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28 outubro 2009

MENINO ALEMÃO VAI SER RESTITUÍDO AO PAI - CONFIRMA O TRF-5 – CAP. 4-FINAL


Foto meramente ilustrativa



PARTE FINAL DO VOTO DO
DO DESEMBARGADOR FEDERAL  PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, no qual ele conclui a apreciação das matérias prejudiciais e ingressa no mérito do pedido para manter em parte a sentença, determinando a devolução do menor alemão ao seu pai.


II.4) Da suposta necessidade de instrução



Aqui a preliminar fecunda o mérito da causa inevitavelmente.


O julgamento das demandas judiciais há de ser realizado, lembra-se por oportuno, “conforme o estado do processo” (CPC, Art. 329 e ss.), o qual varia, de relação a relação, a partir dos caracteres intrínsecos de cada uma, bem assim das premissas de que se vale o juiz para a edição do comando que profere; vai daí que, a depender da hipótese, o julgamento antecipado, sobre ser possível, é até recomendável, exatamente como --- apesar de todo o tumulto ocorrido --- acabou sendo aqui.


Destaco, primeiramente, que, em rigor, não há nulidade na feitura de julgamento antecipado da lide (nem ataque à garantia constitucional da ampla defesa, cf. CF, em seu Art. 5º, LV) se razões normativas, e não propriamente fáticas (estas normalmente carentes de instrução probatória), dão ensejo à formação do entendimento do magistrado da causa (CPC, Art. 330, I, começo).


E eu não vejo na hipótese dos autos --- hodiernamente14 --- qualquer necessidade de se operar já aqui, no Brasil e em sua Justiça Federal, uma investigação larga sobre os fatos aludidos nos recursos, e justo por esta última motivação: as razões jurídicas do imbróglio; a sua delimitação temática.


E por qual razão15?


É que, de fato, a “Convenção Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (Convenção de Haia), que vige no Brasil desde o dia 1º de janeiro de 2000, estabelece presunção juris tantum segundo a qual um menor, desde quando arrebatado ilicitamente de seu domicílio por um dos pais, deve retornar “de imediato” (Art. 1º), para tanto devendo haver cooperação material entre os Estados signatários (princípio da confiança mútua e recíproca).


Não se desconhece, é certo, que os seus Arts. 12 e 13, b, preveem alguns casos nos quais se exclui o retorno compulsório (e daí a relatividade da presunção mencionada); seja como for, são hipóteses excepcionais e que, por isso mesmo, devem ser tratadas com acentuada raridade, sob pena de quedar frustrada a maior razão de ser do Diploma Internacional, que é, segundo a sua própria enunciação, “proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita”.


É preciso dizer um pouco mais sobre a Convenção de Haia, à cata de possíveis incompatibilidades que tivesse relativamente à Lei Maior brasileira.


Pois bem.


Ao que se me parece, aponto que não existe, data máxima venia do argumento esgrimido, às fls. 1042, pelo curador especial nomeado ao menor (DPU), bem assim pela mãe, às fls. 899, mínima chance de se compreender como inconstitucional a Convenção controvertida, e nem a interpretação que se lhe vai dar.


Explico.


Formalmente, percebo que nada, no Magno Texto, exigia que a incorporação do Diploma ao ordenamento jurídico pátrio se desse mediante, por exemplo, algum tipo mais rigoroso de lei (complementar).


De outra banda, agora falando materialmente, diviso, à luz do Art. 227, que prometeu proteção integral à criança, ser forçoso convir que nada a realizará mais fortemente, num tensionamento familiar grave como o atual (entre pai e mãe, litigantes entre si), que o encaminhamento do infante à Justiça de seu domicílio original; lá viveram os genitores, deixando seus vestígios comportamentais, os registros físicos e testemunhais da conduta que adotaram, a partir dos quais o Juiz Natural haverá de (bem) decidir quem melhor guardaria e guardará o menino doravante (depois da óbvia falência da vida conjugal).


Destaco que a solução apresentada na Convenção de Haia, razoabilíssima, não está em desarmonia sequer com os valores fundantes do sistema jurídico pátrio no tanto em que operou a distribuição racional da nossa própria Jurisdição, em âmbito interno, por meio das clássicas regras de competência ratione loci.


É tanto que o ‘local do acontecido’ foi eleito, aqui e ali, como sendo aquele que define o foro competente para a judiciarização das contendas; é bastante ver -- apenas para o propósito de traçar referências ilustrativas -- o CPC, Art. 110, V; o CPP, Arts. 70 e 71; a CLT, Art. 651, e daí em diante.


Cuida-se, enfim, de opção instrumental, dada a proximidade do Juiz aos traços deixados pela vida vivida, tão importante para a elucidação heterocompositiva da causas complexas, como o litígio internacional entre o pai e a mãe do pequeno João Kübel.


Demais destes argumentos todos, parece evidente que somente se houvesse o envio da criança para um país que sofresse graves problemas institucionais (os quais implicassem abrupta solução de continuidade nos mecanismos humanizados de pacificação) é que, aí sim, a aplicação da Convenção – nunca ela por si – poderia recusar a proteção integral do menor, violando o Art. 227.


Este cenário não se afigura concreto, certamente, quando cotejados Estados que desfrutam de sólida vocação jurídica, de notável tradição de respeito às Convenções Internacionais, como sucede com a Alemanha, até por tudo o quanto há de singular na sua própria história.


E nem se diga, de outra banda, que haveria, a prestigiar-se a Convenção de Haia, gravame ao primado da Inafastabilidade da Jurisdição (Art. 5º, XXXV); anote-se, no ponto, que não se está deixando a mãe à sorte, encarregada da tarefa de resolver seus conflitos “de própria mão”, com a absolvição da função – pública, é claro – de solucionar a lide que tem com o pai da criança.


Muito ao reverso, e no próprio interesse do menor, fez-se, naquele Diploma Internacional, a eleição da Jurisdição encarregada de resolvê-la, sendo que a transnacionalidade da disputa, da guarda, das visitas, do complexo processo de família que será travado, enfim, tudo isso é decorrência da própria condição do casal (binacional), a qual contou com o concurso voluntário da própria mãe para ser construída, lembre-se sempre.


Ainda em tempo: isto de não deixar o(a) genitor(a) à própria sorte – pai ou mãe; no estado requerente ou requerido – não se limita, na Convenção de Haia, a aspectos meramente formais (procedural due process of law).


O texto do Pacto Internacional vai além, trilhando o caminho – humanizado – de garantir a defesa material das posições dos contendores (substantive due process of law), mormente pelo disposto no Art. 25 (“os nacionais de um Estado Contratante e as pessoas que habitualmente residam nesse Estado terão direito, em tudo o que esteja relacionado à aplicação da presente Convenção, à assistência judiciária e jurídica em qualquer outro Estado Contratante, nas mesmas condições dos nacionais desse outro Estado e das pessoas que nele habitualmente residam”). Faz parte, enfim, tal garantia, da confiança mútua e recíproca entre os países. Pelo visto, tem-se, em definição simplificada, o seguinte: a convenção é formalmente válida; o seu uso tópico, também; não agrava a Inafastabilidade; realiza a Proteção Integral; resguarda a Igualdade entre os Estados (Art. 4º, V) e entre os genitores (Art. 5º, caput); e, de quebra, ainda prestigia a Cooperação Entre os Povos para o Progresso da Humanidade (Art. 4º, IX).


De todo modo, cá está um último e irresistível argumento, agora metajurídico: não parece muito provável que o Guardião da nossa Constituição viesse, futuramente, a esposar entendimento diverso do presente.


Que indicativo tenho disso? Basta cotejar onde se hospeda, na internet, a página que trata da Convenção, cuidada com zelo, esmero e notável proficuidade informativa: no site do próprio STF (http://www.stf.jus.br/convencaohaia/cms/verTexto.asp).


Voltemos, pois, à Convenção em si.


Que define o Art. 12? Trago-o a exame:


“Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.


A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio...”


A não-aplicabilidade do dispositivo ao caso é manifesta, data maxima venia.


Primeiro que a ação de busca e apreensão ora cotejada é, como quis a Convenção na passagem transcrita, ‘de força nova’, isto é, de menos de um ano entre a data da irregularidade da transferência (1º de julho de 2007, ocasião em que se dera a permanência desautorizada, pós-férias, de mãe e filho) e a da sua propositura (23 de maio de 2008, cf. fls. 03), donde a certeza da necessidade do retorno imediato e, mais importante, que esta (a necessidade de repatriamento brevíssimo) não pereceria ainda quando, mercê de retardos burocráticos das autoridades do país repatriante, o instante presente fosse superior a um ano – e aqui é (08 de outubro de 2009)16.


Tem mais.


É que a lei prevê a possibilidade de retenção se tiver havido adaptação da criança à vida no país onde precariamente esteja. A questão é: estaria na hipótese? Penso que não.


Há duas razões para concluí-lo.


Inicialmente, anoto que consta, às fls. 299 a 302, documento (relatório psicológico) sinalizando que a criança, que fala alemão adequadamente para a idade (quatro anos à época do contato com o perito), tem bom trato com o pai.


Pois, se fala a língua do país de origem, se tem o genitor para conduzi-lo à Autoridade Central Alemã, pode perfeitamente volver à terra onde morava, e tudo sem que se cogite de uma mutilação ‘paisagística’ insuportável à sua (ainda pequena) história de vida.


Sei que viceja dúvida quanto à validade jurídica daquele laudo, posto que tivesse sido elaborado de forma unilateral, assim em desobediência ao contraditório e à ampla defesa (fls. 905).


De todo modo, há, ainda mais importante, outro dado que se deve levar em consideração, bastante por si para que se chegue à mesma conclusão mencionada pelo expert.


Trata-se de verdade perceptível, ao homem médio e a olho desarmado, à vista daquilo que ordinariamente acontece (CPC, Art. 335): criança, quando em tão diminuta idade (hoje com cinco anos), não finca raízes que representem empeço ao desenvolvimento das outras, anteriores, ou mesmo à elaboração de novas; esta circunstância deriva menos do querer de pai e mãe, e mais da própria fase do desenvolvimento que experimenta, naturalmente fértil (a toda e qualquer influência) e resiliente (o suficiente, por hora, para adaptar-se de acordo com o ambiente em que venha a ser [re] inserida17).


E nada disso reclama prova, todos sabem (CPC, Art. 334, I).


Sigo o raciocínio.


O Art. 13, b, da Convenção, por sua vez, diz que a “autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável” 18.


A regra mencionada, se bem compreendida, não incide nos casos em o argumento versa a litigiosidade do casal que se repartiu, bem assim as fragilidades do vínculo da criança com este ou aquele antecessor, e são muitos os argumentos da mãe neste sentido: ameaça de provocação de abortamento, agressões físicas, discriminações etc19.


Tais temas --- relevantíssimos --- serão justamente o objeto da Jurisdição para a qual a criança será entregue (repatriada), que é a do Estado de origem, a quem caberá, no fim de contas, definir quem terá a guarda respectiva (pai, mãe, ambos ou ninguém deles), qual o regime de visitas etc..


Como já mencionado, haveria que se enxergar presente, mais que isso, para justificar-se a retenção do infante, uma situação anômala vivida no ambiente destinatário20 (guerra externa ou convulsão social intestina), capaz de gerar fundada dúvida quanto à eficácia da Justiça de origem, sua incapacidade circunstancial de resolver o imbróglio à luz da racionalidade comum aos povos signatários da Convenção, todos cônscios da necessidade de proteger os mais relevantes interesses em jogo, os da criança, e que certamente passam pela tentativa de um convívio bilateral -- seu -- com pai e mãe.


E uma situação extravagante assim, sabe-se, não resta configurada, em dias atuais, concernentemente à República Federal da Alemanha, pelo que o encaminhamento do menor resta – finalmente – justificado21.


Faço, muito em homenagem à apaixonada sustentação oral realizada pela representante da mãe, um último registro: sua interpretação é a de que deveria ser cotejado, in concreto, se a criança teria algum dano com o regresso, para tanto sendo necessária a realização de exame circunstancial com o garoto, à mingua do qual estar-se-ia diante de cerceamento – pretensamente brutal – do seu direito de defesa, fazendo rota a tramitação havida até o momento.


O argumento em si, inobstante muito bem edificado, mais contribuiria, hoje estou convencido, para o retardo do desfecho desta lide do que para o seu desate equilibrado e justo.


Sucede é que dano com retorno, pelo menos no sentido psicológico do termo, certamente haverá, exatamente do mesmo modo que houve quando a criança, de tenros três ou quatro anos, viu-se, abruptamente, ceifada do convívio com o genitor há dois – e não seria necessário um profissional da mente para dizê-lo.


Não precisaria de um laudo para responder quesitação cuja resposta já encontro nas observações que faço do mundo, das pessoas, máxime pelos exemplos que eu, como “homem médio”, já hauri em vinte e poucos anos de magistratura, trinta e poucos de direito, cinquenta e poucos de vida (mais uma vez: CPC, Art. 334, I).


O tal dano, porém, dimana não do retorno ao país de origem isoladamente, como se fez aludir em peça escrita e oralmente (da Tribuna), mas da própria separação do casal, capaz de gerar, ainda que fosse em filho pronto e acabado, abalo seriíssimo de ânimo e tristeza dilacerante; tanto mais em um ser que, dos cinco de vida, viveu dois em meio à guerra justo dos que deveriam lhe inspirar segurança.


O Judiciário (daqui, da Alemanha, como fosse) não poderia, e não poderá jamais, resolver problema que tal; do mesmo modo que sei da desnecessidade de perícia para afirmá-lo, sei caber ao pai, caber à mãe, pavimentar caminhos de uma vida – separada, mas paradoxalmente conjunta – que enseje a minoração deste tipo de dilema na mente do pequeno João Kübel, permitindo que seja alemão adorando ser brasileiro; brasileiro, feliz demais por ser alemão; e completo porque orgulhosamente descendente de Mathias e Camila, no fim de contas duas outras crianças que amam demais uma terceira.


Aqui, o conforto que tenho, se é que se quer conhecê-lo, resolve-se dual: saber que não contribuí com nada para criar este dilema da (insana!!) pós-modernidade; crer que estou entregando uma pequeníssima parte do futuro da criança aos auspícios de Jurisdição absolutamente confiável, seja do ponto de vista histórico (o seu acentuado desenvolvimento humanístico), seja do ponto de vista pragmático (porque ninguém está mais habilitado, para o descortino dos fatos, que o juízo do local onde quase todos eles aconteceram22).


III) DA EXTRAPETIÇÃO VERIFICADA (EQUÍVOCOS QUANTO À PARTE DISPOSITIVA DA SENTENÇA)


Há alguns ajustes que a sentença merece sofrer.


É que, limitado o pedido à busca e apreensão do menor, descabia – como feito – cogitar de ordem anulando o “Registro de Traslado de Assento de Nascimento” da referida criança, dada a manifesta extrapetição na qual incorreu. Não há possibilidade de exercício da jurisdição, em condições normais, como se sabe, a menos quando submetida aos rigores do CPC, em seus Art. 2º e 262, primeira parte.


Penso que é de ser reformada neste aspecto.


Mas há, ainda, outro exagero (mais um). Como o menor é descendente de brasileira, ainda quando se reputasse formalmente inadequado, por hora, o referido “Traslado de Assento”, mesmo assim, não se divisaria justa causa para deflagração de uma persecução criminal sobre eventual cometimento de crime relacionado à custódia irregular de estrangeiro no país, mormente em face das disposições constantes da CF, em seu Art. 12, I, c.


Releva notar que a Convenção de Haia, tomada em consideração para resolver o imbróglio presente, delimita a controvérsia a aspectos civis; e deles não deve passar.


Reformo a sentença também neste tópico.


IV) DISPOSITIVO


Ante o exposto, rogando vênias a eventuais entendimentos contrários, e nestes estritos termos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES, mas apenas a) para retornar o feito a sua condição original, que é a de processo de conhecimento “de busca a apreensão”; e b) para expurgar, da sentença, as referências à anulação do registro de traslado, bem assim à deflagração de persecução criminal contra a mãe (item III da fundamentação), restando mantido, no mais, o ato objurgado.


É como voto.


PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA
Desembargador Federal

Notas do Relator:
14 Alguém já disse – com toda razão do mundo -- que o tempo se vinga das coisas feitas sem a sua colaboração. Pois bem. É justo em homenagem ao tempo, valor inestimável a uma perfeita compreensão da vida e dos dilemas que lhe são inerentes, que escreverei as próximas passagens.
Sou juiz cioso de – pelo menos -- três características, todas perseguidas de forma rotineira; duas delas: prudência, quando o caso manda; celeridade, quando a hipótese exige.
Às fls 995 e ss. está posto o arrazoado que expendi quando da apreciação do agravo de instrumento; lá – e porque a causa, singular, acabara de me chegar às mãos – findei ponderando no sentido da necessidade de se evitar uma deliberação definitiva por meio de antecipação de tutela (fls. 1000); fi-lo, àquela altura, porquanto, partindo das premissas de que partia (ser, esta, também uma causa de família, e não apenas de Cooperação Internacional), tinha em perspectiva que o Regional acenava “para a instrução”, e achava “que, sem ela, a situação” (do processo) continuava “a mesma”, e daí que a criança deveria ficar no Brasil provisoriamente (fls. 1002); lembro que destaquei na ocasião – como faço sempre, aliás -- que “cada frase minha” devia “ser entendida entre parênteses”, e que eu “não era o dono da verdade” (fls. 1000).
Deu-se que ele (quem mais?) amadureceu o meu entendimento, permitindo a formação de uma (nova, pretensamente definitiva) convicção (“não costumo repensar uma matéria muitas vezes. Dificilmente repenso. Penso, com muito cuidado, a primeira vez, repenso, raramente, quando circunstâncias me levam a achar que, talvez, precise rever para verificar se acertei da primeira vez ou se a minha decisão comporta alguma alteração”, às fls. 997).
Eis-me, aqui, então, ainda potencialmente equivocado, mas maduramente habilitado (pelo tempo, este aliado com quem divido minha judicatura) a dizer do meu novel entendimento, seja sobre o ‘teatro’ em que se desenvolveu a demanda, seja sobre os seus ‘personagens’.
Antes que siga com o texto, sublinho a característica (terceira) cuja referência ainda faltava neste longo rodapé: a coerência intelectual, que se não me impede de mudar entendimentos, mantém-me firme no propósito de buscar acertar sempre, fugindo da tentação frequente de julgar a lei, limitando-me a fielmente aplicá-la (julgar com a lei).
15 A análise que farei doravante pressupõe que os fatos aconteceram do modo como narrados no relatório lançado, até porque a defesa feita em juízo – marcadamente indireta – não os infirmou propriamente, senão que lhes opôs outros (como a violência do pai, justificadora, segundo se pretendeu, do temor de voltarem – mãe e filho – à Alemanha).
Ademais, falou-se, é fato, que uma liminar dada na Justiça Estadual de Pernambuco concedera a guarda à mãe; só que a decisão referida foi reformada pelo Tribunal de Justiça, que deliberou exatamente no sentido de não deliberar, em homenagem à Convenção de Haia e, derivadamente, da Justiça alemã, sendo mais certo ainda que o Art. 17 da Convenção, em sua primeira parte, não impediria o repatriamento ainda quando vigorasse a decisão inicial (hoje já reformada, repito): “O simples fato de que uma decisão relativa à guarda tenha sido tomada ou seja passível de reconhecimento no Estado requerido não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a criança nos termos desta Convenção...”.
16 Foi a atuação tempestiva do genitor que garantiu este rótulo à demanda proposta pela AGU (‘força nova’); ela denotou o desejo instantâneo do pai em manter o status quo, no fim de contas justo aquilo quanto a convenção mais almeja, e em benefício -- sempre e sempre -- da criança.
17 Aliás, convém gizar que a anulação da sentença, querida unissonamente nos três recursos examinados, findaria, muito ao reverso, pelo só fato do alongamento do ‘iter’ procedimental, por cominar a adaptação definitiva da criança ao seu (novo) país (ambientação antijurídica, beneficiante da mãe que, no fim de contas, afigurou-se infratora, máxime pelo “arrebatamento” que praticou), colidindo frontalmente com a imediatidade que a Convenção quer para o retorno, e tanto que o seu Art. 2º faz expressa referência aos “procedimentos de urgência” que devem ser adotados para o referido fim, tudo na linha de ser evitada a consolidação de uma situação fática artificial e irregular.
18 Destaque-se, por oportuno, que a Convenção não distingue nacionalidades (como uma suposta exigência de não ser ‘nacional’, a criança, para fins do seu ‘retorno’ à origem; pode ser ou não, isto pouco importa, forte em que o caso não é tratado tecnicamente como extradição, donde a não incidência da norma contida na CF, em seu Art. 5º, LI); demais disso, e porque a defesa da mãe aborda o assunto, sublinho que a Convenção dá conceito claro de ‘residência’, situado no Art. 4º, sendo certo, daí, que não pode ser considerada, como tal, aquela haurida a partir da situação (precária, quase clandestina) que a genitora e sua criança experimentam na atualidade.
19 Duvido de tudo isso; mas absolutamente nada --- nada, eu repito --- descarto.
20 Para a recusa de repatriar ainda vale o disposto no Art. 20 da Convenção: “O retorno da criança de acordo com as disposições contidas no Artigo 12º poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, algo muito, mas muito longe de ter cabimento relativamente à Alemanha.
21 E que ninguém diga que a União privou a mãe de um empreender um processo em seu próprio país; que ninguém defenda que a Justiça Federal – em gesto extremo – buscou e apreendeu a criança, ceifando-a, mesmo que temporariamente, de ladear a genitora, com quem sempre vivera; no fim de contas, seria responsabilização injusta, pois foi a mãe quem deliberou envolver-se com um não-nacional; ela escolheu, envolvida, fixar domicílio em outro país que não o seu; ela, enfim, arrebatou o filho do pai clandestinamente; como já tive ensejo de dizer, foram suas as opções que redundaram na circunstância presente, que, de resto, nem precisa ser definitiva, mormente pela garantia de que a presente decisão em nada interfere no seu direito de pelejar a guarda desassombradamente no Estado Requerente, cf. Art. 19 da Convenção: “qualquer decisão sobre o retorno da criança, tomada nos termos da presente Convenção, não afeta os fundamentos do direito de guarda.”.
22 Se a história, em muito boa hora, já assentou que existem (bons) Juízes em Berlim, convém crer, é tempo, que eles existam em Würzburg também.

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