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19 agosto 2009

ADVOCACIA APÓS A REFORMA DO CPC2 - HONORÁRIOS


O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA ADVOCACIA APÓS A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:
A VALORIZAÇÃO DO CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS* - Parte 2 - Final

Rodrigo Afonso Machado
Advogado em São Paulo; Pós-Graduando, Lato Sensu, em Direito Processual pela UNISUL/LFG.

3 A Reforma do Código de Processo Civil

Há muito a doutrina moderna e os operadores do direito têm debatido e criticado as normas processuais que regulam a tramitação dos feitos no âmbito do Poder Judiciário. Na esfera cível, os processos quedam-se quase inertes por anos nos cartórios de primeira instância e nos Tribunais, em razão da morosidade e do excesso de mecanismos processuais (recursos, embargos, exceções) que dificultam o andamento processual e acabam por acarretar enormes prejuízos para toda a sociedade.

Em decorrência desta situação, o legislador pátrio iniciou uma série de alterações em dispositivos do CPC com o objetivo claro de tornar mais célere e eficaz a prestação jurisdicional. Recentemente, nos anos de 2005 e 2006, foram aprovadas e publicadas algumas leis que modificaram substancialmente a concepção e o enfoque até então dado ao processo civil brasileiro, como a regulamentação da súmula vinculante e do processo eletrônico. Todavia, duas leis destacam-se neste conjunto de reformas: a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que estabeleceu a fase de cumprimento de sentença no processo de conhecimento e revogou dispositivos relacionados à execução fundada em título judicial, e a Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, que altera dispositivos relativos à execução fundada em título executivo extrajudicial. As duas leis, já em vigor, têm provocado relevantes discussões, bem como têm suscitado dúvidas e questionamentos quanto à forma de aplicação dos dispositivos alterados, principalmente aqueles que se relacionam diretamente ao exercício profissional da advocacia, como veremos adiante.

3.1 O Fim do Processo Autônomo de Execução e a Questão das Intimações para a Prática de Atos Processuais

Dentre as principais inovações trazidas pela Lei nº 11.232/05 está a extinção do processo autônomo de execução de títulos judiciais, como era previsto desde a aprovação do CPC/73. Até então, após a obtenção de sentença condenatória ou constitutiva, ou mesmo declaratória, a parte beneficiada deveria dar início a um novo processo, com a formação de novos autos e com a citação do devedor para pagamento da dívida reconhecida na decisão proferida no processo de conhecimento. Tal situação acarretava grandes problemas para o credor, que muitas vezes não conseguia encontrar o devedor para citação e, então, dar continuidade à execução para a satisfação de seu crédito, não conseguindo, assim, satisfazer o crédito devidamente reconhecido em sentença.

Com a nova lei, não há mais a necessidade de se promover nova citação do devedor, haja vista que a relação processual aperfeiçoou-se no início do processo de conhecimento, salvo se a citação não tiver sido válida. Pela redação do art. 475-J, o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação deve efetuá-lo no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena do montante da condenação ser acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento).

Posteriormente, comprovado o não pagamento, a requerimento do credor, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação dos bens do executado, os quais podem ser indicados pelo próprio credor para satisfação do crédito. Da penhora e avaliação dos bens, pode o devedor apresentar impugnação, que não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir tal efeito se os fundamentos da defesa foram relevantes e "o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação" (art. 475-M do CPC).

Todavia, um dos grandes problemas surgidos com a redação da nova lei encontra-se no momento da realização da intimação das partes para a realização dos atos processuais. A questão ainda não é pacífica, mas se tem entendido que, no caso da intimação para pagamento da quantia fixada em sentença, este deverá ser realizado na pessoa do advogado constituído nos autos, fundamentando-se no art. 475-A, § 1º, do CPC.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart:

"A sentença, para produzir efeito, exige a prévia ciência da parte. Todavia, a ciência não ocorre apenas quando a parte é pessoalmente intimada. Qualquer forma que se preste a dar inequívoca ciência ao réu (ou a quem o represente no processo) da condenação é suficiente para dar início ao prazo de quinze dias. Portanto, eventualmente, a ciência pode ocorrer por intimação pessoal, dirigida ao devedor, mas também pode assumir a forma de intimação - dirigida ao advogado - da sentença ou da decisão que definiu a liquidação (liquidação por artigos ou por arbitramento). Ou melhor, qualquer ato que torne certa a ciência da existência da condenação é bastante para dar início ao fluxo do prazo, sequer se exigindo que se trate de comunicação judicial ou ato formal de comunicação." (Curso de processo civil: execução. São Paulo: RT, 2007, v. 3, p. 238)

Este também foi o recente entendimento do STJ, no julgamento do REsp 954.859 em que o Min. Humberto Gomes de Barros firmou a posição de que a intimação da decisão para cumprimento do disposto no art. 475-J do CPC é feita na figura do advogado constituído nos autos, respondendo o mandatário pela inércia e os prejuízos causados ao cliente pela incidência da multa de 10%. (8)

Já quanto à intimação da penhora e avaliação dos bens do devedor, há previsão expressa de que ela deverá ocorrer na pessoa do advogado do executado e somente na falta do patrono é que deverá ocorrer perante o representante legal do devedor ou mesmo pessoalmente, por mandado ou pelo correio (art. 475-J, § 1º, do CPC).

Ocorre que, em muitos casos, durante a tramitação do processo de conhecimento em juízo, o advogado acaba por perder o contato com seu cliente, seja em razão da excessiva demora na solução da lide (processos aguardando anos de julgamento em Tribunais), seja pelos próprios compromissos e responsabilidades assumidos pelo profissional da advocacia, que o impedem de manter um relacionamento mais próximo de seus patrocinados.

Desse modo, quando o advogado é intimado para que seu mandatário efetue o pagamento de quantia fixada em sentença, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 475-J do CPC, acaba por assumir enormes responsabilidades, pois, caso não consiga encontrar o cliente para que este se manifeste acerca do despacho judicial de pagamento e conseqüentemente ocorra o exaurimento do prazo legal, poderá ser responsabilizado pela incidência da multa de 10% (dez por cento) fixada na lei, como expressamente decidido pelo STJ, no acórdão supracitado, além de estar sujeito à fiscalização e representação perante a OAB em razão de suposto cometimento de infração ético-disciplinar.

Isto porque o art. 12 do Código de Ética e Disciplina prevê expressamente que "o advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem motivo justo e comprovada ciência do constituinte".

É uma situação de extremo risco e perigo para toda a classe advocatícia, que em sua grande maioria é desprovida de recursos para promover a localização do cliente relapso. São poucos os advogados que podem investir em sistema de controle processual e gerenciamento de informações cadastrais, bem como lançar mão de instrumentos para comunicação do cliente, como correspondência com aviso de recebimento, telegramas e até mesmo as notificações extrajudiciais, razão pela qual o profissional da advocacia precisa assegurar-se de todas as formas, no ato da contratação do serviço, para não ser surpreendido por uma representação ou punição pela OAB.

Portanto, os advogados devem ficar atentos para a realização de intimações em seu nome para pagamento de dívidas de seus clientes, de maneira a diligenciar junto aos mesmos para cumprimento da obrigação ou apresentação de defesa, seja através da exceção de pré-executividade, seja através da impugnação, ou, ainda, pelo pagamento do saldo devedor.

Para tanto, necessário que se mantenha um cadastro com informações atualizadas de todos os clientes, com dados acerca de seus telefones, endereços e e-mails. Ademais, importante que o advogado estimule a participação e o interesse do cliente nas causas em que é parte, trazendo-o periodicamente para visita ao escritório ou permitindo-lhe o acesso, via softwares jurídicos, quando tiver condições, aos andamentos processuais de sua demanda. Tais medidas permitirão ao causídico estreitar o relacionamento com seus clientes e, assim, evitar a ocorrência de situações nas quais o cliente muda-se para novo endereço ou troca o número do telefone sem avisar ao advogado, tornando-se incomunicável.

Só assim o profissional da advocacia se municiará de instrumentos para que possa cumprir a obrigação legal de realizar o diligente e exigível acompanhamento processual, sem estar exposto abertamente às responsabilidades oriundas das intimações em seu nome para pagamento de débitos de seus clientes e também a eventuais sanções de natureza disciplinar.

4 Novas Cláusulas Contratuais Face às Novas Disposições do CPC

Face ao exposto até o momento, observa-se a importância da celebração do contrato de honorários advocatícios entre o advogado e o cliente, em especial na questão da responsabilidade profissional.

Muitas vezes a verba honorária do causídico é ajustada de forma verbal, restando, por fim, ao advogado, quando não é remunerado pelo cliente, lançar mão de ação de cobrança de honorários para recebimento de seu crédito. Por este motivo, importante a confecção do instrumento particular de prestação de serviços advocatícios que, além de constituir-se em título executivo extrajudicial (neste caso aplicam-se as novas disposições trazidas pela Lei nº 11.382/06), permite ao advogado a inclusão de cláusulas que visam resguardar o seu exercício profissional.

Assim, fundamental que o contrato de honorários contenha cláusula que estabeleça ao contratante (cliente) o dever de manter sempre atualizados seus dados cadastrais; necessária também cláusula dispondo expressamente que a advocacia é atividade-meio pela qual o contratado compromete-se a executar o serviço da maneira mais diligente possível, mas sem a garantia de qualquer resultado para o cliente. (9)

Em alguns casos, a contratação dos serviços poderá ser efetuada por fases no processo (fase de conhecimento, fase recursal, fase de execução), fazendo constar no contrato cláusula prevendo os limites dos poderes conferidos ao advogado para atuar na lide. Tal situação, embora à primeira vista possa proteger o advogado de eventual responsabilização pelo não cumprimento da intimação feita em seu nome para cumprimento de obrigação, como na hipótese do art. 475-J do CPC, pode caracterizar medida destinada à frustração do processo de execução, e ser classificada como "(...) atentatórias ao exercício da jurisdição, ensejando, se for o caso, a multa prevista no art. 14 do CPC, combinado com as penas de litigância de má-fé insertas no art. 17 do CPC" (WAGNER Jr., Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil: curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 359).

Finalmente, o contrato de honorários advocatícios deve conter cláusula que preveja as responsabilidades dos contratados no cumprimento do objeto avençado. Assim, o advogado deve responder pela prestação dos serviços advocatícios, nos termos do art. 32 do Estatuto da OAB, de forma subjetiva, desde que comprovado dolo ou culpa em sua atuação. Já o contratante responderá pelo não cumprimento das obrigações avençadas, como a omissão no fornecimento de todos os documentos e informações necessários para a atuação do contratado, bem como por qualquer prejuízo decorrente de sua omissão ou desídia. Responderá também pelo não pagamento dos honorários, resultando na possibilidade de execução do contrato pelo inadimplemento.

Indispensável, ainda, que a pactuação estabelecida entre advogado e cliente esteja refletida no instrumento de mandato naquilo que for pertinente e exigido, como os limites dos poderes de atuação do profissional (até determinada fase processual, por exemplo). Dessa forma, o advogado previne-se de eventuais complicações que possam surgir durante a prestação dos serviços advocatícios e preserva a solidez e reciprocidade da relação de confiança entre o profissional e o cliente, que lhe é inerente.

5 Conclusão

Diante de todo o exposto, observa-se que a celebração do contrato formal (escrito) de prestação de serviços advocatícios é atividade necessária e indispensável a todo profissional da advocacia, sobretudo com o advento da nova legislação que modificou o Processo Civil brasileiro. O contrato de honorários é ferramenta de trabalho e instrumento de proteção do advogado, devendo ser bem elaborado e sempre adotado pelo causídico. Afinal, é nele em que se fará constar os mecanismos legais e processuais dos quais o advogado lançará mão para a realização de sua atividade, bem como se definirá o alcance das responsabilidades ético-profissionais do patrono em relação à causa do cliente.

Por isso, fundamental é o papel da OAB enquanto órgão fiscalizador e entidade de representação da classe na luta pela valorização e defesa da advocacia e do respeito às prerrogativas profissionais, de maneira a impedir que a aplicação das novas leis resulte em comprometimento do exercício da advocacia e acabe a nova legislação processual por se afastar dos objetivos para os quais fora criada, negando a realização da prestação jurisdicional e o acesso à justiça.

Entretanto, é indispensável também que a OAB promova a conscientização e os esclarecimentos necessários a toda classe advocatícia, quanto às responsabilidades decorrentes da aplicação do art. 475-J do CPC, e avalie sempre ponderadamente, à luz dos princípios e prerrogativas que regem a relação jurídico-advocatícia, eventual descumprimento deste dispositivo, de modo a coibir situações que penalizem ainda mais o advogado e acabe por desvalorizar a classe como um todo.

Notas do autor:

8 "LEI Nº 11.232/05. ART. 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (REsp 954.859/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª T., j. 16.08.07, DJ 27.08.07, p. 252)." (Acórdão publicado na íntegra na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 20, p. 111-114, Porto Alegre: Magister. Ver também: "Artigo 475- J do CPC e o STJ", artigo do Professor José Rogério Cruz e Tucci, publicado na mesma revista, p. 36-40.

9 Esta cláusula não se confunde com os honorários contratados ad exitum, pela qual a remuneração do advogado fica vinculada ao sucesso obtido na demanda, isto é, se restar comprovado e reconhecido o direito do cliente, parte do valor recebido será pago ao causídico a título de remuneração pelo seu trabalho.

6 Bibliografia

CAHALI, Youssef Said. Honorários advocatícios. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1997.
DINIZ, Carlos Roberto Faleiros. A subsecção da OAB e a advocacia. 2. ed. rev. amp. e atual. Ribeirão Preto: Nacional de Direito, 2006.
------. Vivência jurídica contemporânea. Franca: Lemos e Cruz, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2.
LOBO, Eugênio Haddock; NETTO, Francisco da Costa. Comentários ao estatuto da OAB e às regras da profissão de advogado. Rio de Janeiro: Rio Sociedade Cultural, 1978.
MAMEDE, Gladston. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre: Síntese, 1990.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil: execução. São Paulo: RT, 2007, v. 3.
PRUNES, Lourenço. Honorários de advogado. São Paulo: Sugestões Literárias, 1975.
RAMOS, Gisela Gondim. Estatuto da advocacia: comentários e jurisprudência selecionada. Florianópolis: Ordem dos Advogados do Brasil/Seção de Santa Catarina, 2001.
SODRÉ, Ruy A. Ética profissional e estatuto do advogado. São Paulo: LTr, 1975.
WAGNER Jr., Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil: curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

*Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 23 - Março/Abr de 2008 e reproduzido no CD Magister n. 27 - Jun/Jul de 2009, de onde foi extraído.

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