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18 novembro 2010

COMENTÁRIOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL, PRÉ-CONTRATUAL E PÓS-CONTRATUAL-3

Parte 3/4


Leonardo de Faria Beraldo
Advogado; Professor; Mestre em Direito pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil; Membro da Lista de Árbitros e do Conselho Deliberativo da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil.

5 Responsabilidade Pré-Contratual
5.1 Introdução, Escorço Histórico, Fundamento Jurídico e Hipótese de Não Cabimento da Indenização
A responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo baseia-se na ideia de que o simples início das negociações cria, entre as partes, deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito. A base da fundamentação de sua existência está no princípio da boa-fé objetiva, que, como é do conhecimento de todos, são aqueles deveres anexos de conduta que as partes devem ter nas fases das tratativas, da celebração, da execução e após o término do contrato.
Não existe dúvida nem mesmo discussão na doutrina acerca da existência de uma responsabilidade civil das partes na fase pré-contratual, muito embora a jurisprudência sobre o assunto ainda seja um pouco tímida e escassa. Como será abordado a seguir, toda a controvérsia está em torno de descobrir se a responsabilidade pré-contratual tem natureza jurídica contratual, extracontratual ou se não seria nem uma nem outra.
Quem primeiro discorreu sobre o tema da "culpa in contrahendo" na doutrina alemã foi VON JHERING. Ele sustentava que não poderia ser hipótese de responsabilidade aquiliana (isto porque, por não haver contrato, todos pensavam rapidamente que deveria ser responsabilidade extracontratual), pois esta "limita-se à indenização de bens com existência material, ou seja, coisas ou pessoas" 27. A seguir, ele constrói a tese de que a responsabilidade pré-contratual possui natureza de responsabilidade contratual, e, a seu ver, isto é possível porque as partes estão em negociação para a celebração de um contrato, logo, o seu fundamento seria justamente o contrato a ser concluído (Zielvertragstheorie).
Vejam, portanto, que existe um vínculo obrigacional na fase das negociações para a conclusão de um contrato. "Esse vínculo obrigacional não decorre de uma relação jurídica contratual, mas sim diretamente da lei, que cria deveres para as partes durante o desenrolar das negociações contratuais" 28. E é justamente em decorrência do descumprimento desta obrigação que se faz possível invocar as regras protetivas atinentes à responsabilidade contratual.
Houve ainda autores alemães que sustentaram a existência de uma relação contratual de fato, derivada do contato social na fase das tratativas, ou seja, determinaria uma situação de confiança em ambas as partes, "que seria o fundamento para a aplicação dos deveres sociais de proteção (Schuldplichten), que ensejariam a aplicação da responsabilidade contratual" 29. Porém, esta teoria foi alvo de muitas críticas, principalmente por fazer analogia à fase contratual, algo que obviamente ainda não existia, pois o dever de entregar algo só se perfaz com a celebração do contrato.
Todavia, a teoria mais aceita até hoje na Alemanha é a ideia de uma relação obrigacional pré-contratual, derivada dos deveres anexos de conduta previstos na lei, os quais as partes devem zelar, cooperar e proteger a parte contrária. Em outras palavras, existe, sim, uma obrigação entre as partes, mas que advém da lei, e não do contrato. Seriam exemplos destes deveres laterais de conduta a cuidado e proteção com a pessoa e seu patrimônio, a informação precisa e clara sobre o objeto do futuro contrato, a cooperação, dentre outros. Porém, há projeto de lei para modificar o BGB e incluí-la na chamada terceira via.
Assim, pode-se concluir que "o verdadeiro fundamento para a aplicação das regras de responsabilidade contratual à culpa in contrahendo na Alemanha se situa atualmente na noção de quase-contrato" 30, cujo grande defensor desta teoria foi KARL LARENZ. Verifica-se, desta forma, que o fundamento para se aplicar as regras de responsabilidade contratual à responsabilidade pré-contratual, é a violação a uma obrigação (obrigação esta de agir com a mais estrita boa-fé), e não por inobservância de um contrato. Com isso, retomou-se a lógica do sistema, pois não mais era necessário sustentar que havia relação contratual entre duas pessoas na fase de negociação. Contudo, ficou claro para a doutrina e para a jurisprudência que existia uma obrigação, decorrente da lei, a ser observada e cumprida pelos futuros contratantes, sob pena de eventual ação de reparação de danos.
Apenas a título de curiosidade, na Áustria, na Suíça e na Grécia à culpa in contrahendo são aplicadas as regras da responsabilidade contratual. Em Portugal, a corrente majoritária defende esta mesma tese. Já no Brasil e na Itália esta ideia é defendida por corrente minoritária.
Noutro norte, na Itália defende-se o enquadramento da culpa in contrahendo como espécie de responsabilidade extracontratual. Isto porque, segundo a melhor doutrina, o art. 1.337 do Codice Civile 31 é norma desprovida de sanção. Logo, seria necessário socorrer-se à regra geral de responsabilidade civil, insculpida no art. 2.043, também do Código Civil italiano 32. Os italianos não admitem a construção doutrinária alemã da relação jurídica obrigacional pré-contratual. Para eles, se não existe contrato, não se pode falar em responsabilidade contratual. A violação à boa-fé nada mais é que um dano injusto, logo, é hipótese de aplicação do princípio neminem laedere, ou seja, um ilícito extracontratual.
Em França também não se admite a responsabilidade pré-contratual como ramo da responsabilidade negocial. Fazem uso do art. 1.382 do Código de Napoleão, que é a regra geral de responsabilidade aquliana.
Com efeito, também na Bélgica, na Espanha e na Argentina é defendida esta ideia, qual seja, de que à responsabilidade civil pré-contratual aplicam-se as regras da responsabilidade delitual. E, no Brasil esta é a corrente majoritária. Aliás, neste esteira de pensamento, segundo Récio Eduardo Cappelari, a responsabilidade é "extracontratual, porque o que caracteriza a RPC [responsabilidade pré-contratual] é o comportamento das partes e não o inadimplemento de um contrato, fato que não há de pensar, visto que o contrato nem chegou a existir, pelo que a infração dos deveres alocados na fase pré-contratual qualifica-se como ofensa ao princípio geral de não lesar" 33.
Ainda sobre a fase das negociações, importante deixar bem claro que, mesmo que as tratativas estejam em estágio bastante avançado, é possível não haver a celebração do contrato, sem que, com isso, ocorra a chamada responsabilidade civil pré-contratual. Dois exemplos nos vêm à mente.
O primeiro seria a alteração da base do futuro negócio jurídico. Imaginem que o objeto das negociações é a compra de uma lavoura de cana-de-açúcar. No entanto, poucos dias antes da assinatura do contrato, uma queimada acaba com toda a plantação, fica evidente a completa impossibilidade e falta de interesse do suposto comprador em efetuar a compra 34. O segundo seria a possibilidade de se celebrar um outro contrato, com um terceiro, cujo objeto seja idêntico, só que com a prestação mais vantajosa para ele. Vejam que houve ruptura das negociações, mas não foi injustificadamente. Houve justa causa para tanto. Logo, a nosso ver, não há que se cogitar em responsabilidade civil, salvo se já houvesse sido feito pagamento de arras, ou então, algum contrato preliminar com cláusula expressa prevendo perdas e danos para tal situação 35.
Uma outra questão que não pode deixar de figurar neste texto é no que concerne à responsabilidade pré-contratual nas relações de consumo. Nestas hipóteses é de suma relevância lembrarmos do art. 35 do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual o consumidor pode inclusive exigir o cumprimento forçado da oferta, desde que não se trate de obrigação de natureza personalíssima.
Finalmente, gostaríamos de chamar a atenção para algo muito importante sobre a responsabilidade pré-contratual. Observem que ela só vai existir se uma das partes agir em desacordo com a boa-fé objetiva. Por outro lado, isto não significa que as partes não podem mais entrar na fase de negociações e deixar de contratar futuramente. Isto ainda é possível sim, claro. O que é vedado pelo Direito é provocar na parte contrária uma expectativa e, posteriormente, rompê-la injustificadamente. Evidentemente que esta situação tem como agravantes o despêndio de dinheiro ou de medidas para o implemento do contrato.
5.2 Críticas
As críticas à doutrina que defende a responsabilidade pré-contratual como ramo da responsabilidade contratual são no seguinte sentido: "A aplicação das regras de responsabilidade pelo descumprimento de uma obrigação às hipóteses de responsabilidade pré-contratual contém em si uma contradição inafastável. Essas regras foram elaboradas tendo em vista a existência de uma obrigação preexistente, cujo conteúdo consiste em prestar alguma coisa a outrem. Ocorre que nas hipóteses de responsabilidade pré-contratual, essa obrigação de prestar, anterior ao fato que enseja a responsabilização, não existe. Todos os que tentaram de alguma forma explicar ou contornar essa contradição falharam. Na fase das negociações, as partes do contrato em gestão efetivamente têm deveres uma com a outra, decorrentes do princípio da boa-fé objetiva. Esses deveres não tem por objeto, no entanto, uma obrigação de prestar alguma coisa a outrem" 36.
Por óbvio, também existem críticas à doutrina que defende a responsabilidade pré-contratual como ramo da responsabilidade extracontratual. "Esse ‘contato social qualificado’ mantido pelas partes durante as negociações contratuais, certamente não é o contato social imaginado pelo legislador, quando criou o sistema de responsabilidade civil delitual. O fato de as partes estarem negociando um contrato faz com que surjam entre elas deveres que vão muito além dos simples deveres de conduta, característicos da mera convivência social. [...]. Os deveres reconhecidos como existentes durante a fase das negociações decorrem, como visto, do princípio da boa-fé que cria para as partes envolvidas deveres positivos de conduta. Não se trata, como sustenta quase toda a doutrina autorizada, de se exigir dos contraentes que não causem dano à outra parte, como resulta da fórmula alterum non laedere; ou seja, não se cogita da imposição de um dever negativo de não prejudicar o outro. O que se exige na fase das negociações preparatórias para a conclusão do contrato é a colaboração entre elas. A boa-fé exigida é a boa-fé objetiva, que cria deveres positivos para os contraentes, de conteúdo variado, tais como o dever de informar, o dever de cuidado e conservação relativamente aos bens e à pessoa do outro contraente, o dever de lealdade, dentre outros" 37.
5.3 A Responsabilidade Pré-Contratual como Terceira Via
Como se pôde observar até então, existem muitos argumentos prós e contras para que a responsabilidade pré-contratual tenha natureza de responsabilidade contratual ou aquiliana.
É foi por isso que surgiu um movimento querendo enquadrá-la como espécie autônoma de responsabilidade, que também é chamada de terceira via. E, conforme veremos a seguir, isto seria sim o mais correto. Mas o ideal é que o legislador promovesse alterações na lei, para que ficasse claro a todos como seriam as regras do jogo.
As opiniões acerca do tema são variadas.
Há autores que entendem que fundamentar a responsabilidade pré-contratual no princípio da boa-fé significa, em verdade, atribuí-la natureza jurídica sui generis, uma vez que não existe uma obrigação descumprida e nem mesmo foi violado o dever geral de não lesar. Logo, tanto a responsabilidade contratual quanto a extracontratual não poderiam servir de fundamento à espécie. E mais: obrigação, por obrigação, o dever de não lesar não deixa de ser uma obrigação prevista em lei.
Outros entendem que a doutrina e a jurisprudência devem, a partir do caso concreto, dizer quais normas da responsabilidade contratual ou aquiliana seriam aplicadas à responsabilidade pré-contratual. Significa dizer que este sistema misto seria construído a partir do caso concreto. Com isto, o juiz não precisaria sempre estar adstrito à aplicação das regras da responsabilidade contratual ou da responsabilidade aquiliana num caso de responsabilidade extrapatrimonial. Achamos delicada esta solução, pois violaria o princípio da segurança jurídica, na medida em que a falta de previsibilidade é clara.
Portanto, o que se pode concluir desta parte é que, realmente, a responsabilidade pré-contratual não se encaixa em qualquer uma das duas responsabilidades tradicionais, quais sejam, a contratual e a delitual. Logo, a melhor solução seria mesmo o seu enquadramento como categoria sui generis, haja vista a existência destes chamados deveres qualificados entre os futuros contratantes. E por fim, é possível que este encargo fique por conta da doutrina e da jurisprudência, mas o ideal, o recomendável, é que venha a fazer parte do nosso ordenamento jurídico por meio de lei, para trazer maior segurança jurídica aos cidadãos.
5.4 Exemplos
O primeiro caso o qual se tem notícia da aplicação da culpa in contrahendo no Brasil é datado de 1936, da Corte de Apellação do Estado de São Paulo 38. Trata-se de hipótese na qual a autora (locatária) da ação combinou com o réu (locador) que este realizasse as obras que o imóvel necessitava e, ao final, o contrato de locação seria celebrado novamente. Ocorre que, ao final das obras, o locador celebrou contrato com outra pessoa, razão pela qual a autora (ex-locatária), indignada, bateu às portas do Poder Judiciário com a tese da responsabilidade pré-contratual. O réu foi condenado a pagá-la, a título de danos emergentes, os honorários advocatícios de seu patrono. Foi julgado procedente ainda pedido de lucros cessantes, no entanto, bem menor do que foi requerido. Ela recebeu apenas o equivalente a três meses de aluguel, o que, segundo os magistrados, era o tempo necessário para que ela encontrasse outro imóvel para ela locar e restabelecer o seu negócio.
O segundo exemplo é o famoso caso dos tomates. Uma indústria tinha o hábito de distribuir, gratuitamente, a plantadores locais, sementes para o plantio de tomates, bem como caixas de sua própria empresa para o armazenamento da futura colheita. Ocorre que em um determinado ano, após agir da mesma forma, ela simplesmente não quis comprar a colheita dos agricultores. Eles então ajuizaram ação de reparação de danos e lograram êxito, tendo a indústria sido condenada a pagá-los cinquenta por cento da colheita, uma vez que o restante eles conseguiram vender para uma empresa concorrente 39. Observem que o que está sendo indenizado, in casu, não é o interesse positivo da parte lesada em ver o contrato cumprido, mas, sim, o interesse negativo em não se ver enganado pela outra parte. Houve uma conduta contraditória (venire contra factum proprium) da indústria, na medida em que induziu os plantadores de tomate a crer que toda a plantação iria ser adquirida, assim como nos anos anteriores, contudo, não foi o que ocorreu.
O terceiro exemplo é bastante parecido com o primeiro, pois envolve contrato de locação. Houve acordo entre as partes de que, ocorrendo certa condição suspensiva, o contrato de locação seria celebrado. Todavia, o locador não cumpriu sua palavra e nem mesmo constituiu em mora o propenso futuro locatário, razão pela qual foi condenado em perdas e danos, uma vez que locou o dito imóvel a um terceiro 40.
Podemos concluir que, em todos os três exemplos citados, somente houve a condenação porque restou devidamente caracterizada e provada a ausência de boa-fé do causador do dano. Logo, sendo a quebra da boa-fé o fundamento da culpa in contrahendo, fica fácil entender a lógica do sistema.
5.5 Lucros Cessantes
Existe certa polêmica acerca do cabimento ou não de lucros cessantes na responsabilidade pré-contratual, principalmente do ponto de vista jurisprudencial A nosso ver, como no Brasil vige o princípio da reparabilidade integral do dano, eles são perfeitamente passíveis de existir, dependendo, claro, sempre do caso concreto.
Destarte, "fundamentalmente, o que importa é que os danos decorram da frustração da confiança do candidato a contratante no curso das negociações, o que pode abarcar oportunidades perdidas em função da concentração de energias no desenvolvimento de um determinado projeto contratual, o qual, posteriormente, é frustrado" 41.
Todavia, importante lembrar que "a possível responsabilização por lucros cessantes não exclui a assunção unilateral de risco por parte de um dos candidatos a contratante" 42. Em suma, só haverá lugar à indenização se a ruptura das negociações advirem da violação da boa-fé objetiva. Aliás, é bom recordar que a autonomia privada está sempre presente, bem como a liberdade de contratar, logo, é perfeitamente possível negociar-se, sem, contudo, contratar-se. Assim, o imperioso é sempre respeitar e pautar-se pela boa-fé objetiva.
Deste modo, se uma das partes romper as negociações injustificada e subitamente, e, por outro lado, a parte que "ficou a ver navios" teve prejuízos, i) ou porque deixou de fazer um outro investimento com aquele dinheiro que estava separado para aplicar no contrato, ii) ou porque perdeu a oportunidade de negociar com outras pessoas, poderá requerer judicialmente as perdas e danos, que englobam os danos emergentes e os lucros cessantes.
Por fim, muita bem colocada foi a indagação de Antonio Chaves: "não seria mais simples admitir desde logo a possibilidade do ressarcimento também pelas ocasiões frustradas, deixando a cargo da prova a verificação da sua viabilidade e à discrição do juiz a fixação do seu montante?" 43. Pensamos como ele e, de fato, seria muito mais simples mesmo!
5.6 Responsabilidade Pré-Contratual de Terceiros
Em obra intitulada "Uma terceira via no direito da responsabilidade civil?", Manuel A. Carneiro da Frada discorre sobre o problema da responsabilidade pré-contratual causada por auditores de sociedades empresariais.
Ora, é sabido que auditores, conselheiros e administradores fiscais exercem importante influência nas partes antes da celebração de um contrato. Assim, se estas pessoas, estranhas ao contrato, mas que participaram ativamente por meio de conselhos, laudos e pareceres, especialmente contábeis e financeiros, levar a erro os destinatários de seus trabalhos, devem elas responder por eventuais danos também.
Verifica-se, destarte, o dever destes terceiros em observar e atender ao princípio da boa-fé objetiva, prestando informações claras, verdadeiras e cooperando, na medida do possível, para o sucesso na formação do contrato.
Desta forma, ao se fazer uma leitura do art. 422 do Código Civil devemos dar sentido mais ampliativo à palavra "contratantes", de modo que estes terceiros também tenham o dever de agir de acordo com a boa-fé. Aliás, como bem disse Manuel A. Carneiro Da Frada, "pode de facto dizer-se que a relação de negociação se firma entre aqueles sujeitos que intervêm com autonomia no processo de formação do contrato. Existindo este pressuposto, torna-se razoável a imputação, a esses sujeitos, de deveres pré-contratuais" 44.
Evidentemente que, normalmente, apenas os contratantes deveriam observar este preceito. Entretanto, trata-se de hipótese especial. Quando um terceiro é o detentor do conhecimento específico para o deslinde das negociações e também para a eventual formação do contrato, não há outra saída senão imputar a eles o dever de agir segundo a boa-fé objetiva determina, sob pena de responder pelos danos materiais causados a qualquer das partes envolvidas nas tratativas.
Com efeito, "se a culpa in contrahendo protege o período pré-negocial, não se vê razão para não se conferir ao conceito de "negociações" o sentido mais abrangente que ele possa comportar por forma a potenciar a eficácia do instituto em ordem ao desempenho da sua função. Os terceiros poderão pois, nessa medida, ser abrangidos" 45.
Por derradeiro, cumpre observar algumas questões controvertidas e complexas que poderão surgir, tais como: i) como a vítima vai fazer prova de que foi lesada por terceiros? ii) quem seriam estes lesados? iii) caso tenha sido entregue aos auditores documentos falsos, ainda assim eles têm responsabilidade?
5.7 Responsabilidade Pré-Contratual e o Princípio do Equilíbrio Contratual
Uma última questão merece a nossa reflexão.
Imaginem que João está em negociações com Maria para a compra de sua safra de soja. O valor das tratativas é de R$ 15,00 por cada saca. Entretanto, em decorrência de uma forte tempestade, diversos outros fazendeiros tiveram suas plantações completamente destruídas, fazendo com que o preço da saca de soja duplicasse em menos de um dia.
Vem, então, a pergunta: será que o propenso vendedor seria obrigado a assinar o contrato de compra e venda, com base no preço anterior, que nada tem a ver com a nova realidade do mercado? Pensamos que não.
O fundamento para tanto estaria nos arts. 317 e 478 do Código Civil. Ambos cuidam da forma de se coibir a onerosidade excessiva em decorrência da imprevisibilidade (rebus sic stantibus). Assim, se os dispositivos legais podem ser aplicados às obrigações já existentes, imaginem então em relação às obrigações que sequer ainda existentes. Assim, havendo alteração na base do negócio jurídico que está em vias de se concretizar, é perfeitamente lícito e justo que seja procedida a retificação do preço das sacas de soja objeto do contrato, sob pena de violação dos princípios da autonomia privada, da liberdade contratual e do enriquecimento sem causa.
Deste modo, fica então lançada a ideia para a reflexão.
Notas do Autor:
27 - PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual: teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 219.
28 - PEREIRA, Regis Fichtner. Op. cit., p. 218.
29 - PEREIRA, Regis Fichtner. Op. cit., p. 220.
30 - PEREIRA, Regis Fichtner. Op. cit., p. 222.
31 - Art. 1.337: Trattative e responsabilità precontrattuale. Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo buona fede (1366,1375, 2208).
32 - Art. 2.043: Risarcimento per fatto illecito. Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno (Cod. Pen. 185).
33 - Responsabilidade pré-contratual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1995, p. 56.
34 - Caso já estivesse assinado o contrato, aplicar-se-ia o art. 234 do Código Civil.
35 - Sobre esta intervenção de terceiro na negociação alheia, confira a advertência de ROXANA CARDOSO BRASILEIRO BORGES sobre a possibilidade de um terceiro, que intervém nas tratativas de outrem, vir a ser condenado em perdas e danos: “Convém, ainda sobre responsabilidade civil e contratos, mencionar a pouco estudada interferência indevida de terceiro na relação contratual. No direito americano, com base no ‘Restatement of torts’, que prevê o ‘torts of induction’, quando um terceiro interfere numa relação contratual impedindo seu cumprimento ou causando seu rompimento. É conduta ilícita, devendo o terceiro ser responsabilizado pelos danos decorrentes do rompimento ou violação. Um caso, na jurisprudência americana, ilustra o problema: Na década de 80, a Pennzoil e a Getty Oil, empresas americanas, negociavam a compra uma da outra. A Pennzoil compraria a Getty Oil por 110 dólares a ação, já havendo um “memorando” (ou pré-contrato, adaptado ao nosso direito) com vários pontos decididos, faltando acertar detalhes secundários. A venda já havia sido divulgada em Bolsa de Valores. Paralelamente e secretamente, intrometeu-se a Texaco, negociou com a Getty Oil um valor de 128 dólares por ação e a Getty Oil desistiu do contrato com a Pennzoil. Em razão deste ‘tort of induction’, a Texaco foi condenada a pagar 7,53 bilhões de dólares (sete) por indenização à Pennzoil e mais um bilhão por ‘punitive damages’” (A atual teoria geral dos contratos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 811, 22 set. 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2007).
36 - PEREIRA, Regis Fichtner. Op. cit., p. 250.
37 - PEREIRA, Regis Fichtner. Op. cit., pp. 253-254.
38 - RT 104/608.
39 - “CONTRATO. TRATATIVAS. “CULPA IN CONTRAHENDO”. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA ALIMENTICIA, INDUSTRIALIZADORA DE TOMATES, QUE DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO PLANTIO, E ENTAO MANIFESTA A INTENCAO DE ADQUIRIR O PRODUTO, MAS DEPOIS RESOLVE, POR SUA CONVENIENCIA, NAO MAIS INDUSTRIALIZA-LO, NAQUELE ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUIZO AO AGRICULTOR, QUE SOFRE A FRUSTRACAO DA EXPECTATIVA DE VENDA DA SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM POSSIBILIDADE DE COLOCACAO. PROVIMENTO EM PARTE DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZACAO A METADE DA PRODUCAO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI ABSORVIDA POR EMPRESA CONGENERE, AS INSTANCIAS DA RE. VOTO VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A ACAO” (TJRS, 5ª C., Ap. nº 591028295, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. 06/06/1991).
40 - DIREITO CIVIL. PACTUM DE CONTRAHENDO. CONFIGURAÇÃO. RETIRADA ARBITRARIA. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR DA PRESTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. INDENIZAÇÃO ABRANGENTE DE TODAS AS PARCELAS DEVIDAS. RECURSO DESACOLHIDO. I - MANIFESTADA EXPRESSAMENTE POR AMBAS AS PARTES A INTENÇÃO DE FORMALIZAR CONTRATO DE LOCAÇÃO DE POSTO DE SERVIÇOS, A DEPENDER DE CONDIÇÃO SUSPENSIVA A CARGO DO PROPONENTE-LOCATARIO, SEM TERMO, FORMALIZOU-SE O CONTRATO PRELIMINAR, NÃO SENDO LICITO A PREPONENTE-LOCADORA CONTRATAR LOCAÇÃO DE POSTO COM TERCEIRO SEM CONSTITUIR EM MORA AQUELE, QUANTO AO IMPLEMENTO DA CONDIÇÃO AVENÇADA. II - A CONTRATAÇÃO, NESSES TERMOS, CONSTITUI RETIRADA ARBITRARIA, HABIL A ENSEJAR A INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS A ELA CONCERNENTES. III - CASO CONCRETO EM QUE A INDENIZAÇÃO CONCEDIDA ABRANGEU TODAS AS PARCELAS DEVIDA AO RECORRENTE” (STJ, 4ª T., REsp n. 32.942/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 25.10.1993, DJ 13.12.1993, p. 27465).
41 - ZANETTI, Cristiano de Souza. Responsabilidade pela ruptura das negociações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 161.
42 - ZANETTI, Cristiano de Souza. Op. cit., p. 162.
43 - Responsabilidade pré-contratual. 2. ed. São Paulo: Lejus, 1997. p. 228.
44 - Uma terceira via no direito da responsabilidade civil?. Coimbra: Almedina, 1997. pp. 100-101.
45 - FRADA, Manuel A. Carneiro da. Op. cit. p. 101.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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