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19 outubro 2009

APONTAMENTOS SOBRE O ESTUDO DAS NORMAS JURÍDICAS-1


Parte 1


DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA
Doutoranda em Direito do Estado pela PUC/SP. Mestre em Direito pela Unimar. Especialista em Direito Processual Civil pela Unic. Professora Universitária (graduação e pós-graduação) da UNIC, UNIFLOR, ATAME, IDP, ICE e UNED . Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Curadora da ESA - OAB/MT. Membro Associada do IBDC. Advogada.


NORMAS: REGRAS E PRINCÍPIOS

Para que se faça um estudo detalhado acerca do objeto deste trabalho, imperioso tratar da conceituação de princípio constitucional, o que leva forçosamente à necessidade de estudar, ainda que de forma breve, as normas jurídicas. Isso se justifica pelo fato de que as normas jurídicas podem conter uma regra ou um princípio.

As normas jurídicas são: “[...] no seu conteúdo essencial, imperativos, ela não deixará de fazer surgir, no espírito daqueles que conhecem o mundo conceitual da filosofia Kantiana, a seguinte pergunta: são estes imperativos categóricos ou hipotéticos?”(1). Karl Engish salienta que, em outro momento, já havia se manifestado, dizendo que as regras ou preposições são regras hipotéticas de dever-ser. Mas, importante, primeiramente, entender o que são imperativos categóricos e o que são imperativos hipotéticos. Estes últimos são meros conselhos, sendo, ainda, aqueles que trazem a necessidade prática de uma possível conduta como forma para se obter algo que se pretenda. Já, os imperativos categóricos são os que apresentam uma conduta como objetivamente necessária para um determinado fim; não sendo, portanto, meio. Normas, desse modo, são imperativos categóricos.

Para Norberto Bobbio, o Direito não é uma norma somente, mas um conjunto delas, devidamente ordenadas, sendo que, portanto, uma norma jurídica nunca se encontra sozinha, mas, de outra forma, sempre conectada a outras normas, com as quais se irá formar um sistema normativo.(2)

Antes de qualquer coisa, a norma jurídica é uma regra de conduta social, tendo como objetivo o de regular a atividade dos homens em sociedade.(3) A norma jurídica, portanto, tem como finalidade primordial, regular o comportamento do ser humano em suas relações sociais.

Na obra “Teoria pura do Direito”, Hans Kelsen apresenta, entre outras ponderações, algumas considerações acerca da norma, tendo se posicionado no sentido de que:

A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras; o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa.

[...]

O Direito [..] é uma ordem normativa da conduta humana. Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira.(4) (grifo do autor).

Maria Helena Diniz, ao tratar do conceito de norma jurídica, como problema de essência, inicia seus estudos trazendo os ensinamentos de Von Ihering, analisando-os e reinterpretando-os, tendo se pronunciado sobre os mesmos, da seguinte forma:

Assim, segundo o que obervou Ihering, a norma jurídica é o instrumento elaborado pelos homens para lograr aquele fim consistente em que se produza a conduta desejada, é, portanto, um meio especial adotado pelos indivíduos em sociedade para assegurar a realização dos fins cujo logro consideram necessário para sua vida. [...] A norma jurídica vive, necessariamente, como já dissemos, vinculada a uma determinada realidade social. A norma jurídica é a ‘coluna vertebral’ do corpo social.(5) (grifo do autor).

Como “coluna vertebral” do corpo social, a norma jurídica transforma-se, pois, no esteio da própria sociedade, já que se encontra atrelada à própria realidade social, estabelecendo, portanto, regras e princípios para o seu bom desenvolvimento e, ainda, visando a mantença das relações sociais, em conformidade com os próprios valores daquela dada sociedade.

Entende, ainda, referida autora, que a norma jurídica é um objeto cultural e, portanto deve ser sempre a expressão de um valor. É de suma relevância destacar referido ensinamento, que traduz como o sentido da norma jurídica a extensão de um valor. Veja-se que o Estado, impõe a norma, visando regular as condutas sociais, com fins de realizar a justiça plena e efetiva na sociedade.

Na obra, “A finalidade no Direito”, Von Ihering traz relevante contribuição para a conceituação de norma jurídica, tendo ali se manifestado, da seguinte forma:

A definição usual de direito reza: direito é o conjunto de normas coativas válidas num Estado, e essa definição a meu ver atingiu perfeitamente o essencial. Os dois fatores que ela inclui são o da norma e o da realização por meio de coação... O conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar.(6)

Tércio Sampaio Ferraz Júnior lembra que a norma é proposição, a qual determina como deve ser o comportamento, sendo, portanto, uma proposição do dever-ser. Citando Hans Kelsen, afirma que a norma pode até ser entendida como o resultado de uma vontade, mas, todavia, sua existência não depende dela. Entretanto, aponta que os juristas também concebem a norma como prescrições, ou seja, como ato de vontade, sendo esta vontade impositiva, a qual estabelece disciplina para a conduta, abstração feita de qualquer resistência. Também a norma entendida como prescrição se exprime pelo dever-ser.(7)

A exigência da natureza humana, de viver em sociedade, de forma harmoniosa, é que fundamenta a própria norma jurídica. Assim, são as normas necessárias para a efetiva garantia da paz social (que é o objetivo almejado pelo Estado). Tem-se, também, como necessário e primordial, apontar que as normas embasam-se, da mesma forma, na necessidade de organização da sociedade, até porque não há sociedade despida de normas jurídicas, que têm por objeto central uma ação humana, obrigando-a, permitindo-a ou proibindo-a, assim.

Regras:

Para dar início ao estudo das regras, importante apresentar o pensamento de Norberto Bobbio, o qual entende que “as regras jurídicas constituem sempre uma totalidade.”(8) A regra será sempre um critério, o qual irá exprimir a ordem jurídica, não podendo, todavia, ser considerada como uma. Regras jurídicas são, assim, um comando, um imperativo, sendo que isso significa que as regras jurídicas exteriorizam a vontade da comunidade jurídica, do Estado ou do próprio legislador (que representa o povo).

Na visão de Karl Engisch “a regra jurídica consta de hipótese legal e conseqüência jurídica”, sendo regras de dever-ser, afirmando um dever-ser condicionado à uma hipótese legal. Além disso, assevera os reais portadores do significado da ordem jurídica são as proibições e prescrições; ou seja, os comandos, os quais são dirigidos aos destinatários do Direito. Assim, afirma que “toda regra jurídica perfeita (completa) contém uma prescrição (um comando); muitas, porém, a mais disso, e mesmo em primeira linha, contém uma concessão.” (9)

Para Herbert Hart, “a afirmação de que alguém tem ou está sujeito a uma obrigação traz na verdade implícita a existência de uma regra.”, sendo que, portanto, constitui-se, pois, em um padrão de comportamento. Além disso, na busca sobre a natureza do Direito, há certas questões principais recorrentes: uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste pelo menos em geral em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, "a chave para a ciência do direito.”(10)

Reformulando o conceito de obrigação, ele remete-o necessariamente a uma regra. Em vez de se falar nela como predição ou cálculo de probabilidades, de reação ao desvio, deve-se dizer que a atitude de uma pessoa enquadra-se em tal regra.

Regra que, enquanto padrão de comportamento, "um guia de conduta da vida social" não é uma idéia simples. Há conseqüentemente, necessidade de assinalar os tipos diferenciados, distinguindo-se as regras primárias e as regras secundárias. Aquelas determinam que as pessoas façam ou se abstenham de fazer certas ações; estas asseguram às pessoas a possibilidade de criar, extinguir, modificar, julgar as regras primárias. Ou seja, "As regras do primeiro tipo impõem deveres, as regras do segundo tipo atribuem poderes, público ou privado.” (11)

Notas da Autora:

(1)ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 48.
(2) BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 21.
(3) MONTOURO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 20. ed., ref. com a colaboração de Luiz Antonio Nunes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 306.
(4) KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad.: João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 4-5.
(5) DINIZ, Maria Helena.Conceito de norma jurídica como problema de essência. 1. ed., 3. tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 24-25.
(6) IHERING, Von. A finalidade do Direito. 1916, p. 256, apud FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 99.
(7) FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 100-101.
(8) BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 19.
(9)ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 42.
(10) HART, Herbert L.A . O conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1986, p. 106.
(11) HART, Herbert L.A . O conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1986, p. 108.

Extraído do site Boletim Jurídico

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