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10 março 2010

O ATO ILÍCITO NO CÓDIGO CIVIL-3

Parte 3


HEREZ SANTOS
Bacharel em Ciências Navais e Direito. Advogado no Rio de Janeiro


7. O ato ilícito no antigo e no novo Código Civil


Estabelece o art. 159 do Código Belivaqua, ora ab-rogado, conforme segue, verbis :

“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”

Sobre a violação de direito doutrina o aplaudido Alvino Lima, verbis:

“Viola-se o direito de outrem todas as vezes que se fere a sua pessoa ou o seu patrimônio.”

Ora, considerando, como bem leciona aquele insigne autor, que violar direito abrange tanto a esfera pessoal quanto a patrimonial e, considerando ainda que a lei não contém palavras inúteis, porque, então, pergunta-se, o prefalado regramento não empregou tão só a expressão “violar direito”, ao invés desta vir complementada por aquela outra, quer seja, “ou causar prejuízo”?

A resposta está em que o art. 159 do Código Civil de 1916 estabelece que o agente fica obrigado a reparar dano imaterial por violar direito, ou, dano material por causar prejuízo, ou a ambos reparar, quando for o caso.

Partilha desse entendimento, se nos parece, o douto Carlos Roberto Gonçalves, com o que expressa, verbis :

“A violação de um direito, como vimos, mesmo sem alegação de prejuízo ou comprovação de um dano material emergente, pode, em certos casos, impor ao transgressor a obrigação de indenizar, a título de pena privada (art. 927 do CC: hipótese de pena convencional; nos caso de violação dos chamados direitos da personalidade, como a vida a saúde, a honra, a liberdade etc.).”

Assim, confirma-se, ao estatuir o art. 159 do Código de 1916 que “violar direito, ou causar prejuízo a outrem, obriga o agente a reparar o dano”, o que na verdade faz aquele dispositivo é determinar que, ante a ocorrência de dano imaterial (violar direito), ante a ocorrência de dano material (causar prejuízo), ou ante a ocorrência de ambos (violar direito e também causar prejuízos), o agente se obriga a reparar aquele, este, ou, eventualmente, todas as espécie de danos que ele tiver dado causa.

Em relação ao art. 186 do Código Reale, ora em vigor, diz este, verbis:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

O texto de lei à mostra, visa, como dele se pode inferir, coisa diferente daquele seu correspondente no Código Bevilaqua, quer seja o art. 159. A regra ora sob comento dita o que deve ser tido como ato ilícito, e deixa de declarar o efeito que dele decorre, eis que proclamado este no art. 927.

A expressão “violar direito” no texto do art. 186 do novo Código revela a antijuricidade do ato. No art. 159 do Código ab-rogado, esta mesma expressão, diversamente, diz respeito ao dano imaterial nele previsto.

Mas não é só isso.

O Projeto de Lei n° 7.312 de 2002 propõe alterar o art. 186 da novel codificação civil, dando-lhe a seguinte redação :

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Nas palavras do proponente, é a seguinte a justificativa da alteração pretendida, verbis:

“A ilicitude do ato jurídico não pode estar vinculada a imputação de dano a outrem; basta a conduta antijurídica que o ato não encontrará respaldo no sistema para sua preservação ou, ainda, gerará o direito da parte prejudicada de provocar a tutela jurisdicional para impedir a continuidade de produção de efeitos pelo ato ilícito e, conforme o caso,pedir a reparação dos danos causados.”

A proposta de alteração, contudo, contém expressivo equívoco. Talvez mesmo por conta da confusão que, apontada como visto por muitos eminente juristas, reina no campo da responsabilidade civil.

Como demonstrado ao longo da exposição, o ilícito será sempre antijurídico, mas a recíproca não necessariamente se faz verdadeira. E, se é certo que a conduta antijurídica não deve encontrar respaldo no sistema como bem vem ressaltado naquela justificativa, certo também poder afirmar-se que uma vez ausente o dano, impróprio se pretender que a antijuricidade se externe como ato ilícito que não é.

Ainda sobre a alteração da redação do art. 186 do novel diploma cível, verifica-se mais que o proponente argumenta que à parte prejudicada deve ser assegurado o direito de provocar a tutela jurisdicional para impedir a continuidade de produção de efeitos (danos) pelo ato ilícito (violar direito e provocar dano). Ora, esse direito já vem assegurado de forma implícita na atual redação do art. 186 e na sistemática do Código. Em assim sendo, também sob este aspecto carece de propósito a alteração pretendida.

A redação do art. 942 do novo Código é, recorda-se, a seguinte, verbis:

“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”

Observa-se que o artigo sob comento decreta o efeito (reparação) sobre os bens do responsável por decorrer este quer da ofensa (dano material) quer da violação do direito (dano imaterial) por ele promovido. Nesse caso, por se tratar tão só do efeito do ato ilícito, e não do conceito deste, válida-se o emprego da disjuntiva “ou” presente entre os termos “ofensa” e “violação de direito”, à semelhança do que acontecia no art. 159 do Código anterior.

Em outra aresta, relativo ao abuso de direito como ato ilícito, estatui o art. 187 do Código novo, verbis:

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Há de se notar que a antijuricidade anunciada na regra em destaque é objetiva. Nesse sentido veja-se o entendimento dado pelo enunciado n° 37 da I jornada de Direito Civil da Justiça Federal - http://www.justicafederal.gov.br - sobre o texto do artigo sob comento, verbis:

“A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”

Portanto, a expressão ato ilícito presente no texto do art. 187 da nova codificação vem ali empregada no sentido lato senso do seu significado.

Ante tudo, pois, não se pode aceitar nem tampouco se emprestar apoio à proposta de alteração contida no prefalado Projeto de Lei.

E mais ainda.

O texto do art. 927 do novo diploma civil, este sim, ressentindo-se da melhor técnica, merece remendo. Diz aquela regra de lei, in verbis:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Observa-se no dispositivo gritante redundância, como quedará explicado com o que segue.

A expressão “causar dano a outrem” já se encontra presente, ínsita mesmo, no conceito de ato ilícito enunciado pelo atual art. 186 - “ação ou omissão voluntária, decorrente de negligência ou imprudência, que viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.” Aí repousa a tautologia apontada.

Melhor, então, seria dizer :

Art. 927. Aquele que praticar ato ilícito (arts. 186 e 187), fica obrigado a reparar o dano dele decorrente.

Publicado originalmente no site Boletim Jurídico 184/2006, de onde foi extraído.

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