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20 outubro 2009

APONTAMENTOS SOBRE O ESTUDO DAS NORMAS JURÍDICAS-2


Parte 2


DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA
Doutoranda em Direito do Estado pela PUC/SP. Mestre em Direito pela Unimar. Especialista em Direito Processual Civil pela Unic. Professora Universitária (graduação e pós-graduação) da UNIC, UNIFLOR, ATAME, IDP, ICE e UNED . Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Curadora da ESA - OAB/MT. Membro Associada do IBDC. Advogada.


Princípios:


Acerca dos princípios, é imperioso trazer à baila o conceito de Roberty Alexy, no qual: “os princípios são mandados de otimização, pois ordenam algo que seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais.”(12) Portanto, dentro de um sistema jurídico, os princípios são os que nortearão o sistema como um todo, sendo, assim, elementos fundantes de toda a ordem jurídica.

Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direito Tributário, levanta alguns pontos bastante interessantes, tendo apresentado que a palavra princípio significa, assim:

É uma palavra que freqüenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o ‘início’, o ‘ponto de origem’, o ‘ponto de partida’, a ‘hipótese-limite’ escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações ‘filosóficas’ (‘ser’, ‘dever-ser’, ‘vir-a-ser’ e ‘não-ser’). [...] Cada ‘princípio’, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre passível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva. Agora, o símbolo lingüístico que mais se aproxima desse vocábulo nas ordens das significações, é a ‘lei’.

[...] Em termos de direito positivo, princípios são normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica, de tal forma que a compreensão de outras unidades do sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles vetores(13) (grifo do autor)

Pode-se dizer, portanto, que os princípios trazem, consigo, uma carga valorativa muito grande, sendo assim, passam a ocupar o papel de vetor dentro do sistema jurídico, posto que expressam a vontade da sociedade, impressa, pelo legislador, na Constituição Federal. São pilares do próprio Estado e, como alicerces, são de extrema necessidade, não havendo como deixar de tê-los, consequentemente, não há como não permitir sua efetiva aplicação.

Paulo Bonavides, em sua obra Curso de Direito Constitucional traz interessante conceito acerca de princípio, extraído de Luís Diez Picazo, para o qual a idéia de princípio derivaria da linguagem geométrica, “onde designa as verdades primeiras”, sendo que exatamente por isso são princípios, já que “estão ao princípio”, sendo, dessa forma, “as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico.(14) (grifo do autor).

Depreende-se que a idéia de princípio está intimamente ligada àquilo que vem em primeiro lugar; o que é causa primeira de algo, sendo, portanto, considerado, neste caso, como fator determinante, sendo que os princípios são proposições que ocupam uma categoria no sistema jurídico, sendo alicerce desse mesmo sistema, já que orientam (enquanto as regras preceituam; determinam comportamentos). Os princípios são vetores; axiomas, estando sempre presentes no sistema. Por esse motivo que é muito mais grave desobedecer a um princípio, do que desobedecer a uma regra.

Acerca do instituto, Crisafuli assim se expressa:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das que determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém(15)

Percebe-se, assim, a importância do princípio e a sua força vinculante, sendo que esta independe de positivação, não importando se a mesma se apresenta em forma de preceito ou por mera abstração.(16) Ainda que não positivado, o princípio mantém a sua força vinculativa, direcionando-se o ordenamento jurídico como um todo, o qual deverá seguir os preceitos por ele instituídos, até porque os princípios possuem uma carga axiológica muito grande.

Princípios Constitucionais:

Os princípios são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema constitucional, acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e, como conseqüência, refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer princípios dentro da Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo, espelhando-se em seus anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios arraigados dentro daquele povo.

Isso em justifica em face dos princípios serem normas que:

[...] exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõe a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica(17) (grifo do autor).

Rizzato Nunes traça algumas considerações acerca do conceito de princípio, tendo se embasado em Geraldo Ataliba e Canotilho:

[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).

Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados: têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.

[...] Pode-se, portanto, dizer que os princípios são regras mestras dentro do sistema positivo, cabendo ao intérprete buscar identificar as estruturas básicas, os fundamentos, os alicerces do sistema em análise.

[...] A doutrina constitucional contemporânea reconhece a importância dos princípios constitucionais, apontando, inclusive, suas especiais e distintas funções.

[...] De qualquer maneira, é de indicar que no Sistema Constitucional Brasileiro é o princípio estruturante o Estado de Direito Democrático, e entendemos que também o é da dignidade da pessoa humana, uma vez que nossa ordem democrática reconhece a dignidade como elemento fundamental legitimador do Sistema Jurídico Nacional(18) (grifo do autor).

São os princípios linhas mestres, sendo, portanto, normas hierarquicamente superiores dentro do sistema jurídico, impondo-se, assim, de forma absoluta. Os princípios são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema constitucional, acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e, como conseqüência, refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer princípios dentro da Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo, espelhando-se em seus anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios arraigados dentro daquele povo.

Isso em justifica em face dos princípios serem normas que:

[...] exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõe a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica(19) (grifo do autor).

Os princípios constitucionais são, assim, a essência do próprio Estado, sendo que, como dito por Ruy Samuel Espíndola, a interpretação deve sempre:

[...] partir de um ponto de vista positivo-normativo, do texto da Constituição, para chegar aos princípios constitucionais, tanto os expressos como os implicitamente considerados. E a atitude metódica a ser levada em conta, deve ter como limite as disposições do texto constitucional; deve levar em conta possíveis extrações dos enunciados dos textos. E, para isso, é claro, deve servir-se o intérprete de uma metódica constitucionalmente adequada [...](20) (grifo do autor).

Depreende-se, que o intérprete só poderá considerar como princípio constitucional, aqueles que decorrem da leitura do próprio Texto constitucional, não podendo, portanto levar em conta, pelo menos para a garantia do status constitucional, aqueles princípios extraídos do sistema jurídico, como um todo. Desse modo, princípios constitucionais devem estar previstos na Lei Máxima, de forma implícita ou explícita.

Acerca do tema, Canotilho assim se manifesta:

Mas o que deve entender-se por princípios consignados na Constituição? Apenas os princípios constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não escritos? A resposta mais aceitável, dentro da perspectiva principialista [..], é a de que a consideração de princípios constitucionais não escritos como elementos integrantes do bloco da constitucionalidade só merece aplauso relativamente a princípios reconduzíveis a uma densificação ou revelação específica de princípios constitucionais positivamente plasmados. (grifo do autor). Canotilho – Direito Constitucional.(21)

Princípios constitucionais são, portanto, aqueles que estiverem previsto no Texto Constitucional, de forma explícita ou implícita, de modo a demonstrar os valores impressos na Lei Máxima, os quais exprimem a carga axiológica do próprio Estado, da qual faz parte a sociedade como um todo.

Corroborando com este entendimento, Paulo Nalin assevera que nem todos os princípios encontram-se descritos de forma expressa no sistema jurídico, todavia, não devem ser desconsiderados por esse motivo, até porque, segundo referido autor, ainda que implícitos, os princípios possuem força normativa, e, com maior intensidade os princípios constitucionais:

Só pequena parte dos princípios jurídicos encontram estabilidade normativa, o que não implica um juízo de menos valia ante sua função aglutinadora das normas positivadas, mesmo porque a transformação de um princípio em norma (regra) não retira dele (princípio) todo o seu valor e sua potencialidade. [...] O indispensável é reconhecer força normativa no princípio, revestida de sanção, inclusive. (22)

Dentro da idéia de princípio constitucional, é relevante considerar a questão dos chamados metaprincípos ou sobreprincípios, que são aqueles princípios que se sobrepõem, em regra, aos demais princípios, por diversos motivos. Nesse campo, encontra-se o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é um princípio fundamental, sendo, portanto, necessário e, indispensável para a manutenção da vida em sociedade.

Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direiro Tributário, tece algumas considerações acerca do que ele intitula de sobreprincípios – “princípios que operam para a realização de outros ‘princípios’ superiores na escala hierárquica”, apontando os que estariam, para ele, nessa categoria, como os princípios da segurança jurídica, da justiça e o da certeza jurídica.

Há ‘princípios’ e ‘sobreprincípios’, isto é, normas jurídicas que portam valores importantes e outras que aparecem pela conjunção das primeiras. Vejamos como exemplo: a segurança jurídica não consta de regra explícita de qualquer ordenamento. Realiza-se, no entanto, pela atuação de outros ‘princípios’, tais como o da legalidade, o da irretroatividade, o da igualdade, o da universalidade de jurisdição etc. Na sua implicitude, é um autêntico ‘sobreprincípio’, produto da presença simultânea dos cânones que o realizam. [...] Diga-se o mesmo da justiça. Agora, há um princípio que sempre estará presente, ali onde houver direito. Trata-se do princípio da certeza jurídica. [...] Torna-se evidente que a certeza jurídica é também um sobreprincípio, mas dotado de aspectos lógicos peculiares que lhe atribuam preeminência sintática com relação a todos os demais(23) (grifo do autor).

Willis Santiago Guerra Filho aponta, ainda o princípio da proporcionalidade como ‘princípio dos princípios’, ou seja, aquele princípio que orienta o direito. Rizzato Nunes afirma que, também, reconhece no citado princípio, esse potencial, preferindo, todavia, reconhecê-lo, bem como, tratá-lo, como derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este sim o princípio que estaria acima dos demais, surgindo como o verdadeiro sobreprincípio. (24) Perceba-se que, apesar da divergência de idéias acerca do tratamento favorecido a este ou aquele princípio, os dois autores citados, atestam e, reconhecem, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a existência de metaprincípios, os quais teriam o condão de orientar o próprio sistema, atuando como balizadores em caso de ocorrência de conflitos, em especial, de conflito entre princípios.

Apesar do profundo respeito ao entendimento de Paulo de Barros Carvalho e Willis Santiago Guerra Filho sobre quais seriam os sobreprincípios, entende-se, todavia, que a melhor doutrina é a do Rizzato Nunes, posto que no sistema jurídico brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado como o efetivo metaprincípio, como aquele que deve ser o vetor de toda a sistemática jurídica, servindo de base para a interpretação e aplicação dos demais princípios.

Assim, deve-se considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como o norte a ser seguido pelo intérprete no momento da aplicação da norma ao caso concreto, para que se perfaça, concretamente, a vontade da sociedade, gravada no Texto Constitucional.

Portanto, verifica-se a possibilidade de existência de chamados metaprincípios, os quais estariam acima, inclusive dos princípios constitucionais, no momento em que o operador do Diretor estiver aplicando a norma ao caso concreto, devendo, portanto, ser utilizado como direção, como norte a ser seguido pelo intérprete.

Notas da Autora:

(12) ALEXY, Roberty. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1998, p. 99.
(13) CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 143/154.
(14) PICAZO, Luís Diez. Los principios generales del Derecho en el pensamiento de F. de Castro. in Anuario de Derecho Civil, t. XXXVI, fasc. 3º, outubro-dezembro/ 83, p. 1267-1268, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 229.
(15) CRISAFULI. La Constituzione e le sue disposizione di principio. Milão, 1952, p. 15, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 230.
(16) NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96.
(17) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p.56.
(18) NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 38.
(19) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p.56.
(20) ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 199-200.
(21) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p. 980-981.
(22) NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96-97.
(23) CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 150.
(24) NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.

Extraído do site Boletim Jurídico

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