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02 março 2010

DECADÊNCIA E A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS-2

Parte 2/3


Tiago Faggioni Bachur

Advogado; Professor; Pós-graduado em Direito Previdenciário.


Fabrício Barcelos Vieira
Advogado; Professor; Pós-graduando em Direito Previdenciário e em Direito Civil e Processual Civil; MBA em Direito Empresarial pela FGV.


II - Casos em que não se aplica a decadência


A regra da decadência dos 10 anos surgiu a partir de 27/06/1997 (para alguns estudiosos, a partir de 05/02/2004), pois até então não existia lei que regulamentava prazo para reclamar erros do INSS.


O discutido e polêmico art. 103 da Lei 8.213/91, com a nova redação, veio prever:


"É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício (...)" (g.n.)


É importante voltar no tempo e relembrar como era a legislação antiga. Antes da modificação provocada pela MP 1523-9/1997, na Lei 8.213/91 não existia previsão de prescritibilidade ou caducidade do direito do segurado da Previdência Social de postular a revisão do ato de concessão e da fixação da Renda Mensal Inicial (RMI) de seu benefício previdenciário 1.


A redação original do art. 103 da Lei 8.213/91 dizia que "sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes".


Falava-se apenas na prescrição e não da decadência.


Assim, observa-se que o RGPS não contemplava hipótese de "prescrição de fundo de direito" relativamente à revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, pelo que prevalecia tão-somente a previsão contida na súmula n° 85 do C. STJ.


Com o advento da MP 1523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, passou-se a estabelecer o prazo decadencial decenal, nos seguintes termos:


Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.


A partir daqui, no que se refere a decadência, o legislador começa a confusão, pois ora estabelece a prazo de 10 (dez) anos, ora de 5 (cinco) anos.


Dessa maneira, em 23/10/1998 a MP 1663-15, convalidada na Lei 9.711/1998, reduziu o referido prazo decenal para 5 (cinco) anos.


Entretanto, antes que o qüinqüênio da referida lei tivesse transcorrido, contado da primeira previsão de prazo decenal, foi editada outra MP (a de nº 138, de 19/11/2003), restabelecendo aquele prazo decadencial em 10 (dez) anos, hoje determinado pela Lei 10.839, de 05/02/2004.


Deste modo, a sucessão legislativa resultou no seguinte contexto histórico:


– até 27/06/1997 – não havia previsão legal de prazo decadencial, ou de prescrição de fundo de direito, para a revisão dos atos de instituição dos benefícios previdenciários;



– de 28/06/1997 a 20/11/1998 – tais revisões passam a estar sujeitas a prazo decadencial de 10 (dez) anos;


– de 21/11/1998 a 19/11/2003 – as revisões sujeitam-se a prazo decadencial de 5 (cinco) anos;


– a partir de 20/11/2003 – tais revisões voltam a se submeter a prazo decadencial de 10 (dez) anos.


Sendo assim, surge o aparente conflito de normas a ser necessariamente solvido pelas regras de direito intertemporal.


O STJ, assevera que os efeitos da Lei 10.839/2004 retroagem à data de 27/06/1997 (edição da MP 1523-9), razão pela qual, desde então, o prazo decadencial é de dez anos.


Deve-se abrir um parêntese aqui. O TRF 2ª. Região já estabeleceu cristalinamente o prazo decadencial de revisão do ato concessório, instituído pelo art.103-A da Lei 8.213/91, conta-se a partir do advento da Lei 10.839, de 06/02/2004. Assim, não há prazo decadencial para benefícios concedidos antes de 06/02/2004. Essa tese é muito nova ainda e não há muitos julgados a respeito. Vejamos:


RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO - AFASTADA A DECADÊNCIA DO ATO DE REVISÃO DO BENEFÍCIO - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - APURADAS IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1) Consoante a orientação firmada pelo Eg. STJ, o prazo decadencial de revisão do ato concessório, instituído pelo art.103-A da Lei 8.213/91, conta-se a partir do advento da Lei 10.839, de 06.02.2004, de modo que não restou ultrapassado, já que antes se considerava que a revisão poderia ocorrer a qualquer tempo. 2) Ademais, tal revisão encontra amparo no artigo 69 da Lei 8.212/91, tanto quanto no art. 11 da Lei 10.666/2003, como expressão do exercício do poder-dever de autotutela inerente à Administração de revisão do ato de concessão do benefício, corroborado pela Súmula 473, da E. Suprema Corte, pois que não se pode coadunar com a persistência do pagamento de benefício quando reunidas provas suficientes para demonstrar a irregularidade de sua concessão, desde que observado, ainda, o devido processo legal mediante oportunidade de ampla defesa e do contraditório. 3) Verifica-se, na espécie, a regularidade formal do processo de revisão do benefício, além da apuração acerca da inconsistência de dados utilizados na concessão, com base em diligências realizadas junto a ex-empregador, negando vínculo empregatício. 4) Em contrapartida, a parte-impetrante limita-se a alegar que não dispõe dos documentos comprobatórios dos vínculos considerados naquela ocasião, nem apresentou qualquer outra prova a esse respeito, sendo certo que não se admite dilação probatória em sede de mandado de segurança. 5) Não havendo prova pré-constituída acerca dos requisitos necessários à concessão do benefício, não há falar em direito líquido e certo, ressalvando-se, no entanto, as vias ordinárias. 6) Recurso conhecido e improvido. (TRF2, AMS 200751018004287, Relatora Desembargadora Federal ANDREA CUNHA ESMERALDO, DJU 20/04/2009) – grifo nosso.


Os posicionamentos dos julgadores tem sido os mais variados, destacando-se, porém três situações: 1º) Há decadência tanto para situações anteriores, como posteriores a nova lei; 2º) A contagem do prazo decadencial começa para situações anteriores a partir da nova lei; 3º) Não há prazo decadencial para situações anteriores a nova lei.


Dessa maneira, analisam-se cada uma delas.


1º) Há decadência tanto para situações anteriores, como posteriores a nova lei.


Para essa corrente, os efeitos da lei nova aplica-se para todos. Essa tese encontra-se superada há muito tempo pelos pretórios, mas defendida "com unhas e dentes" pelo INSS.


2º) A contagem do prazo decadencial somente começa para situações anteriores a partir da nova lei.


Conhecida como corrente moderada, tem sido acatada por alguns tribunais (de forma minoritária).


Por essa tese, quem teve seu benefício concedido antes de 27/06/1997, vai iniciar sua contagem a partir da nova lei. Por exemplo, se alguém se aposentou em 1985, não tinha prazo decadencial quando se aposentou. Com a nova lei, a contagem dos 10 (dez) anos para pedir a revisão começaria em 27/06/1997 e terminaria em 2007 (para aqueles que entendem que conta-se a partir da Lei 10.839/04, o prazo terminaria em 2014).


3º) Não há prazo decadencial para situações anteriores a nova lei.


Essa é a tese e o posicionamento predominante dos tribunais.


Assim, todos os benefícios concedidos após 27/06/1997 têm prazo decadencial de 10 (dez) anos, mesmo aqueles concedidos entre 20/11/98 e 19/11/2003.


O STJ já tem como consolidado, quanto ao tema, que o prazo decadencial do direito à revisão da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários concedidos antes do ano de 1997, não atinge os benefícios concedidos anteriormente à edição da MP 1.523-9/97.


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO CONSTATADA. DECISÃO ULTRA PETITA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. PRAZO. TERMO INCIAL. ART. 103 DA LEI 8.213/91 E SUAS POSTERIORES ALTERAÇÕES. BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA SUA VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO. PRECEDENTES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...). 2. O prazo decadencial estabelecido no art. 103 da Lei 8.213/91, e suas posteriores alterações, não pode retroagir para alcançar situações pretéritas, atingindo benefícios regularmente concedidos antes da sua vigência. Precedentes. 3. Embargos de declaração acolhidos, com atribuição de efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao recurso especial. (STJ – EDcl no REsp nº 527331/SP – 5ª Turma – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – publicado no DJ em 23.06.2008) (g.n.) - Fonte DVD Magister, versão 29, ementa 11587167, Editora Magister, Porto Alegre, RS)


REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ART. 103 DA LEI 8.213/91. MP 1.523/97. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. 1. A jurisprudência deste STJ firmou-se no sentido de que o prazo decadencial do direito à revisão da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários concedidos antes de 1997, cujo ato concessivo fora instituído pela MP 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/98 e alterado pela Lei 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27 de junho de 1997, data da nona edição da referida MP. (...). 4. Agravo Regimental improvido. (STJ – AgRg no REsp 863325/SC – 6ª Turma – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – publicado no DJ em 07.04.2008) (g.n.) - Fonte DVD Magister, versão 29, citado na ementa 14250863, Editora Magister, Porto Alegre, RS)


Na mesma esteira tem sido o entendimento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, acompanhando a posição do STJ:


REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, COM BASE NA LEI Nº 6.423/77. 1. Não se aplica o instituto da decadência do art. 103 da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, a fatos anteriores a sua vigência. O instituto só atinge relações jurídicas a partir de sua vigência. 2. Segundo o entendimento do STJ, Súmula 7 do TRF/3ª Região e Súmula 2 do TRF/4ª Região, a correção monetária dos salários-de-contribuição, relativos a benefícios previdenciários concedidos antes da Lei n. 8.213/91, deve ser calculada pela variação da ORTN/OTN, a teor da Lei n. 6.423/77. 3. Honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, corrigidos desde o ajuizamento da ação (art. 55 da Lei n. 9.099/95). 4.Recurso a que se nega provimento. (TNU – RECURSO CÍVEL nº 200241007002573 – 1ª Turma Recursal - RO – Rel. Selmar Saraiva da Silva Filho – publicado no DJ em 09.09.2002) (g.n.)


E mais. Recentemente a TNU, no processo nº 200751600033136, no pedido de uniformização de interpretação de lei federal, assim decidiu:


REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – ÍNDICES DE CORREÇÃO PREVISTOS NA LEI 6.423/77 (OTN/ORTN) – BENEFÍCIO ANTERIOR A LEI 8.213/91 – POSSIBILIDADE – PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART. 103 DA LEI 8.213/91 – NÃO APLICAÇÃO – RECURSO PROVIDO. 1) Os índices a serem observados para a correção dos salários-de-contribuição dos benefícios previdenciários concedidos anteriormente à edição da lei 8.213/91 são aqueles previstos na lei 6.423/77, ou seja, OTN/ORTN. Precedentes do STJ. 2) Não se aplica o instituto da decadência do art. 103 da lei 8.213/91, com a redação dada pela lei nº 9.528/97 a fatos anteriores a sua vigência. 3) Pedido de Uniformização de Jurisprudência conhecido e provido. (TNU – PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO nº 200751600033136 – RJ – Rel. Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha – julgado em 16.02.2009) (g.n.)


Assim, quem teve seu benefício concedido (ou negado) antes da referida data, pode pedir a revisão a qualquer tempo, mas só receberá a diferença dos últimos 5 (cinco) anos. Quer dizer que se alguém aposentou em 1978, por exemplo, e quiser pedir a revisão hoje, pode.


Infelizmente, o INSS tem brigado para fazer o contrário e, tristemente, alguns juízes têm seguido a posição da Previdência Social. Porém, as instâncias superiores, quando a elas se recorre, têm interpretado em favor do beneficiário.


NOTA DOS AUTORES


1 - No regime previdenciário estatutário, porém, sempre se reconheceu a prescrição do fundo de direito de postular revisão dessa espécie após transcorrido qüinqüênio do ato de instituição do benefício, com base no Decreto n° 20.910/32.


Extraído de Editora Magister/doutrina

Um comentário:

silvio tusi jr disse...

OLÁ DR. SOU O DR SILVIO TUSI JUNIOR DE SANTIAGO/RS, ENTRO EM CONTATO DEVIDO A ATUAL POSIÇÃO DA TNU A CERCA DA DECADÊNCIA A SER APLICADA INCLUSIVE COM EFEITOS NOS BENEFÍCIOS ANTERIORES A 1997 QUANDO SEQUER EXISTIA TAL INSTITUTO JURÍDICO. TAL POSIÇÃO É DO FEITO N° 2006.70.50.00.7063-9 DO PARANÁ QUE FOI JULGADO NA TURMA NACIONAL RECENTEMENTE.
POR FAVOR GOSTARIA DE SABER SE SABE DE POSIÇÃO CONTRÁRIA POIS ESTAMOS MEIO DESNORTEADOS COM ESTA DECISÃO,