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14 agosto 2009

O ACESSO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À JUSTIÇA




HIGYNA JOSITA S. DE ALMEIDA BEZERRA
Juíza de direito do estado da Paraíba, mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba e diretora do Setor de Convênios da Associação dos Magistrados da Paraíba (AMPB)

O insight para escrever este artigo veio a partir do momento em que conheci a história de Hannah Arendt. Hannah foi uma mulher que esteve entre nós de 1906 a 1975. Uma filósofa alemã que viveu sob a Era Hitler e teve que se refugiar do nazismo em outros países, tendo permanecido durante vários anos apátrida, ou seja, sem nacionalidade, uma displaced person, no dizer de Celso Lafer. A despeito disso, ela nunca se conformou com a situação a que foi submetida e passou o resto de sua vida dedicada a contribuir com a humanidade, a deixar-nos um legado, a nos ensinar que os seres humanos, pela dignidade inata que possuem, têm direito a ter direitos. Avisou-nos que é preciso aprender com a experiência do passado, para não repetirmos erros como o do holocausto que ceifou a vida de seis milhões de judeus. Ela escreveu diversas obras. Esse foi o seu legado.

Mas, não precisamos ir muito longe para encontrar verdadeiros heróis. Maria da Penha Maia Fernandes, brasileira, cearense, biofarmacêutica, é prova dessa assertiva. Ela, vítima de violência doméstica, ficou paraplégica após sofrer agressão de seu marido. Seu corpo estava preso a uma cadeira de rodas, contudo, sua voz ecoou durante anos na luta pelo fim da impunidade. Ela não escreveu diversas obras. Porém, fez de sua tragédia pessoal uma bandeira de luta pelos direitos da mulher. Ela nos legou a Lei nº 11.340/2006, que recebeu o nome Lei Maria da Penha em homenagem a ela.

A Lei nº 11.340, promulgada em 7 de agosto de 2006, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, inclusive, a previsão de criação de juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Na Paraíba ainda não houve a criação do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Mas, existem ações do atual presidente do Tribunal de Justiça Paraibano, desembargador Luís Sílvio Ramalho Junior, voltadas para construção em João Pessoa (PB) do mencionado órgão jurisdicional. Com a efetivação desse projeto, ganham as mulheres e ganhamos todos nós. Isso por que existe total vinculação da efetivação do juizado com a concretização dos direitos humanos, não só das mulheres, mas dos indivíduos em geral.

Precisamos entender que cada passo que damos na direção da afirmação dos direitos humanos é um benefício para a humanidade como um todo. Devemos reconhecer no nosso semelhante também um pouco de nós mesmos, a ponto de nos indignarmos com o ferimento da dignidade alheia e com o sofrimento do outro.

A criação do juizado é importante porque facilita o acesso da mulher vítima de violência doméstica à Justiça. E não falo aqui apenas no direito de ingressar com uma ação em juízo, mas também no direito de manter o processo até o final e de receber do Judiciário uma resposta em tempo razoável. A implementação do juizado, por outra vertente, facilitaria a intervenção rápida do Judiciário em situações que demandam extrema emergência que, em regra, requerem a expedição de medidas de prevenção previstas na lei retro citada. Traria, ainda, em si toda a estrutura interdisciplinar necessária ao trato dessas questões de violência de gênero.

O acesso à Justiça é um dos principais direitos humanos existentes, já que somente através do acesso ao Judiciário é possível a cobrança de outros direitos. Ora, quando as garantias de proteção dos direitos das mulheres não são cumpridas, a quem é que as mulheres recorrem para exigir justiça? Daí a importância de se facilitar esse acesso ao Poder Judiciário. Os tribunais e o sistema judiciário desempenham um papel fundamental enquanto garantes de que o enquadramento jurídico é aplicado de uma forma integral, justa e uniforme a todos os indivíduos: ricos e pobres, jovens e idosos, mulheres e homens.

Como já dizia Martin Luther King, “o arco da história é extenso, mas curva- se na direção da justiça”. Após diversos anos de luta, o tempo tem mostrado que a história tem se curvado a favor dos direitos humanos. A idéia de que a justiça é possível, que a brutalidade será punida e que as mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil serão protegidas pelo Judiciário cria esperança e promove a confiança nas instituições públicas.

A entrada em vigor da Lei Maria da Penha foi um avanço. Foi um passo na direção da igualdade de gênero. Falta muito ainda. Segundo dados das Nações Unidas, se as ações iniciadas não sofrerem interrupções ou retrocessos, haverá igualdade entre homens e mulheres no ano 2490. O certo é que a referida lei não é uma panacéia para todos os males, mas é um caminho a seguir na luta pela reconstrução dos direitos humanos.

Extraído do site da AMB

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