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03 abril 2009

SEAN, UMA CRIANÇA NORTE-AMERICANA EM DISPUTA (CAP.14)

Em outro post publicado neste blog já comentei a preocupação das autoridades brasileiras com referência à disputa de filhos por pais de nacionalidades diferentes e a dificuldade da justiça brasileira em tratar desse tema levando em conta a Convenção de Haia. Agora, surge a oportunidade de discussão pública desse tema.

É emblemático que essa discussão ocorra no Rio de Janeiro, justamente em razão da disputa que envolve o garoto americano Sean. Veja o que publica o Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro:

Paternidade socioafetiva será um dos temas de fórum sobre Convenção a Haia no Rio

Paternidade socioafetiva é o título da palestra que o desembargador federal e professor da UERJ e da Universidade Gama Filho, Guilherme Calmon, apresentará no fórum sobre Convenção da Haia, que tratará dos aspectos civis do sequestro internacional de menores. O encontro acontecerá no dia 13 de abril, das 14 às 18 horas, no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF).
O tema faz lembrar bastante o caso do menino Sean Ribeiro Goldman, que envolve uma ferrenha disputa judicial (que será decidida pela Justiça Federal do Rio de Janeiro) por sua guarda, entre o pai americano David Goldman e o padrasto brasileiro, o advogado João Paulo Lins e Silva.
"Recentes polêmicas envolvendo a paternidade biológica vêm permitindo identificar outras espécies de paternidade, como as originadas da adoção, de reprodução assistida e do vínculo da afetividade”, afirma Guilherme Calmon, que falará ainda sobre as questões jurídicas que repercutem nesses vínculos de afeto paterno, com a valorização da paternidade "construída" (no lugar da biológica).
O fórum, realizado em parceria pela Escola da Magistratura Regional Federal (Emarf) da 2ª Região e pelo CCJF, conta com o apoio do TRF2, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e das Seções Judiciárias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. O evento inclui ainda, na sua programação, palestras do procurador regional da União, Daniel Levy Alvarenga (Aspectos Práticos da Ação de Busca e Apreensão de Menores) e da Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rosana Cipriano Simão (A Guarda de Menores), entre outras.
Para participar do evento, que é gratuito e aberto ao público, os interessados podem se inscrever através do endereço eletrônico www.trf2.gov.br/emarf. O CCJF fica na Avenida Rio Branco nº 241, na Cinelândia, centro do Rio. Os estudantes de Direito que participarem receberão horas de estágio pela OAB.
Fonte: TRF 2

O jornalista Daniel Bergamasco da Folha de São Paulo publicou matéria na Folha Online, salientando outras disputas de filhos de brasileiros e estrangeiros e a posição brasileira de priorizar a guarda dos filhos às mães brasileiras.

Casos que tem tido soluções diversas, algumas beirando a tragédia, como o caso da brasileira que permitiu o filho de 7 anos mudar para a Itália com uma tia que se casou com um italiano e depois o casamento não deu certo e o menino foi parar num orfanato. Por mais que se esforçasse e lutasse a justiça italiana não permitiu o retorno da criança que já está com 14 anos de idade. Veja abaixo a reportagem:

Filhos de brasileiros são alvo de disputas internacionais

Sob um circo na Alemanha, um trapezista paulista conhece uma dançarina ucraniana. Os dois se casam, mudam-se para o Brasil, têm um filho. Alguns anos depois, se separam. Ela volta à Europa e a criança fica com o pai em São Carlos (231 km de SP), mas a disputa de guarda segue na Justiça brasileira. Como é tradição no país, o juiz decide que o filho fique com a mãe.
Um dia (fevereiro deste ano), ela parte para a Ucrânia com o garoto sem autorização do pai, que reclama que precisaria ter sido consultado. Mas o que pode ser feito?
Assim como aconteceu no caso do garoto disputado pelo padrasto carioca e o pai americano – que gera debate diplomático entre Brasil e Estados Unidos – o artista circense R.A.J. conduz o caso em litígio.
"Mas meu advogado já disse que será difícil conseguir que ele volte", diz. A disputa no interior paulista reflete um quadro comum no Judiciário: em disputas de guarda, a tendência das varas de família de deixar o filho com a mãe costuma se sobrepor a discussões sobre em qual país deve ficar a criança.
"Isso não foi o Brasil que inventou. Ao menos no Ocidente, a tendência dos juízes é deixar os menores com a mãe", diz Eduardo Tess, que preside a comissão de direito internacional da OAB-SP. "A base dessas decisões é um princípio que talvez seja até um pouco machista: o de que o pai ganha dinheiro para o sustento e a mãe fica casa cuidando do filho. Isso está mudando aos poucos, mas ainda domina nas decisões."

Organização do lar

Para a psicopedagoga Silvia Amaral, não é por acaso que as mães ganham a maioria das ações. "Cada caso é um caso, e o melhor ambiente deve ser buscado, especialmente se a dúvida é entre países. Mas tende-se a achar que, mesmo após a amamentação, a criança precisa de uma organização de lar que em geral é melhor fornecida pela mulher", diz.
Foi o entendimento do juiz no caso recente de uma mãe paulista que se casou na França e trouxe o filho ao Brasil, sem autorização do pai. Alegando que o marido a maltratava, ela conseguiu na Justiça o direito de ficar com o menino. O pai está recorrendo.
Singularidade

Situações em que não há mãe na disputa tendem a ser ainda mais complexas. É, por exemplo, o que torna singular o caso do menino disputado pelo padrasto brasileiro, J.P.L.S., e o pai americano, D.G. B.B., a mãe biológica, havia se mudado com o garoto para o Brasil em 2004 dizendo a G. que estava apenas visitando a família. O pai tentou a guarda do menino, hoje com oito anos, mas perdeu. Desde que B. morreu, no ano passado, ele voltou a pleitear o direito.
No debate diplomático sobre o caso, o governo dos EUA citou a Convenção de Haia de 1980, segundo a qual a criança tirada de um país sem respeito aos direitos de guarda deve retornar. A exceção citada no acordo, do qual o Brasil é signatário, são casos em que a criança já esteja adaptada ao novo país. Com a morte da mãe, a situação se reconfigura e a aplicação da lei ganha mais polêmica.
Impedir a adoção

Há casos ainda mais complexos, como o da maranhense C.M. Mesmo com apoio da diplomacia brasileira, ela não conseguiu impedir na Justiça italiana a adoção de seu filho de 14 anos.
Funcionária pública em São Vicente Ferrer (MA), C. engravidou aos 15 anos, de um homem de 63. Quando o garoto tinha sete anos, ela permitiu que se mudasse para a Itália com a irmã do lado paterno, que havia se casado com um italiano. A relação não deu certo, a irmã acabou em dificuldades e o garoto foi parar em um lar para menores carentes.
"Fui para a Itália duas vezes e tentei impedir a adoção, mas o parecer da psicóloga foi contra a volta do meu filho ao Brasil", ela conta. Depois de tentar "todas as instâncias" na Itália, restou-lhe se conformar. "Hoje, não acho justo pedir que ele volte. Mas vou esperar que ele faça 18 anos e procurá-lo para dizer que ele tem uma mãe."

Traumas

Disputas pela guarda podem envolver os filhos em sentimentos ruins, como culpa e rejeição. "Mas é possível preservá-los. Nem todo divórcio é traumático para o filho", diz a psicóloga Maria Luisa Valente, Universidade Estadual Paulista.
Se o fracasso do casamento é inevitável e há disputa judicial, diz ela, a criança fica menos ansiosa quando se sente amada pelos dois lados. "Mesmo as separações em que os pais não se gostam podem ser assimiladas, se a criança entender que isso faz parte da vida -ela também pode brigar com um amiguinho de quem gostava. O que será mais difícil é achar que um dos pais não gosta dela ou que ela foi, de alguma forma, a causa da separação."
Em ex-casais divididos entre países, diz Valente, é preciso aproximar o filho dos dois lados para evitar sensação de abandono. "Com telefone e internet, a criança pode se aproximar do pai e sentir que os adultos se divorciaram entre si, mas não dela."
Para a terapeuta familiar Rosa Maria de Macedo, pais separados costumam "coisificar" a criança disputada, "como se ela fosse um troféu". "Cobrar lealdade da criança e colocá-la para espionar o ex são atitudes comuns que prejudicarão sua formação", diz.
O ziguezague entre países em disputa judicial pode atrapalhar o aprendizado. "Aprender culturas e idiomas é enriquecedor, mas a criança conseguirá fazer isso se estiver segura e estimulada a estudar", diz a psicopedagoga Silvia Amaral. "Isso depende do temperamento da criança, mas sempre vale tomar cuidado."
Fonte: Folha OnLine

Em recente decisão (05/03/09) o STJ voltou a reafirmar que em guarda de menor deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança com base no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Este tem sido a rigor o posicionamento da justiça brasileira.

Entretanto, há que se ter em conta que é muito difícil estabelecer qual o “melhor interesse da criança”.
Leia abaixo a informação do STJ:

STJ: Em ação de guarda de menor deve prevalecer o melhor interesse da criança

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que garantiu a uma mãe a guarda de uma criança de oito anos de idade, por poder oferecer a ela as melhores condições para o seu sustento e educação, bem como para o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
O caso trata de uma ação de guarda de menor com pedido de tutela antecipada proposta pelo pai contra a mãe da criança, sob a alegação de que ele ofereceria melhores condições para exercê-la, pedindo, assim, que fosse regularizada a guarda já existente.
A mãe contestou, sustentando que a guarda da filha sempre ficou a seu cargo e que possui, também, as melhores condições para exercê-la. Requereu, por fim, a condenação do pai nas penas da litigância de má-fé, por ter alterado a verdade dos fatos.
Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para conceder a guarda da menor ao pai e, quanto à regularização de visitas, ficou estabelecido que a mãe poderia visitar a filha todo final de semana, a partir das 8h de sábado com término às 18h de domingo. Estabeleceu, ainda, que as férias escolares seriam divididas em períodos iguais para ambos, bem como a comemoração do dia dos pais e das mães e do aniversário da menor. Inconformada, a mãe apelou e o Tribunal de Justiça do Acre garantiu a guarda da criança à mãe, ao entendimento de que “a guarda é de ser transferida à mãe, quando esta, com base nos elementos informativos dos autos, apresentar melhores condições para satisfação dos interesses da criança ainda em tenra idade”.
No STJ, ao analisar o recurso do pai, a ministra Nancy Andrighi destacou que, neste processo, não se está tratando do direito dos pais à filha, mas sim, e sobretudo, do direito da menina a uma estrutura familiar que lhe confira segurança e todos os elementos necessários a um crescimento equilibrado.
Segundo a relatora, as partes devem pensar de forma comum no bem-estar da menor, sem intenções egoísticas, para que ela possa usufruir harmonicamente da família que possui, tanto a materna quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, conforme dispõe o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para a ministra, se a decisão do TJAC atesta que a mãe oferece as melhores condições de exercer a guarda da criança, deve a relação materno-filial ser preservada, sem prejuízo da relação paterno-filial, assegurada por meio do direito de visitas.
Assim, ficou definido, nos termos do voto da ministra, que melhores condições para o exercício da guarda significam, para além da promoção do sustento, objetivamente, maior aptidão para propiciar ao filho, afeto, saúde, segurança e educação, considerado não só o universo genitor-filho como também o do grupo familiar em que está a criança inserida.
Fonte: STJ

A situação se complica ainda mais quando a criança é filho de pais que residem em países diferentes. Quando se desentendem a quem caberá a guarda?
Para tentar resolver esse impasse surgiu a Convenção de Haia que determina que a criança que é retirada do país em que reside de forma não consensual, deve retornar ao país em que nasceu e residia, o qual deverá solucionar a questão da guarda.
Vamos ver como afinal a justiça brasileira vai solucionar o caso do menino Sean.

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