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29 outubro 2009

QUAL A JUSTIÇA POSSÍVEL DE SER ALCANÇADA NA DECISÃO JUDICIAL?


Parte 1


Fernando Rister de Sousa Lima1
Professor de Ética da PUC/SP
Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP

Resumo: A decisão judicial opera com base no código binário lícito/ilícito. A justiça do sistema jurídico é a fórmula de contingência, cuja finalidade é fornecer consistência às decisões judiciais.


Palavras-chave: decisão judicial - teoria dos sistemas - justiça.


Abstract: The court decision operates on the basis of binary code law/non law.


The justice of the legal system is the formulation for contingency, whose purpose is to provide consistency judgments.


Keywords: judgement - theory of systems - justice


Sumário:
1. Introdução
2. Da Justiça Possível
3. Do Resultado da Pesquisa
4. Referências Bibliográficas


1. INTRODUÇÃO


O vernáculo corrente no cotidiano forense diz respeito à justiça ou à injustiça de determinada decisão. Apesar disso, pouco se questiona a respeito do conteúdo da expressão justiça.2 Pesquisa esta fundamental, mormente porque, atualmente, não há que se falar em justiça como no passado, onde, com freqüência, encontram-se diversos significados ao conceito de justiça. Muitas vezes, impostos pelo Estado, pela Igreja, ou mesmo por senhores feudais. Nesse ambiente social, a função do Direito, num leviano resumo, ao longo da história, tem se centrado em educar, sanar e punir. O aplicador da norma constrói uma decisão com intuito de educar o infrator, a pena deve ser suficiente, e não mais do que isso, para ensiná-lo a não mais repetir a conduta, segundo clássica conquista iluminista. O Estado obriga o causador do ilícito a indenizar o dano, assim oferece à vítima uma restauração ao estado anterior à lesão. Ora, é preciso punir o agente delituoso, substituindo o particular que o faria pela justiça privada, como uma prestação de contas sociais. As regras foram desrespeitadas é preciso vingar o Estado e a Sociedade.


O desenvolvimento do homem, do Estado e do Direito, de fato, alterou por completo o contexto social e, com ele, a idéia do justo.3 Por conta dessa alteração, nos dias hodiernos, seguramente afirma-se que o Direito não vem mais fundamentado em valores imutáveis. Pelo contrário, a constante alternância do seu conteúdo passa a legitimá-lo.4 Essa alteração paradigmática interfere demasiadamente no processo de decisão legal. Doravante, não se pode limitar as interpretações normativas, e, sim, à possibilidade decisional das controvérsias jurídicas, isso em todos os âmbitos.5 O objeto desta pesquisa é justamente identificar qual justiça é possível ser realizada pela decisão judicial. Assim, procurar-se-á identificar o sentido da expressão justiça na decisão judicial na hodiernidade; para tanto, partir-se-á de premissas, a saber:


(i) não se pode mais falar em verdade/justiça universal, ao menos no sistema jurídico;


(ii) a principal característica da sociedade atual é a sua complexidade;


(iii) a alteração do conteúdo valorativo do Direito, por meio de decisões, passa a legitimá-lo.


Para desenvolver a pesquisa, utilizar-se-ão conceitos extraídos da teoria dos sistemas, de autoria do sociólogo alemão Niklas Luhmann. Diante desse manancial teórico, escolheu-se um dado extraído do ordenamento jurídico: a decisão judicial, e, buscar-se-á, mediante instrumento extraído de fora do sistema
normativo responder o problema proposto:



Qual a justiça possível de ser alcançada na decisão judicial?


A escolha da metodologia justifica-se em razão da Teoria dos Sistemas ter buscado fornecer subsídios de consistência às decisões judiciais, mediante o autocontrole do subsistema do Direito. Em conseqüência, supera a frágil tese do jusnaturalismo e, ainda, evita o risco do reducionismo da decisão a mero ato decisório sem compromisso com a função do sistema jurídico.6 Este avanço em relação aos positivistas e a desqualificação daqueles (jusnaturalistas), talvez tenha sido responsável pela sua classificação como neopositivista, com a ressalva de que os luhmannianos não aceitam tal rótulo.

Notas do Autor:
1. Professor do Departamento de Teoria do Direito da PUC/SP. Mestre em Direito pela mesma instituição. Foi pesquisador visitante na Universidade de Estudos de Lecce (Itália). Professor Adjunto do Centro Universitário – UniToledo, Araçatuba/SP.
2 Na temática justiça, pode-se encontrar as mais diversas posições sobre o tema. Tanto isso no plano da Teoria do Direito, da Filosofia ou mesmo da Sociologia Jurídica. Entre tantos, convém mencionar Hans Kelsen: debruçou-se no assunto de forma exauriente, possui diversos trabalhos. Para o mestre de Viena, a justiça absoluta não é cognoscível pela razão humana. Sendo, pois, o ideal de justiça algo subjetivo, chega-se à beira da irracionalidade. Ao presente, ressalta-se livros já traduzidos ao Português: O que é justiça? Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998; O problema da justiça. 3. ed. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998; A ilusão da justiça. Trad. Sérgio Tellardi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Ao contrário, por sua vez, John Rawls, valora a justiça, colocando-a, como condição da mantença às leis. Significa dizer: leis e instituições devem ser reformadas ou abolidas quando são injustas. Porém, ressalta ser uma injustiça tolerável se for crucial para evitar injustiça maior. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Sobre a justiça, ver p. 7, transcreve-se o seguinte trecho: “Para nós o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social”.
3.Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto. A cura di Rafaelle De Giorgi. Milano: Mulino, 1990, p. 315. Ver ainda, ora sob o foco das decisões judiciais, mas também num enfoque histórico WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Brevíssima Retrospectiva Histórica, Para Desembocar no Estado de Direito, No Direito Codificado e Na Tripartição das Funções dos Poderes (O princípio da legalidade e a Necessidade de Motivação das Decisões). In: Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.13-98. Identifica-se, ainda, na Revolução Francesa – sob a falsa ideologia de fraternidade, igualdade e liberdade – àqueles em serviço aos interesses da burguesia. Sobre a revolução francesa, consultar DE CICCO, Cláudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito.3. ed. Reformulado.São Paulo: Saraiva, 2006, p. 163-175.
4 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto. op. cit., p. 315-316.
5 Cf. Ibidem, p. 319.
6 VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann, In: Direito e Filosofia: A noção de Justiça na História da Filosofia. Maria Constança Peres Pissara; Ricardo Nascimento Fabrini (coord.). São Paulo: Atlas, 2007, p. 141/142.

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Extraído do site BuscaLegis

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