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09 março 2010

O ATO ILÍCITO NO CÓDIGO CIVIL-2

Parte 2


HEREZ SANTOS
Bacharel em Ciências Náuticas e Direito. Advogado no Rio de Janeiro

4. Antijuricidade no cível

O Direito surge no seio social em razão da incessante busca pela instauração e preservação da ordem, principio fundamental da natureza e idéia primária do homem, sem a qual a vida na pólis se inviabiliza.

Assim, regra fundamental à vida grupal é aquela que vem informada no dístico romano neminem laedere.

Segundo Orlando Gomes, o ato haverá de ser considerado antijurídico sempre que como decorrência de uma infração da regra que disciplina a atuação estritamente jurídica de alguém, se manifeste uma desconformidade, ainda que não venha esta lesar direito subjetivo de quem quer que seja. E cita com proficiência o exemplo daquele que, pretendendo transmitir mortis causa seus bens a determinadas pessoas, deixa de observar a forma autorizada na lei, descumprindo assim as solenidades ordenadas, e, promovendo, pois, ato desconforme à regra de Direito.

Situação diferente, no entanto, diz mais aquele versado jurisconsulto, apresenta-se quando do ato infringente de norma jurídica resulta dano à outra pessoa. A violação implica, nesse caso, lesão a um direito subjetivo, provocando reação diferente da ordem jurídica.

Portanto, pode ocorrer de um ato ser rotulado de antijurídico sem que, por conta dele, ao agente se imponha necessariamente o dever de indenizar. Atribuir-se-á, porém, esse dever ao autor da ação se do ato decorrer dano à esfera jurídica de outrem.

Ambas as situações antes mencionadas reproduzem espécies de antijuricidade subjetiva. Mas a antijuricidade não se limita, porém, diga-se, a essas duas espécies subjetivas. A ordem jurídica, por exigência que decorre, sobretudo, de reclamo moral recomendando a reparação de todo e qualquer dano, admite ainda a antijuricidade objetiva, aquela para qual o proceder se faz irrelevante.

5. Responsabilidade civil

Nas palavras de Pontes de Miranda, quando se faz o que não se tem o direito de fazer, certo é que se comete ato lesivo, pois que resta diminuído, contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou se lhe eleva o passivo das obrigações, o que é genericamente o mesmo.

Maria Helena Diniz, sintetizando a conceituação de responsabilidade civil aduz que se pode defini-la como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).

Aquele que destrói uma res nullius não chega a provocar um prejuízo juridicamente relevante por conta exatamente de inexistir a vítima do dano provocado, o que permite dizer em via versa que o fundamento da responsabilidade baseia-se no desequilíbrio jurídico-econômico promovido pelo prejuízo.

Não se pode negar que no campo da responsabilidade civil o Código Francês de 1804 foi suporte e modelo para muitos dos institutos do nosso estatuto civil ab-rogado. A culpa como pressuposto da responsabilidade, acolhida no art. 159 do Código Civil de 1916, por exemplo, teve por inspiração o art. 1383 do estatuto francês.

6. Ato ilícito

O conceito de ato ilícito é de suma importância para a responsabilidade civil, vez que este faz nascer a obrigação de reparar o dano. O ilícito repercute na esfera do Direito produzindo efeitos jurídicos não pretendidos pelo agente, mas impostos pelo ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. A primeira das conseqüências que decorrem do ato ilícito é o dever de reparar. Mas não se faz única, eis que, dentre outras, este pode dar causa para a invalidade ou cessação do ato, por exemplo.

No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeitos de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância, pondera o provecto José Cretella Jr.

E o princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o, é de ordem pública, ressalta a renomada Maria Helena Diniz.

A definição de ato ilícito afirmada pela plêiade de renomados doutrinadores a seguir mencionados, salienta diferença apenas no estilo pessoal de cada deles expor. Vejam-se.

“Ato ilícito é, portanto, o que praticado sem direito, causa dano a outrem.”(Clovis Belivaqua)

“Que é ato ilícito? Em sentido restrito, ato ilícito é todo fato que, não sendo fundado em Direito, cause dano a outrem.”(Carvalho de Mendonça)

“Ato ilícito, é, assim, a ação ou omissão culposa com a qual se infringe, direta e imediatamente, um preceito jurídico do direito privado, causando-se dano a outrem.”(Orlando Gomes)

“ ... ato ilícito é o procedimento, comissivo (ação) ou omissivo (omissão, ou abstenção), desconforme à ordem jurídica, que causa lesão a outrem, de cunho moral ou patrimonial.”(Carlos Alerto Bittar)

“O caráter antijurídico da conduta e o seu resultado danoso constituem o perfil do ato ilícito.”(Caio Mario da Silva Pereira)

“O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola dieito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão.”(Maria Helena Diniz)

“Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à lei, da qual resulta danos a outrem.”(Marcus Cláudio Acquaviva)

Na trilha traçada pelos aludidos letrados, dir-se-ia, pois, que somente por razão a uma pretendida menção genérica é que admite-se considerar o ilícito como desconformidade pura e simples, isto é, que se o possa ter tão só como ato contrário à lei. Não fosse assim, por certo que de toda e qualquer infração exsurgiria o dever de reparar, o que de fato não acontece. Por conta disso, costuma-se enunciar que o ato ilícito constitui uma ação comissiva ou omissiva, imputável ao agente, danosa ao lesado e contrária à ordem jurídica.

Aliás, na caracterização do ato ilícito, o direito violado, diga-se, deve ser, por força mesmo da sistemática orgânica do instituto da responsabilidade civil, direito absoluto, isto é, aquele imposto erga omnes, vez que o direito relativo ou contratual, por interessar exclusivamente às partes, não é tido senão como ato ilícito lato sensu.

A culpa, apregoe-se, é o elemento anímico do ato ilícito. E este, reitera-se, para efeitos de responsabilidade civil, se refere à ação ou omissão que, contrariando o ordenamento jurídico, vem causar algum tipo de dano a terceiro.

Publicado originalmente no site Boletim Jurídico no. 184/2006, de onde foi extraído.

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