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25 novembro 2010

PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO-2

Parte 2/3


Gabriela Neves Delgado
Advogada; Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.

3 A Tutela dos Direitos Humanos
Quanto à tutela dos Direitos Humanos, três grandes eixos jurídicos de proteção, necessariamente complementares e interdependentes, se apresentam. São eles: eixo global, regional e nacional.
O primeiro eixo jurídico de proteção, de amplitude universal, refere-se aos direitos estabelecidos na ordem internacional tratados e convenções, por exemplo que refletem um patamar civilizatório universal de direitos compartilhados pelos Estados.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, integram a Carta Mundial dos Direitos Humanos.
Para Arnaldo Süssekind, tais diplomas revelam-se como direitos comuns da humanidade, dado seu grau de importância e universalismo comprovado 30.
O segundo eixo jurídico de proteção é composto pelos sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos, com destaque para os da Europa, América e África. Há também um sistema árabe e a "proposta de criação de um sistema regional asiático" 31.
Finalmente, o terceiro eixo jurídico de proteção é o nacional, cuja representação se dá especialmente pela previsão dos direitos fundamentais nas constituições, como é o caso brasileiro com a CF/88, marco jurídico da institucionalização dos Direitos Humanos no país. Como os diversos eixos jurídicos de proteção devem interagir em benefício dos indivíduos protegidos e o que importa é o grau de eficácia dessa proteção , deve-se aplicar, em cada caso concreto, "a norma que ofereça melhor proteção à vítima" 32, adotando-se o valor da dignidade da pessoa humana como referência maior para o seu cotejo. No caso do Direito do Trabalho, a norma mais favorável ao trabalhador será identificada pela teoria do conglobamento 33.
É, porém, pela vedação a qualquer medida de retrocesso social que os Direitos Humanos demonstram seu caráter progressivo decisivo princípio da vedação do retrocesso social 34.
O princípio da progressividade, em específico, pode ser analisado por meio das perspectivas estática e dinâmica. A perspectiva estática destaca a existência de um núcleo duro de direitos que deve ser efetivado independentemente das condições econômicas e culturais de cada país ou do processo de ratificação dos diplomas internacionais caso os estados-membros adotem formalmente o processo de ratificação. É a hipótese, por exemplo, da Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em sua 86ª sessão, em Genebra, a qual independe de ratificação pelos estados-membros para ser efetivada, considerado o destaque do patamar civilizatório de direitos que apresenta 35.
Quanto à perspectiva dinâmica, o princípio da progressividade exige que as normas internacionais aperfeiçoem a legislação nacional, não sendo adotadas, em hipótese alguma, para diminuir o padrão de proteção já firmado.
Resta comprovado o sentido bidirecional de referido princípio: determinar e estimular a progressão social, além de vedar medidas de retrocesso 36.
Por todas as razões expostas é que há de se ressaltar que os eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos revelam em seu conteúdo um prisma ético, já que exaltam o homem em sua condição valorosa e superior de ser humano, o que significa, em outra medida, o direito de viver em elevadas condições de dignidade.
4 A Tutela dos Direitos Humanos Trabalhistas e Previdenciários: uma Análise a partir dos Princípios Internacionais Decorrentes
A tutela dos direitos trabalhistas e previdenciários também pode ser identificada a partir dos eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos como um todo eixos internacional, regional e nacional.
O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagra princípios fundamentais da ordem jurídica internacional, sendo considerada fonte de máxima hierarquia no Direito 37.
Tamanha sua importância, "a Declaração transformou os direitos humanos num tema global e universal no sistema internacional e traçou a vis directiva de uma política do Direito voltada para a positivação dos Direitos Humanos no âmbito do Direito Internacional Público" 38.
No plano do Direito Individual do Trabalho, ressalta o direito de todo homem, sem qualquer distinção, a igual remuneração por igual trabalho; o direito a uma remuneração justa e satisfatória; o direito a repouso e lazer, inclusive com a limitação razoável das horas de trabalho; o direito às férias remuneradas periódicas; o direito ao trabalho; à livre escolha de emprego; a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
No plano do Direito Coletivo do Trabalho, assegura ao homem o direito de organizar sindicatos e a neles ingressar para proteger seus interesses.
No âmbito previdenciário, assegura ao homem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
A Declaração da Filadélfia declaração relativa aos fins e objetivos da OIT , de 1944, arrola os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho.
O primeiro de seus princípios afirma que "o trabalho não é uma mercadoria".
A afirmação do valor trabalho digno nas principais economias capitalistas ocidentais desponta como um dos marcos da estruturação da democracia social no mundo contemporâneo 39. Onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado por meio, sobretudo, da garantia dos direitos fundamentais de indisponibilidade absoluta não haverá dignidade humana que sobreviva. É, portanto, pelo trabalho digno que o homem encontra sentido para a vida. Nesse contexto, o Direito do Trabalho é o principal instrumento de desmercantilização do labor humano na economia capitalista, favorecendo esse trabalho com regras superiores aos simples imperativos do mercado 40.
O segundo princípio da Declaração da Filadélfia é o que manifesta a liberdade de expressão e de associação como condições indispensáveis a um progresso ininterrupto.
A liberdade de expressão e de associação firma a participação de toda a sociedade no Estado Democrático de Direito, garantindo a manifestação franca do pensamento e a larga possibilidade associativa no país.
A previsão do pluralismo político, no caso brasileiro, é exemplo do reconhecimento da liberdade de expressão, assim como o princípio da livre manifestação do pensamento 41.
Quanto à liberdade de associação, preceitua o art. 8º da CF/88 o direito à livre associação profissional ou sindical, independentemente de autorização dos entes públicos 42.
O terceiro princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho dispõe que "a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral".
A pobreza extrema e a exclusão social violam a dignidade da pessoa humana. Uma das alternativas para diminuir as desigualdades sociais se dá pela efetivação e generalização do Direito do Trabalho, por ser ele "o mais generalizante e consistente instrumento assecuratório de efetiva cidadania, no plano socioeconômico, e de efetiva dignidade, no plano individual" 43.
Finalmente, o quarto princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho expressa que "a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade com os do governo, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum".
A luta contra a carência constitui um dos principais objetivos da OIT e deverá ser promovida por meio de participação dos representantes dos empregados, empregadores e governo estratégia do "diálogo social" ou "tripartismo".
Além de discriminar os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho, a Declaração da Filadélfia afirma que a paz, para ser duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais revela perfeita sintonia com os princípios sociais consagrados pelas inúmeras convenções e recomendações da OIT. No entanto, conforme ensina Arnaldo Süssekind, o nível de proteção dos instrumentos adotados pela OIT supera, em muitos casos, as garantias inseridas no Pacto. Além disso, muitos preceitos do Pacto, ao contrário do que ocorre com a maioria das convenções da OIT, são de caráter promocional - o que, evidentemente, não desobriga os Estados que o ratificaram de implantarem suas normas progressivamente 44.
O que se percebe é que a OIT, desde sua criação, em 1919, pelo Tratado de Versalhes, demonstra preocupação permanente em proteger o trabalhador, assegurando-lhe condições dignas de trabalho e de seguridade social.
Importante iniciativa nesse sentido foi tomada pela OIT, no seio da 86ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, em que foi elaborada a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho doravante, Declaração de 1998.
Dito instrumento normativo definiu como direitos humanos básicos dos trabalhadores, os direitos à liberdade de associação e à negociação coletiva Convenção 87 da OIT, não ratificada pelo Brasil e Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil ; à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório Convenções 29 e 105 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil ; à efetiva abolição do trabalho infantil Convenções 138 e 182 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil e à eliminação da discriminação no que diz respeito ao emprego e à ocupação Convenções 100 e 111 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil.
Em razão da posição especial que os direitos humanos básicos dos trabalhadores ocupam, a Declaração de 1998 enfatiza que todos os estados-membros estão obrigados a respeitá-los, promovê-los e efetivá-los, pelo único motivo de se terem filiado à OIT e, portanto, independentemente de terem ratificado as Convenções da Organização que tratam do assunto 45.
Aos estados-membros é assegurada liberdade para definir a forma que os direitos serão incorporados ao seu ordenamento jurídico, sendo o processo de ratificação apenas uma das opções. Assim, é possível adaptar as diretrizes da OIT às particularidades de cada país 46.
Certamente, o respeito aos direitos humanos dos trabalhadores implicará na concretização dos principais objetivos da OIT: promover o trabalho digno e, assim, "garantir que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de um real desenvolvimento social" 47.

NOTAS DA AUTORA:

30 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1987. p. 325.
31 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
32 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
33 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 166.
34 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Op. cit., p. 415.
35 - Sobre o tema, consultar: BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Op. cit.
36 - REIS, Daniela Muradas. Contributo ao Direito Internacional do Trabalho: a reserva implícita ao retrocesso sociojurídico do trabalhador nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, UFMG, Belo Horizonte, 2007. Consultar também: REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
37 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. v. II. p. 1403. Consultar, ainda: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil 1948 - 1997 : as primeiras cinco décadas. 2. ed. Brasília: UnB, 2000. p. 23-27.
38 - LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: o desafio de ter direitos. Apud AGUIAR, Odílio Alves; PINHO, Celso de Moraes; FRANKLIN, Karen. Filosofia e direitos humanos. Fortaleza: UFC, 2006. p. 30.
39 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2005. p. 28-29.
40 - DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. Op. cit., p. 207.
41 - ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. A Organização Internacional do Trabalho e a Proteção dos Direitos Humanos Sociais do Trabalhador. Revista LTr, v. 71, p. 604-615, 2007. Consultar também: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009.
42 - Essa liberdade, na Constituição brasileira, não dispensa o registro no órgão competente art. 8º, II, CF/88 e Súmula nº 677, STF.
43 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. Op. cit., p. 142.
44 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. Op. cit., p. 325.
45 - ANDRADE, Fernanda Rodrigues Guimarães. Direitos humanos dos trabalhadores: uma análise da Declaração da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. Projeto de pesquisa orientado pela Profa. Dra. Gabriela Neves Delgado e apresentado, pela aluna bolsista, ao Programa de Iniciação Científica da FAPEMIG. Elaborado conforme as diretrizes do NAPq da Faculdade de Direito da UFMG. 2010.
46 - Ibidem.
47 - Ibidem.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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