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26 maio 2009

IMPOSIÇÃO DE MULTA A ADVOGADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Ontem o blog publicou um post sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que entendeu incabível a aplicação da litigância de má fé a advogado público, sob o título ADVOGADO PÚBLICO NÃO PODE SER MULTADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.

Tendo recebido interessante artigo a respeito do tema, resolvi publicá-lo também por conter igual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o advogado, porém no exercício da advocacia privada, como se pode conferir abaixo:
O Advogado e a Litigância de Má-fé
Clito Fornaciari JúniorMestre em Direito. Advogado.

Há dificuldade em se separar, nos processos, a figura da parte daquela do advogado, por não se mostrar uma nítida linha divisória entre aquilo que existe no processo como ocorrência real e efetiva dos atos e comportamentos da parte e o que a ele foi incorporado mercê do trabalho, da criatividade, da sensibilidade e até da marotice do profissional. Nesse sentido, julgados e, mais ainda, manifestações das partes, ou melhor, do advogado das partes, não são justos na separação das funções e assim agem intencionalmente para externar a idéia de que o quanto existe nos autos é só fruto de criação do profissional: seria coisa montada, sem compromisso com a verdade e não decorrência do natural dos acontecimentos.

Nesse sentido, antiga decisão do TJSP (AC 614-4/7, rel. FRANCIULLI NETTO, acórdão publicado em 04.11.1996) imputou ao advogado do autor a fabricação de documentos e até mesmo a criação da ação promovida, que teria sido "antecipadamente preparada", tachando-a, então, "de uma aventura mirabolante", dizendo expressamente que "a presente ação não passa de uma aventura mirabolante engendrada pelo I. advogado do autor, muito provavelmente seu parente, e daí o seu interesse em obter a todo curso, o que a lei não permite".

Em função disso, reconheceu o acórdão "manifesta litigância de má-fé" e condenou "o autor e seu patrono" ao pagamento de multa de 20%, com base no § 2º, do art. 18, do CPC, reconhecendo existir entre eles solidariedade, para o que se valeu do art. 32, parágrafo único, da Lei 8.906/94, que trata da demanda temerária. Foi admitido, contra aquele acórdão, recurso especial, que adentrou no STJ, em 1997.

Em 12 de agosto de 2008, foi, finalmente, o especial julgado, sendo que, no que tange à condenação do autor como litigante de má-fé, essa foi mantida, havendo só o ajuste de seu valor ao § 2º, do art. 18, do CPC, que manda ter por base o valor da causa, que não fora adotado no acórdão de São Paulo.

Quanto ao tópico em que discute a responsabilidade do advogado, que foi também condenado pelo acórdão, deu-se a ele provimento para afastá-la. Lembrou o julgado, relatado por LUIS FELIPE SALOMÃO (4ª Turma - REsp 140578, julgado em 12.08.2008, (DVD Magister, versão 24, ementa 11513236, Editora Magister, Porto Alegre, RS), que o CPC também impõe deveres processuais aos advogados, mas prevê sanções somente às partes. Nessa linha, é de se ater ao fato de o art. 14 do CPC declinar, em seus incisos, deveres para as partes e para "todos aqueles que de qualquer forma participam do processo", entre os quais estão também os advogados. Da mesma forma, o art. 15, cuidando do uso de expressões injuriosas, proíbe tal prática às partes e aos seus advogados.

Ao tratar, mais adiante, de punir em razão do descumprimento desses deveres, impondo sanções financeiras pela ocorrência de dano processual, o legislador ateve-se à parte, ou seja, a quem pede e a em face de quem é pedido, portanto, aos litigantes, quando esses agem de má-fé, conforme se verifica nos arts. 16 a 18 do CPC. O art. 16, que representa o portal introdutório da responsabilização pelas perdas e danos, a impõe àquele que pleitear de má-fé. Além de pleitear ser atuação típica das partes, reforça a ideia, aduzindo que é pleitear como autor, réu ou interveniente. O art. 17, por sua vez, arrolando comportamentos, restringe-os ao litigante, excluindo, pois, o advogado. O art. 18, por derradeiro, cuida da condenação, dizendo ser ela do litigante de má-fé. O litigante é a parte e, portanto, somente esta pode ficar sujeita a responder pelos danos processuais, aliás, como bem colocado na seção que titula esses artigos: "da responsabilidade das partes por dano processual".

Eliminou, dessa forma, o acórdão do STJ grave equívoco da decisão do TJSP, que condenara solidariamente com o autor o advogado, a quem, naquele processo, não poderia atingir, ainda que fossem verdadeiras todas as assertivas lançadas como justificativas da sanção.

Desse modo se passa, pois o advogado, apesar de figurar como um dos personagens do processo, em relação ao qual é indispensável (art. 133 da CF), não está nos autos defendendo seus interesses, mas, sim, os de seu cliente, ou seja, daquele que o constituiu. Sua condenação, mesmo estando ele nos autos, no entanto, no exercício de outras funções, acabaria ofendendo a regra do devido processo legal, de vez que não se lhe asseguraria a plenitude do direito de defesa, que tem como pressuposto básico saber-se da pretensão que se tem em face daquele que precisa defender-se. Não sendo a ação dirigida ao advogado, nela não se cogita de o profissional apresentar defesa, pois para tanto não foi chamado aos autos.

É certo que a previsão do art. 32 do Estatuto da Advocacia, citado no acórdão reformado à guisa de fundamento da condenação do advogado solidariamente com a parte, prevê a responsabilidade desse pelos atos praticados, no exercício profissional, com dolo ou culpa. Seu parágrafo único, igualmente, dispõe sobre sua responsabilidade, fazendo-a solidária com o cliente, quando agir coligado com ele, em lide temerária (cf. nosso Processo Civil: verso e reverso, Juarez de Oliveira, 2005, p. 13 e segs.). Essa disposição, no entanto, não chega a permitir a apuração da culpa do patrono, nos autos em que o advogado atua como defensor de uma das partes. Exige-se para tanto demanda específica contra ele, voltada exclusivamente para esse fim, como o acórdão do STJ reconheceu.

A previsão desse parágrafo único, de um lado, assegura o devido processo legal, porém serve para restringir a responsabilidade do advogado à hipótese de que cuida, qual seja, a de lide temerária, na qual ele se apresenta coligado com o cliente para prejudicar a parte contrária. De outro lado, essa mesma disposição finca a responsabilidade do profissional, nos casos de dolo ou culpa, tirando-a, contudo, do alcance do outro litigante, uma vez que essa responsabilidade é do advogado para com seu cliente e que existirá apenas quando o cliente sofre prejuízo efetivo e por culpa do profissional, não quando, como no caso em tela parece ter sido, a parte contrária seria prejudicada com a atuação do advogado adverso, hipótese em que o ressarcimento há de ser perseguido contra o adversário, unicamente.

Aclara a situação a lembrança de que tudo quanto o advogado realiza no processo o faz em nome de seu cliente, de quem é a voz, sendo, pois, aquele o efetivo responsável perante o adverso. Ignorar essa limitação é afrontar prerrogativa profissional, transformando o advogado em parte e, assim, revelando-se o risco de se intimidar sua atuação, em desfavor dos interesses pelos quais lhe cumpre velar.

Newsletter Magister, edição 889, 21.05.2009

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