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08 março 2010

O ATO ILÍCITO NO CÓDIGO CIVIL-1

Parte1




Herez Santos
Bacharel em. Ciências Náuticas e Direito.Advogado no Rio de Janeiro.


SUMÁRIO: 1. Exórdio. 2. Síntese da evolução histórica da responsabilidade civil. 3. O fundamento da reparação civil. 4. Antijuricidade no cível. 5. Responsabilidade. 6. Ato ilícito. 7. O ato ilícito no antigo e no novo Código Civil. 8. Conclusão. Bibliografia.

1. Exórdio

Segundo vem sendo dito, é possível se constatar com certa facilidade o fato de alguns muitos misturarem conceitos pertinentes ao instituto da responsabilidade civil, o fato da jurisprudência, no mais das vezes, considerar falta de nexo causal em lugar da ausência de culpa, e o fato do fortuito, da força maior e da falta exclusiva da vítima, tecnicamente excludentes da culpa, serem confundidas por não poucos com a ausência de nexo causal.

Se por um lado a doutrina ressalta que o ponto de maior controvérsia no plano da responsabilidade civil consiste no modo de entender os seus fundamentos, por outro, algumas dentre as mais conhecidas e versadas figuras do Direito vêm confirmando a balbúrdia que se constata instalada no seio daquele instituto.

Observa Clovis Belivaqua, por exemplo, que a teoria dos atos ilícitos reduzida aos seus próprios elementos é clara e simples e tem recebido das noções de culpa e responsabilidade com as quais tem íntima ligação, obscuridades, filhas das sutilezas em que têm sido férteis os escritores.

Em quadra própria, Antonio Lindenbergh C. Monteiro expõe que a teoria da indenização de danos só começou a ter uma colocação em bases racionais quando os juristas constataram, após quase um século de estéreis discussões em torno da culpa, que o verdadeiro fundamento da responsabilidade civil devia ser buscado na quebra do equilíbrio jurídico-econômico provocada pelo dano.

Aguiar Dias, principal referencial doutrinário sobre responsabilidade civil no país, de sua feita, pondera que Von Iehring, defendendo não haver reparação sem culpa, satisfez por dilatados anos a consciência jurídica.

É também, registre-se, o respeitado jurista Orlando Gomes quem assevera ser dado aos escritores se embaraçarem na explicação da chamada responsabilidade extracontratual.

Assim, por tudo, não é sem razão que De Page, citado por Caio Mário, afirma que na senda da responsabilidade civil, tanto sob o aspecto legislativo quanto doutrinário, como, ainda, jurisprudencial, o que se vê margeia a anarquia.

O disciplinamento do ato ilícito pela recém-inugurada codificação civil brasileira de 2002, ao que tudo indica, não bastou para afastar a confusão de idéias que ainda gravita em torno desse instituto.

É justamente sobre esse desencontro de formulações pertinentes ao ato ilícito que se desenvolve o presente e despretensioso estudo que ora se enceta.

2. Síntese da evolução histórica da responsabilidade civil

A primeira norma escrita disciplinando a aplicação de penalidades àqueles que causassem danos a terceiros foi o Código de Hamurabi, do Rei Hamurabi (1792-1750 ou 1730-1685 a.C.), criador do império babilônico. Dizia tal diploma de lei em um de seus tantos artigos:

“196º - Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho”.

Eis a pena de talião, calcada na idéia da reparação do mal com mal igual, sob o lastro de que qualquer dano causado a outrem deve ser considerado contrário ao direito.

No começo os romanos não distinguiram a responsabilidade civil da responsabilidade penal, impondo de igual modo uma pena ao causador do dano.

Maior evolução do instituto ocorreu num segundo momento, a posteriori, com a Lex Aquilia, que deu origem à denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual, quer seja, a chamada responsabilidade civil aquiliana.

Nas palavras de Ulpiano, sob a lei Aquília a mais leve culpa deve ser considerada – “in lege Aquilia et levissima culpa venit.”

A concepção de pena foi, então, aos poucos, sendo substituída pela Idéia de reparação do dano sofrido, que ao final acabou incorporada ao Código Civil de Napoleão, o qual, inclusive, exerceu grande influência sobre certos institutos do Código Bevilaqua de 1916.

3. O fundamento da reparação civil

Se desde a análise lingüística da responsabilidade já se vê a promoção da sanção fundamentada com maior propriedade, a reparação de todo dano injusto vem a ser uma exigência da consciência jurídica universal.

Clovis Belivaqua justificava a reparação argumentando que o Direito Civil não visa o agente simplesmente, mas principalmente a vítima, vindo em seu socorro com o fito de restaurar, tanto quanto possível, o seu direito violado, conseguindo assim o que, em suas próprias palavras, se poderia chamar de eurritmia social refletida no equilíbrio dos patrimônios e das relações pessoais que se formam no círculo do direito privado.

No dizer de Silvio Rodrigues, o princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade, encontradiça no ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida social é inconcebível, é aquele que impõe, a quem causa dano a outrem, o dever de repará-lo”.

Embora possa haver dano sem responsabilidade, como v.g. se dá na concorrência comercial leal que se instala entre dois comércios do mesmo ramo, o certo é que, como resta pacificado, sem dano não há responsabilidade. Alvino Lima, aliás, confirma com propriedade que a inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, porque sem objeto.

E a idéia de reparação, diga-se, é inclusive mais ampla do que a do ato ilícito, pois, se este cria o dever de indenizar, há casos de ressarcimento de prejuízo em que não se cogita da ilicitude da ação do agente.


Publicado originalmente no site Boletim Jurídico no. 184/2006, de onde foi extraído.

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