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19 novembro 2010

COMENTÁRIOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL, PRÉ-CONTRATUAL E PÓS-CONTRATUAL-4

Parte 4-Final

Leonardo de Faria Beraldo
Advogado; Professor; Mestre em Direito pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil; Membro da Lista de Árbitros e do Conselho Deliberativo da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil.

6 Responsabilidade Pós-Contratual
6.1 Aspectos Gerais
A responsabilidade pós-contratual, também comumente denominada de culpa post pactum finitum, consiste no dever das partes de, mesmo após o término do contrato, cumprir os deveres anexos ou laterais de conduta, de tal modo que o contrato atinja seu objetivo final, sem qualquer percalço ou surpresa para os contratantes. Acrescente-se que a ideia surgiu na Alemanha nos idos de 1910.
Percebam que o fundamento jurídico da responsabilidade pós-contratual, assim como ocorre na responsabilidade pré-contratual, é o princípio da boa-fé objetiva.
Com efeito, os elementos da responsabilidade pós-contratual são os seguintes: i) cumprimento da obrigação principal; ii) violação de um dever lateral/acessório de conduta (pautado na boa-fé objetiva), que pode estar expresso ou não no contrato, como, v.g., lealdade, segredo, informação etc.; e, iii) a existência de um fato que viola esse dever acessório.
Também é importante destacar que, muitas vezes, a pós eficácia das obrigações decorre da própria lei. Nestes casos, estaríamos diante da pós eficácia em sentido geral, e, não, em sentido específico. Os exemplos podem ser verificados nos seguintes textos legais: i) arts. 689, 690, 1.571, § 2º e 1.708 do Código Civil, e, ii) arts. 10, § 1º e 32 do CDC. In casu, não se trata da culpa post pactum finitum propriamente dita. Aliás, nem mesmo poder-se-ia falar em pós-eficácia, mas, sim, em eficácia, tendo em vista que é a própria lei que está impondo o referido efeito de a obrigação ser cumprida posteriormente.
Por derradeiro, cumpre esclarecer qual seria a natureza jurídica da responsabilidade pós-contratual. A nosso ver, assim como a responsabilidade pré-contratual deve ser enquadrada como uma terceira via, o mesmo vale para a culpa post pactum finitum. Como já mencionado anteriormente, a base de ambas reside no princípio da boa-fé objetiva, razão pela qual o melhor caminho é tê-las como uma espécie sui generis de responsabilidade civil: a chamada terceira via, que possui características próprias.
Todavia, para Rogério Ferraz Donnini, este não é o melhor entendimento. Num primeiro momento ele afirma que "a criação de um tertius genus não seria fundamental para solucionar com justiça e presteza situações desta natureza" 46. E conclui asseverando que "da mesma forma que é mais conveniente enquadrar a culpa post pactum finitum, para efeitos práticos, na responsabilidade contratual, o mesmo raciocínio não deve ser utilizado na culpa in contrahendo, embora haja, como dissemos, entendimento nesse sentido" 47.
O autor entende que, se foi celebrado um contrato entre as partes, então estes chamados deveres acessórios decorreriam do próprio contrato, razão pela qual à culpa post pactum finitum seriam aplicadas as regras da responsabilidade civil contratual. Já nos manifestamos anteriormente que o ideal seria que ela fosse um terceiro gênero, uma vez que, extinto o contrato, não há que se falar mais em responsabilidade contratual.
Portanto, o que precisa ficar claro ao se falar em responsabilidade pós-contratual é que ela vai existir sempre que um dos contratantes, após a extinção do contrato, não cumprir os deveres anexos ou acessórios de conduta que deles são exigidos, com amparo no princípio da boa-fé objetiva. E mais. Se o dever não cumprido fora estabelecido no contrato, então não estaríamos diante de culpa post pactum finitum, mas, sim, de responsabilidade contratual.
6.2 Exemplos
Os exemplos aqui são bem claros e de fácil percepção da existência da culpa post pactum finitum. Senão, vejamos.
Houve a transferência de um determinado segredo industrial entre A e B. Posteriormente, ou seja, findo o contrato, B o torna público, fazendo com que haja súbita e forte perda do seu valor econômico (imaginem se fosse o segredo da fórmula da Coca-Cola?).
Outra hipótese seria a de um profissional, ex-empregado de uma empresa, que dela se desvincula e logo divulga seus segredos industriais para o concorrente.
O terceiro exemplo é o seguinte. "O proprietário de um imóvel vendeu-o e o comprador o adquiriu por este ter uma bela vista sobre um vale muito grande, construindo ali uma bela residência, que valia seis vezes o valor do terreno. A verdade é que o vendedor gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o comprador – negócio acabado. Depois, o ex-proprietário, o vendedor foi à prefeitura municipal, verificou que não havia a possibilidade de construir um prédio em frente, mas adquiriu o prédio em frente ao que tinha vendido e conseguiu na prefeitura a alteração do plano diretor da cidade, permitindo ali uma construção. Quer dizer, ele construiu um prédio que tapava a vista do próprio terreno que havia vendido ao outro – esse não era ato literalmente ilícito. Ele primeiramente vendeu, cumpriu a sua parte. Depois, comprou outro terreno, foi à prefeitura, mudou o plano, e aí construiu. A única solução para o caso é aplicar a regra da boa-fé. Ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado. É, portanto, post pactum finitum" 48. Atentem para o importante detalhe neste caso. Qualquer cidadão no mundo poderia fazer isto, menos o vendedor, uma vez que estaria agindo contrariamente ao princípio da boa-fé objetiva.
O quarto caso seria este. "Uma dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos de pele. A confecção fez os casacos, vendeu-os e os entregou para essa dona da boutique. Aí, liquidado esse contrato, a mesma confecção fez mais 120 casacos de pele idênticos e vendeu-os para a dona da boutique vizinha" 49. Importante detalhe do caso que foi omitido pelo autor é que o projetista destes casacos foi o primeiro que os encomendou. Então, o fabricante autônomo, além de vender produto idêntico ao concorrente, o fez fazendo uso do desenho por aquele desenhado. Este exemplo é um pouco mais controvertido se seria ou não culpa post pactum finitum. Isto porque poderia ser arguido que inexistia cláusula contratual de exclusividade.
Mais uma hipótese de responsabilidade pós-contratual pode ser aqui verificada. "Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais barato carpete para colocar no seu empreendimento. Conseguiu uma fornecedora que disse ter o preço melhor, mas que não fazia a colocação. Ele pediu, então, à vendedora a informação de quem poderia colocar o carpete. A firma vendedora indicou o nome de uma pessoa que já tinha alguma prática na colocação do carpete, mas não disse que o carpete que estava fornecendo para esse empresário era de um tipo diferente. O colocador do carpete pôs uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava estragado. A vendedora dizia: cumpri a minha parte no contrato, entreguei, recebi o preço, o carpete era esse, fiz favor indicando um colocador. Segundo a regra da boa-fé, ela não agiu com diligência, porque, no mínimo, deveria tê-lo alertado – uma espécie de dever de informar e de cuidar depois de o contrato ter terminado – a propósito do novo tipo de carpete. Há responsabilidade pós-contratual" 50. Vejam que faltaram os deveres de informação e de cooperação.
O último exemplo é o de A que compra um sítio de B sob a garantia de que o local é muito tranquilo. Após alguns meses, B constrói um enorme viveiro de araras no sítio ao lado, que também era dele, acabando, por conseguinte, com a paz e sossego de A. Ora, mais uma vez vamos ser forçados a repetir que qualquer pessoa no mundo poderia construir o tal viveiro na propriedade ao lado, menos o vendedor do sítio, pois um dos fundamentos de convencimento foi justamente a calmaria do local. Aí vem ele, posteriormente, e acaba com a tranquilidade? Este não é o comportamento esperado dos contratantes; isto não é agir de boa-fé; e é em face disto que há a responsabilidade pós-contratual.
Notas do Autor:
46 - Responsabilidade pós-contratual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 148.
47 - DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit. p. 150.
48 - Exemplo fornecido por Antônio Junqueira de Azevedo. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo7.htm. Acessado em: 20.01.07.
49 - Exemplo fornecido por Antônio Junqueira de Azevedo. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo7.htm. Acessado em: 20.01.07.
50 - Exemplo fornecido por Antônio Junqueira de Azevedo. Disponível em: . Acessado em: 20.01.07.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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