Translate

13 outubro 2009

FIM DE EXPEDIENTE - CONTO


AS FLORES

Leon Eliachar


Há dois meses que Iracema recebia flores, sem cartão. Colocava tudo nas jarras, vasos, copos; mesas, janelas, banheiro e até na cozinha. Quando o marido lhe perguntava por que tantas flores, todos os dias, ela sorria:



— Deixe de brincadeira, Epitácio.


Ele não percebia bem o que ela queria dizer, até que um dia:


— Epitácio, acho bom você parar de comprar tanta flor, já não tenho mais onde colocar.


Foi aí que ele compreendeu tudo:

— O quê? Você quer insinuar que não sabia que não sou eu quem manda essas flores?


Foi o diabo, ela não sabia explicar quem mandava, ele não conseguia convencê-la de que não era ele.

— Um de nós dois está mentindo — gritou, furioso.


— Então é você — rebateu ela.

No dia seguinte, de manhã, ele decidiu não sair, pra desvendar o mistério. Assim que as flores chegassem, a pessoa que as trouxesse seria interpelada. Mas não veio ninguém:

— Já são duas horas da tarde e as flores não chegaram, Epitácio. É muita coincidência.


Vai me dizer que não era você.


Ele não tinha por onde escapar. Insinuou muito de leve que a mulher devia ter conhecido alguém na sua ausência. Ela chegou a chorar e se trancou no quarto. A discussão entrou pela noite até o dia seguinte. Epitácio saiu cedo, sem mesmo tomar café. Bateu a porta com força e levou o mistério para o trabalho.

Meia hora depois, a mulher saiu e foi ao florista.


— Como vai, Dona Iracema? A senhora ontem não veio, heim? Aconteceu alguma coisa?


À noite, Epitácio viu as flores e não disse uma palavra, mas a mulher não parou:


— Seu cínico. Bastou você sair para as flores aparecerem e ainda tem coragem de dizer que não foi você.

Nessa noite ele teve insônia.


Texto extraído do livro “O homem ao zero”, Editora Expressão e Cultura – Rio de Janeiro, 1968, pág. 275.


Tirado do site Projeto Releituras

Nenhum comentário: