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30 outubro 2009

QUAL A JUSTIÇA POSSÍVEL DE SER ALCANÇADA NA DECISÃO JUDICIAL?


Parte 2- Final

Fernando Rister de Sousa Lima

Professor de Ética da PUC/SP
Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP


2. DA JUSTIÇA POSSÍVEL


Pela teorização proposta por Luhmann, não há que se falar em justiça mediante a conquista de valores outrora concebidos como imutáveis. Na sociedade complexa, onde a multiplicidade de escolhas sociais prepondera, é possível esperar uma operação de seletividade, em que os sistemas parciais escolhem os valores que sua comunicação pontuará.7 A partir delas, a generalização dessas expectativas será o possível de fornecer ao sistema social global. Os programas são conquistas evolutivas dos sistemas dentro da complexidade do ambiente. Por meio delas, por exemplo, o sistema jurídico emite comunicação jurídica com o intuito de garantir tais valores.


O sistema jurídico deve lutar pela manutenção das expectativas, combatendo as desilusões.8 Isso significa dizer: o sistema jurídico não aceitará o seu não-cumprimento como certo e continuará a lutar pela sua efetivação. Com isso, manter-se-á, no ambiente social, a expectativa de serem cumpridos os valores escolhidos pelo próprio sistema. Para tanto, Luhmann elege a fórmula de contingência com a tarefa de reduzir a complexidade do ambiente do sistema jurídico, cuja pressão do ambiente social externo é cada vez maior, exigindo prestações que o subsistema do Direito não pode cumprir. Transformar, então, essa elevada complexidade em adequada ao sistema é missão da justiça como fórmula de contingência.9


À vista desse quadro social, para o sistema de decisão corresponder melhor ao seu ambiente, o sistema jurídico precisará transformar a complexidade social em comunicação jurídica, para, a partir daí, levá-la à decisão. Somente desta forma, poder-se-á ter uma decisão adequada.10 O subsistema do Direito absorve, pois, a complexidade e a reduz à comunicação jurídica, que, na seqüência, propicia a emissão da decisão. A própria diferenciação comunicativa, por isso mesmo, veda qualquer tentativa de manter-se aquela velha história de justiça universal. Cada sistema parcial tem a sua própria comunicação e, exclusivamente, por ela agirá: o subsistema da economia comunicar-se-á pela comunicação dinheiro/não-dinheiro. Respectivamente ocorrerá com cada subsistema. Não há que se falar noutra justiça que não a ligada à comunicação do sistema jurídico.11 Entretanto, para proporcionar justiça numa sociedade altamente complexa, é preciso adaptar a sua complexidade à sistêmica, vale dizer, moldar a complexidade externa ao sistema jurídico, conseqüentemente produzir comunicação adequada.12


A complexidade adequada é produzida à medida da redução comunicativa ao código binário lícito/ilícito em modo de ser possível um decidir consistente.13 Neste contexto, a positivação do Direito proporcionou ao sistema jurídico diferenciação em nível de decisão que produz comunicação jurídica. Ele é constituído pelas decisões numa única comunicação, cuja reiteração rende a sua autonomia.14 Essa exposição conceitual é para afirmar que o sistema jurídico transforma outras comunicações em jurídicas e, na cadeia comunicativa, emitirá outras comunicações, contudo sempre jurídicas. Por conseguinte, reduzir a complexidade, mediante seu código binário próprio: lícito/ilícito. Este processo é a própria justiça possível de ser proporcionada pelo sistema do Direito.


Em pormenores, o sistema do Direito está imerso na sociedade. Nesta, por sua vez, encontram-se outros subsistemas que emitem suas próprias comunicações, conforme o sistema parcial do Direito é chamado a ofertar prestações a outros sistemas – como, por exemplo, quando um contrato não é respeitado –, ele recebe a comunicação do ambiente e a transforma em comunicação jurídica e, num processo reflexivo, reduz a complexidade do litígio mediante a emissão de uma comunicação jurídica.


A emissão de nova comunicação não garante, por si só, a obediência a elas. O sistema pode – e não se trata de pouca coisa, vale dizer – via outras comunicações da mesma natureza, fazer com que a expectativa normativa seja mantida ao longo do tempo. Significa afirmar: a justiça proporcionada pelo sistema é também voltada à transformação de outras comunicações, quando necessário, à comunicação jurídica.15


3. DO RESULTADO DA PESQUISA


Para a frustração da coletividade, o Direito não possui uma varinha de condão, para seu aplicador determinar o desaparecimento da situação ilícita. Ele não pode fazer isso, não tem superpoderes, e nem se intitula como tal; é verdade, entretanto, que, por vezes, o coro social pleiteia o contrário, mas ele sempre é em vão. A modernidade oferece outra idéia sobre sua função, pois que, o ofício do Direito, segundo o sociólogo alemão Niklas Luhmann, está na garantia das expectativas normativas, ao longo do tempo. A sociedade continuará a acreditar na efetivação das normas. As comunicações jurídicas garantirão que as expectativas sejam mantidas.


O Direito atua no plano da expectativa: continuar-se-á a creditar na preservação dos valores contemplados pelas normas. Isso não se trata de pouca coisa, como afirma Campilongo.16 Nesse aspecto, justiça, para Luhmann, é fórmula contingência, cujo mister é dar consistência às decisões do sistema jurídico, por meio da redução da complexidade social do ambiente. Daí as decisões serão sempre binárias, in caso: lícito/ilícito.


O fato da justiça possível de ser prestada não saciar a vontade social não altera a realidade. Não há como cobrar dos operadores do Direito (advogados, juízes e promotores) outra atitude, ao menos na atualidade. Nesse momento histórico no qual estamos inseridos, o Direito só pode realmente fazer com que a sociedade continue a acreditar na sua efetivação, mediante reiterações comunicativa binárias, representadas pelo código: lícito/ilícito.


Em suas operações, opera sempre fechado, quer dizer, com base na binariedade supra-referida. Pois bem, a solução esperada pela sociedade depende muito mais dela própria, do que do Direito, cujo contexto social é apenas uma parte do ambiente social, no qual estamos inseridos. Para solucionar tais situações, é preciso, a bem da verdade, a alteração dos valores sociais, cuja comunicação emanar-se-á também ao Direito, e não acreditar que uma parte (Direito) alterará o todo (Sociedade), donde ele provém.

Notas do Autor:
7 CAMPILONGO, Celso. Governo representativo “versus” governo dos juízes: A “autopoiese” dos sistemas político e jurídico. Belém: UFPA, 1998, p. 56. LUHMANN, Niklas. El derecho de La sociedade, p. 281.
8 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto. op. cit., p. 348: “Che cosa possa essere la giustizia nella società moderna, non è possibile stabilirlo in guisa dell’interpretazione di uma norma o di un valore, ad esempio, mediante esegese del concetto di eguaglianza, ma può risultare solo dall’accordo con altre variabili che determinano il sistema giuridico in dipendenza da determinate condizioni ambientali. Constatazione sulla giustizia dipendono, quindi, anche dal fatto che per il sistema giuridico possano essere operazionalizzate asserzione sulla varietà, I’interdispendenza o la generalizzazione.”.
9 VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann In: Direito e Filosofia: A Justiça na História da Filosofia. Maria Constança Peres Pisarra; Ricardo Nascimento Fabrini (coord.). São Paulo: Atlas, 2007, p. 143/144.
10 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto. op. cit., p. 348-349: “1) Un sistema di decisione corrisponde meglio al suo ambiente nella misura in cui può rappresentare al suo interno complessità esterna e portarla a decisione, vale a dire, può decidere adeguatamente. Ciò richiede una ricostruzione non solo della grandeza e della varietà dell’ambiente, ma anche delle interdipendenze dell’ambiente nel sistema. Una tale comprensione delle interdipendenze esterne, tuttavia, incontra presto difficoltà che, allo stato attuale a quello prevedibile per il futuro della tecnica della decisione, sono considerate insuperabili. Ogni sistema di decisione, perciò, retrocede su criteri e procedimenti di riduzione della complessità.”
11 Ibidem, p. 321.
12 Cf. Ibidem, p. 333-334.
13 Cf. Ibidem, p. 344.
14 Cf. Ibidem, p.346.
15 Sobre a função do Direito na sociedade, ver Ibidem, p. 347: “La funzione specifica del diritto nella società – in altro luogo l’avero caratterizzata come generalizzazione congruente di aspettative di comportamento – si lascia esprimere soltanto nella forma di requisiti ulteriori di compatibilità e adattabilità. Con la possibilità di precisare questi requisiti e di farli valere come funzione sociale contro la pressione ambientale altrimenti specificata, al giurista è data la chancer di affermare socialmente e politicamente la sua autonomia.”.
16 CAMPILONGO, Celso. Governo representativo “versus” governo dos juízes: A “autopoiese” dos sistemas político e jurídico. op. cit., p. 58. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, p. 280.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Extraído do site BuscaLegis

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