Publicação ; DJ 14/08/2001 P - 00235

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. INEXISTÊNCIA DE LACUNA TÉCNICA. IMPETRAÇÃO QUE OBJETIVA IMPOR AO MAGISTRADO O DEVER DE REVELAR AS RAZÕES DE FORO ÍNTIMO, EM CASO DE SUSPEIÇÃO (CPC, ART. 135, § ÚNICO). INADMISSIBILIDADE DO WRIT INJUNCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO.

O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. Para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional. Eventuais lacunas normativas ou imperfeições de conteúdo material, constantes de textos meramente legais ou de normas inscritas em tratados internacionais, não se revelam colmatáveis, nem suscetíveis de correção, por via injuncional, eis que o mandado de injunção somente tem pertinência, quando destinado a suprir omissões estatais na regulamentação de cláusulas exclusivamente fundadas na própria Constituição da República. Precedentes. DECISÃO: Trata-se de mandado de injunção impetrado com o objetivo de solicitar, ao Congresso Nacional, informações que permitam, ao Poder Legislativo da União, aperfeiçoar a redação do parágrafo único do art. 135 do CPC, que dispõe sobre a possibilidade de o magistrado declarar-se suspeito, por motivo de foro íntimo, nos processos em que atue. Postula-se, na presente sede injuncional, que o Poder Legislativo da União imponha, ao magistrado, o dever de "declarar o motivo da natureza da suspeição" (fls. 07), criando-lhe a obrigação de fundamentar esse juízo e de comprovar as razões que lhe dão suporte (fls. 07). Passo a apreciar o pedido ora formulado. E, ao fazê-lo, nego trânsito à presente ação injuncional, eis que inocorrente, no caso, a situação de lacuna técnica - reclamada pela norma inscrita no art. 5º, LXXI, da Carta Política - que constitui pressuposto necessário ao adequado exercício do mandado de injunção. Como se sabe, o writ injuncional tem por função processual específica viabilizar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas, diretamente outorgados pela própria Constituição da República, em ordem a impedir que a inércia do legislador comum frustre a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional. Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência - necessária ao exercício efetivo de determinados direitos neles diretamente fundados - depende, essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador. É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional (MI 463-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Eventuais lacunas normativas ou imperfeições de conteúdo material, constantes de textos meramente legais ou de normas inscritas em tratados internacionais, não se revelam colmatáveis, nem suscetíveis de correção, por via injuncional, eis que - como já enfatizado - o mandado de injunção somente tem pertinência, quando destinado a suprir omissões estatais na regulamentação de cláusulas exclusivamente fundadas na própria Constituição da República. No caso presente, o ora impetrante não demonstrou a existência, no texto constitucional, de regra, que, ao prever a edição de norma regulamentadora, instituísse, desde logo, em favor do particular, o direito deste a ver revelados, por Juiz que se declare suspeito, por razões de foro íntimo, os motivos que fundamentaram tal decisão.
Impõe-se considerar, neste ponto, que a declaração de suspeição, pelo Juiz, desde que fundada em razões de foro íntimo, não comporta a possibilidade jurídica de qualquer medida processual destinada a compelir o magistrado a revelá-las, pois, nesse tema - e considerando-se o que dispõe o art. 135, parágrafo único, do CPC -, o legislador ordinário instituiu um espaço indevassável de reserva, que torna intransitivos os motivos subjacentes a esse ato judicial. Cabe registrar que esse entendimento encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (ARRUDA ALVIM, "Código de Processo Civil Comentado", vol. VI, p. 116, item n. 3.10, 1981, RT; NELSON NERY JUNIOR/ROSA MARIA ANDRADE NERY, "Código de Processo Civil Comentado", p. 618, 4ª ed., 1999, RT; CELSO AGRÍCOLA BARBI, "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. I, tomo II, p. 425, item n. 744, 10ª ed., 1998, Forense; ANTONIO DALL'AGNOL, "Comentários ao Código de Processo Civil", p. 166, item n. 3, 2000, RT, v.g.), cuja percepção da matéria ora em exame assim foi destacada, em passagem lapidar, por PONTES DE MIRANDA ("Comentários ao Código de Processo Civil", tomo II/430, item n. 6, 3ª ed., 1997, Forense): "Suspeição por motivo íntimo - Ao juiz confere o art. 135, parágrafo único, o direito (não só a faculdade) de se declarar suspeito, 'por motivo íntimo'. Motivo íntimo é qualquer motivo que o juiz não quer revelar, talvez mesmo não deva revelar. A lei abriu brecha ao dever de provar o alegado, porque se satisfez com a alegação e não exigiu a indicação do motivo. A intimidade criou a excepcionalidade da permissão: alega-se haver motivo de suspeição, sem se precisar provar." (grifei)
O exame da presente causa evidencia, em suma, consoante precedentemente enfatizado, que inexiste, na hipótese exposta pelo ora impetrante, situação configuradora de lacuna técnica (MARIA HELENA DINIZ, "Norma Constitucional e seus Efeitos", p. 38, 1989, Saraiva; HANS KELSEN, "Teoria Pura do Direito", vol. 2/111-112, 1962, Coimbra), que representa, no plano da estrutura constitucional do mandado de injunção, um dos pressupostos essenciais e necessários à utilização do writ injuncional. Vê-se, portanto, que se revela insuscetível de conhecimento a presente ação injuncional promovida pela parte ora impetrante. Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, não conheço da presente ação de mandado de injunção, por tratar-se de medida juridicamente incabível. Arquivem-se estes autos. Publique-se.
Brasília, 1º de agosto de 2001.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator.
Com informações extraídas do site do STF e reformatadas pelo blog.

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